quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Prezados colegas, estou disponibilizando uma coletânea jurisprudencial sobre os princípios do direito penal. As visões mais variadas dos tribunais estaduais e federais sobre os princípios penais. Organizado pelos princípios. É de acesso gratuito.



http://www.bookess.com/read/10974-jurisprudencia-organizada-sobre-os-principios-do-direito-penal/

domingo, 11 de dezembro de 2011

Publicado artigo de minha autoria no site do Ministério Público da Bahia.

A Procuração na Queixa-crime



Queixa-crime é a petição inicial da ação de iniciativa privada. Essa peça só pode ser formulada por advogado constituído através de procuração nos precisos termos do artigo 44, CPP, in verbis: “A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do instrumento do mandato o nome do querelante e a menção do fato criminoso, salvo quando tais esclarecimentos dependerem de diligências que devem ser previamente requeridas no juízo criminal.”

Esta procuração deve preencher todos os requisitos do referido artigo, onde se vislumbra a necessidade especial da menção do fato criminoso, não bastando a simples indicação do dispositivo legal ou o nomen juris atribuído à infração.

Esta formalidade alusiva à menção ao fato criminoso é uma garantia ao advogado , pois provada a falsidade da alegação e não estabelecido os limites do mandato poderá trazer conseqüências graves como o crime de denunciação caluniosa (art. 339, CP) e, até mesmo, indenização civil. É, pois “necessária para fixação da responsabilidade do mandante e do mandatário, que a procuração contenha poderes específicos para a queixa-crime, que objetiva a punição do fato criminoso que ela menciona” .

A representação processual, desse modo, se mostrará regular quando o instrumento de mandato consignar a outorga de poderes para a propositura de queixa-crime, nomeando-se o querelado e indicando-se, com especificidade, as vítimas, bem como os fatos e o preceito legal em que o primeiro estaria incurso. De todo salutar, ainda, nestes casos, o outorgante subscrever também a inicial da referida queixa , apesar de tal procedimento não isentar a juntada da devida procuração.

Como se sabe, via de regra, o direito de queixa deve ser exercido no prazo peremptório de seis meses (artigo 38, CPP e art. 103, CP) e as omissões ocorridas na queixa-crime ou procuração podem ser supridas nesse prazo. Ultrapassado esse, opera-se a decadência.

A manobra jurídica de se “emendar” a procuração decorre de interpretação do artigo 568 do CPP . Se a procuração não menciona o fato criminoso, limitando-se ao nomen juris dos delitos, sem expor como, quando e onde ou de que forma teriam ocorrido os fatos, evidente o vício de representação. Não sanado na época oportuna (a priori, antes do transcurso do prazo decadencial), enseja a extinção da punibilidade do agente, pela decadência do direito de propor queixa-crime .

O STF, todavia, em discrepância à jurisprudência majoritária e doutrina vem entendendo que seria possível a regularização da procuração até mesmo após o prazo decadencial tendo em vista que o artigo 568 do CPP não dispõe de maneira contrária, possibilita a ser sanada a ilegitimidade do representante da parte “a todo tempo” e nada prejudicaria o querelado, podendo-se, por isso, ter continuidade o processo .

Na hipótese, entretanto, da procuração estar irregular e já prolatada sentença o processo deverá ser declarado nulo ab initio. Após a sentença, não há interpretação que acuda a desídia processual do mandatário.

Se não houver, assim uma procuração escorreita tecnicamente, cabe ao juiz rejeitar a queixa liminarmente nos termos do art. 43, inc. III do CPP. Se assim não o fizer, dentro do prazo decadencial, ou até a sentença segundo o STF, poderá ocorrer a regularização. É importante que nesta regularização conste expressamente que o constituinte ratifica os atos anteriormente promovidos, a fim de se evitar nova nulidade.

Observe-se que se a inicial for assinada pelo querelante, supre-se a falha da procuração em não constar o “fato criminoso”, mas não a necessidade da existência da procuração. De outro modo, ausente a formalidade essencial à constituição e validade da queixa-crime, não sanada, é de se declarar extinta a punibilidade, forte no art. 107, IV, do Código Penal .

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Maconha no Rio é 283 vezes mais cara que no Paraguai



DO RIO



O usuário de maconha no Rio paga, em média, 283 vezes mais pela droga em relação ao custo de venda da planta cultivada no Paraguai, aponta pesquisa da Viva Rio.

Segundo a organização, o preço médio por 100 g, no varejo carioca, é de US$ 285,71. A mesma quantidade custa US$ 1 ao ser colhida. No atacado paraguaio é encontrada por US$ 5,71. Ao entrar no Brasil, já custa quase oito vezes: US$ 40.

Para Rubem Cesar Fernandes, do Viva Rio, esses dados mostram que a proibição torna esse comércio altamente rentável. Ele defende a legalização da droga, com o Estado cobrando altos impostos para encarecer o produto e inibir o consumo.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Preso por engano por 19 anos morre após saber de indenização


(24.11.11)
http://www.espacovital.com.br/


A 1ª Turma do STJ, em julgamento realizado na última terça-feira (22), manteve a condenação do Estado de Pernambuco por ter deixado preso ilegalmente o ex-mecânico Marcos Mariano da Silva. Em 2006, o STJ já havia declarado o caso como o mais grave atentado à dignidade humana já visto no Brasil, e condenado o estado a pagar indenização de R$ 2 milhões.



O recurso atual buscava discutir o prazo inicial de incidência de correção monetária, em sede de embargos à execução. Conforme noticiário nacional, Silva faleceu na noite de terça-feira, horas após tomar conhecimento da decisão favorável a sua causa.



Crueldade



Em 2006, os ministros reconheceram a extrema crueldade a que Silva foi submetido pelo poder público. Preso em razão de simples ofício, sem inquérito ou condenação, foi “simplesmente esquecido no cárcere”. Em decorrência de maus tratos e violência, ficou cego dos dois olhos, perdeu a capacidade de locomoção e contraiu tuberculose. A família, à época da prisão composta de mulher e 11 filhos, desagregou-se.



A primeira instância havia fixado indenização de R$ 356 mil, valor aumentado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para R$ 2 milhões. Essa foi a decisão mantida pelo STJ em 2006, ao julgar recurso apresentado pelo Estado de Pernambuco.



Agora, o ente governamental tentava forçar a apreciação pelo Tribunal da data a partir da qual deveria ser contada a correção monetária. O pedido de remessa do recurso especial ao STJ foi negado pelo TJ-PE, levando o estado a recorrer com agravo – negado inicialmente pelo relator. O estado recorreu novamente, levando a decisão para o colegiado.



Divergência notória



O ministro Teori Zavascki já havia rejeitado a apreciação do recurso especial por falta de indicação, no pedido do estado, da lei federal supostamente violada ou da jurisprudência divergente que o habilitasse. Mas Pernambuco forçou que o julgamento fosse levado aos demais ministros da 1ª Turma, por meio de agravo regimental no agravo em recurso especial.



Segundo argumentou o estado, o dissídio jurisprudencial seria notório, em vista de a decisão local contrariar súmula do STJ que trata do termo inicial de contagem da correção monetária, em caso de indenização por dano moral. O relator, no entanto, divergiu.



Para o ministro, o agravo regimental não acrescentou qualquer elemento apto a alterar os fundamentos de sua decisão inicial. A divergência não seria notória, como alegado, em razão de as decisões apontadas como referência tratarem de contexto factual diferente do caso analisado.



Coisa julgada



A principal disparidade seria a coisa julgada formada na situação de Silva, discussão ausente nos processos indicados como paradigma, explicou o relator. No caso, o TJ-PE aumentou o valor da indenização sem alterar a data de início da contagem da correção monetária fixada na sentença. Essa decisão transitou em julgado.



“Resta evidente a ausência de similitude fática em relação aos acórdãos paradigmas, na medida em que neles não é feita qualquer referência em relação ao trânsito em julgado da decisão que fixou o termo inicial da correção monetária, bem como de eventual efeito substitutivo do acórdão reformador”, concluiu o ministro Teori Zavascki. (AREsp nº 6400 - com informações do STJ)



segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Segredo de Justiça: até onde pode ir?

Segredo de Justiça: até onde pode ir?

(Do site do STJ)


A publicidade dos atos processuais é mais do que uma regra, é uma garantia importante para o cidadão, na medida em que permite o controle dos atos judiciais por qualquer indivíduo integrante da sociedade. Ela está prevista na Constituição Federal, em seu artigo 5º, dedicado às garantias individuais, e também tem previsão legal no Código de Processo Civil (CPC), nos artigos 155 e 444.



“A publicidade gera a oportunidade não só de conhecimento, mas, sobretudo, de controle, na forma legal, de decisões, o que é inerente ao processo legal e à própria essência do Estado de Direito, pois se trata de serviço público, vale dizer, para o público, primordial”, avalia o ministro Arnaldo Esteves Lima, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao discorrer sobre o tema.



Tamanha é a importância da publicidade que o ordenamento brasileiro considera nulos os atos realizados sem a observância dessa garantia processual, com exceção das hipóteses de sigilo legalmente permitidas (Constituição Federal, artigo 93, IX, e Código de Processo Civil, artigo 155).



Entretanto, existem situações em que o sigilo interessa ao próprio cidadão, para resguardar-lhe aspectos muito importantes, nos quais a publicidade poderia ferir sua intimidade. O segredo de Justiça é decretado justamente nessas situações, em que o interesse de possibilitar informações a todos cede diante de um interesse público maior ou privado, em circunstâncias excepcionais.



O segredo de Justiça se baseia em manter sob sigilo processos judiciais ou investigações policiais, que normalmente são públicos, por força de lei ou de decisão judicial. Segundo Esteves Lima, ele deve ocorrer apenas em casos excepcionais, quando se questiona, em juízo, matéria que envolva a intimidade das pessoas ou, ainda, nos casos de sigilos de comunicação, fiscais e de dados, conforme prevê a própria Constituição da República (artigos 5º e 93).



“Em tais casos, justifica-se a publicidade restrita aos atores do processo, considerando-se que, em última análise, preserva-se a própria dignidade das partes envolvidas, pois não seria justo que questões pessoais fossem desnudadas ao grande público. Em síntese, o interesse, aí, é, primordialmente, particular, o que torna válido e, mais do que isso, legítimo aplicar a exceção, que é o sigilo processual, em detrimento da regra, que é quase absoluta, da sua ampla publicidade”, afirma o ministro.



No fundo, o legislador resguarda a intimidade do indivíduo e também a integridade da família. Não faz sentido, por exemplo, levar ao conhecimento público toda a intimidade de um casal que enfrenta uma separação litigiosa e/ou disputa a guarda dos filhos. Esse tipo de demanda tem, geralmente, interesse somente para as partes do processo. Ainda que assim não seja, eventual interesse de terceiros fica suplantado pela necessidade de preservar a intimidade dos envolvidos.



Acesso aos processos



A aplicação do segredo de Justiça deve ser sempre avaliada com muita prudência pelo magistrado. Nas investigações policiais, por exemplo, o objetivo é colher provas, regra geral em inquérito policial, sem a interferência da defesa, uma vez que, nesta fase, ainda não há o contraditório.



Entretanto, os advogados reivindicam o direito ao acesso aos inquéritos policiais e civis. Ao julgar um recurso em mandado de segurança (RMS n. 28.949) interposto pela Empresarial Plano de Assistência Médica Ltda. e outro, a ministra aposentada Denise Arruda garantiu aos advogados da empresa o acesso ao inquérito civil instaurado contra eles. Entretanto, a ministra limitou a garantia de acesso aos documentos já disponibilizados nos autos, não possibilitando à defesa o acesso “à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso”.



Em seu voto, a ministra destacou que é direito do advogado, no interesse do cliente envolvido no procedimento investigatório, ter acesso a inquérito instaurado por órgão com competência de polícia judiciária ou pelo Ministério Público, relativamente aos elementos já documentados nos autos que digam respeito ao investigado, e não a dados de outro investigado ou a diligências em curso, dispondo a autoridade de meios legítimos para garantir a eficácia das respectivas diligências. A ministra ressaltou, ainda, que a utilização de material sigiloso, constante de inquérito, para fim diverso da estrita defesa do investigado, constitui crime, na forma da lei.



No julgamento do Recurso Especial n. 656.070, o ministro aposentado Humberto Gomes de Barros definiu que é permitida a vista dos autos em cartório por terceiro que tenha interesse jurídico na causa, desde que o processo não tramite em segredo de Justiça. No caso, o Banco Finasa Ltda. ajuizou uma ação de busca e apreensão de veículo objeto de alienação fiduciária. Exercida a ação, prepostos do banco foram até o cartório verificar se a medida liminar fora deferida. Entretanto, não tiveram acesso aos autos, sob o argumento de que somente advogados e estagiários inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil poderiam fazê-lo.



Já no julgamento de um recurso em mandado de segurança, o ministro Humberto Martins entendeu que não evidencia restrição à liberdade profissional do advogado a não autorização judicial para o acesso aos autos que corram em segredo de Justiça nos quais ele não figurou como patrono. No caso, o advogado recorreu de decisão que não autorizou o seu pedido de vista, bem como a expedição de certidão da sentença de um processo de separação judicial que tramitou em segredo de Justiça. Ele não era o advogado de nenhuma das partes, e sim de um cidadão interessado no processo.



Em seu voto, o ministro lembrou que o artigo 115 do CPC limitou a presença das próprias partes e a de seus advogados em determinados atos, resguardando a privacidade e a intimidade daquelas. Acrescentou que o direito de vista e exame dos autos do processo, nesses casos, restringe-se tão somente às partes e a seus procuradores.



Quebra de sigilo



O segredo de Justiça pode ser retirado quando não mais se justificar, concretamente, a sua manutenção, uma vez que, a partir de determinada fase processual, em lugar da preponderância do interesse particular das partes, sobreleva-se o interesse público da sociedade, que tem direito, em tese, de ficar sabendo do que ocorre naquele processo. “A situação concreta é que permitirá ao juiz da causa fazer tal avaliação e, motivadamente, retirar tal segredo, se for o caso”, afirma o ministro Arnaldo Esteves Lima.



Ao analisar um agravo de instrumento em ação penal, a ministra Nancy Andrighi destacou que, com a determinação da quebra de sigilo fiscal dos investigados, impõe-se a decretação do segredo de Justiça para a tramitação da ação. No caso, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra quatro pessoas, entre elas um governador de Estado. A juíza da 2ª Vara Federal de Mato Grosso do Sul determinou o segredo de Justiça com base no que estabelece o artigo 1º da Lei n. 9.296/1996.



Inconformado, o Ministério Público sustentou a revogação do decreto de segredo de Justiça, sob o fundamento de que, com a edição da Lei Complementar n. 135/2010, denominada “Lei da Ficha Limpa”, a matéria discutida deve ter outro tratamento, adequando-se à iniciativa popular refletida na nova lei.



Em seu voto, a ministra ressaltou que o fato de o denunciado ocupar cargo de natureza política e a edição da Lei Complementar n. 135/2010 não impedem o exercício do direito à informação nem transformam os fundamentos da certidão requerida por interesse particular em interesse coletivo ou geral – tampouco autorizam a quebra do segredo de Justiça.



No último mês de setembro, o ministro João Otávio de Noronha acatou parcialmente a manifestação do Ministério Público e retirou o sigilo, em parte, do Inquérito n. 681, que investiga denúncia de desvio de verbas públicas no estado do Amapá, fato esse apurado pela Polícia Federal na “Operação Mãos Limpas”.



O ministro explicou que o sigilo era necessário para resguardar a atividade de colheita de provas, visto que a publicidade das ações poderia prejudicar a apuração do delito e sua respectiva autoria. Ao acolher o pedido do Ministério Público, nesta fase de investigação, o ministro João Otávio ressaltou que, com a realização das buscas e apreensões e as prisões, o caso caiu em domínio público, “e a imprensa tem noticiado fatos com restrição de informações, o que enseja a distorção delas”.



O relator ressalvou, no entanto, que há no inquérito documentos que não podem ser expostos, seja porque ainda não foram concluídas as investigações, seja pela proteção imposta pela Constituição Federal de preservação da intimidade dos investigados.



Outros casos



No julgamento do Recurso Especial n. 253.058, a Quarta Turma definiu que não fere o segredo de Justiça a notícia da existência de processo contra determinada pessoa, somente se configurando tal vício se houver análise dos fatos, argumentos e provas contidos nos autos da demanda protegida.



No caso, uma cidadã escreveu uma carta, enviada a diversos jornais, criticando as festividades de Carnaval na cidade de Caxambu (MG), na qual haveria, também, ofensas pessoais ao prefeito da cidade, bem como ao vice-prefeito e à secretária do Departamento de Cultura, que, em razão disso, ingressaram com uma ação de indenização.



A ação foi julgada procedente, com a condenação da ré ao pagamento de R$ 15 mil por danos morais e R$ 5 mil para cada uma das autoridades. O extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais reformou a sentença, concluindo que, em relação ao prefeito, não foi caracterizado o dano moral, porquanto “a apelante narra a existência de fato que está sendo objeto de impugnação do mandato na Justiça Eleitoral, cujo processo não é protegido por segredo de Justiça, sendo que a natureza pública do processo afasta a alegada ofensa à honra do prefeito, ainda que posteriormente não venha a ser considerado crime eleitoral”.



No recurso especial ao STJ, o ministro Fernando Gonçalves considerou que, no caso de pessoas públicas, o âmbito de proteção dos direitos da personalidade se vê diminuído, sendo admitida, em tese, a divulgação de informações aptas a formar o juízo crítico dos eleitores sobre o caráter do candidato.



Em outro julgamento, a Terceira Turma admitiu o processamento, em segredo de Justiça, de ações cuja discussão envolva informações comerciais de caráter confidencial e estratégico. No caso, o pedido de sigilo foi deferido no âmbito de ação indenizatória.



A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, destacou que dados de caráter estratégico podem causar sérios prejuízos à empresa se chegarem ao conhecimento de terceiros, em especial de concorrentes. “Seja como for, é incontestável que os fatos discutidos neste processo incluem informações de natureza confidencial, conforme consignado no contrato de ‘joint venture’ celebrado entre as partes. Desta forma, nada obsta a inclusão da hipótese dos autos na esfera de proteção conferida pelo artigo 155 do CPC”, afirmou a ministra.



Preservação da confidencialidade



Em junho de 2010, a ministra Nancy Andrighi levou uma proposta ao Conselho de Administração do STJ, com o objetivo de preservar a confidencialidade dos processos sigilosos. A ministra, fazendo referência a uma questão de ordem suscitada na sessão da Corte Especial, realizada em 16 de junho de 2010, relativa a um determinando inquérito de sua relatoria, propôs a edição de uma resolução, pelo Tribunal, regulamentando a extração de cópias reprográficas de processos sigilosos, bem como limitando a disponibilização de cópias por mídia eletrônica.



“Naquela ocasião, sugeri que as cópias extraídas de processos sigilosos passem a ser impressas em papel contendo marca-d’água, capaz de lhes identificar e individualizar. A filigrana, a ser reproduzida repetidas vezes ao longo de todo o papel, apontará o advogado que requereu as cópias, mediante indicação do número de seu registro junto à OAB, inclusive com a seccional à qual pertence”, afirma a ministra.



A ministra destacou, ainda, que esse procedimento, infelizmente, não se harmoniza com a disponibilização de cópia digital dos autos, pois, ao menos com os recursos de informática atualmente existentes, não há como impedir que o arquivo venha a ser editado de maneira a suprimir a marca-d’água.



A proposta da ministra Nancy Andrighi foi incorporada ao projeto em andamento no Conselho de Administração.





sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Publicado artigo de minha autoria sobre a possibilidade jurídica da acusação penal.

http://revistadedireito.kennedy.br/art/artigo.php?no=22

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Revista Geral - Rádio 107 FM

Dia 17 de setembro de 2011, tivemos a honra de participar do programa REVISTA GERAL com o Ver. Cabo Júlio, o âncora Pascoal e o Ten-Coronel Zoé.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Concedido HC para desclassificar crime de homicídio em acidente de trânsito







A 1ª turma do STF concedeu HC (107801 - clique aqui) a L.M.A., motorista que ao dirigir em estado de embriaguez, teria causado a morte de vítima em acidente de trânsito. A decisão da turma, do dia 6/9, desclassificou a conduta imputada ao acusado de homicídio doloso (com intenção de matar) para homicídio culposo (sem intenção de matar) na direção de veiculo, por entender que a responsabilização a título "doloso" pressupõe que a pessoa tenha se embriagado com o intuito de praticar o crime.

O julgamento do HC, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, foi retomado hoje com o voto-vista do ministro Luiz Fux que, divergindo da relatora, foi acompanhado pelos demais ministros, no sentido de conceder a ordem. A turma determinou a remessa dos autos à vara Criminal da Comarca de Guariba/SP, uma vez que, devido à classificação original do crime [homicídio doloso], L.M.A havia sido pronunciado para julgamento pelo Tribunal do Júri daquela localidade.



A defesa alegava ser inequívoco que o homicídio perpetrado na direção de veículo automotor, em decorrência unicamente da embriaguez, configura crime culposo. Para os advogados, "o fato de o condutor estar sob o efeito de álcool ou de substância análoga não autoriza o reconhecimento do dolo, nem mesmo o eventual, mas, na verdade, a responsabilização deste se dará a título de culpa".



Sustentava ainda a defesa que o acusado "não anuiu com o risco de ocorrência do resultado morte e nem o aceitou, não havendo que se falar em dolo eventual, mas, em última análise, imprudência ao conduzir seu veículo em suposto estado de embriaguez, agindo, assim, com culpa consciente".



Ao expor seu voto-vista, o ministro Fux afirmou que "o homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção perante a embriaguez alcoólica eventual". Conforme o entendimento do ministro, a embriaguez que conduz à responsabilização a título doloso refere-se àquela em que a pessoa tem como objetivo se encorajar e praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.



O ministro Luiz Fux afirmou que, tanto na decisão de primeiro grau quanto no acórdão da Corte paulista, não ficou demonstrado que o acusado teria ingerido bebidas alcoólicas com o objetivo de produzir o resultado morte. O ministro frisou, ainda, que a análise do caso não se confunde com o revolvimento de conjunto fático-probatório, mas sim de dar aos fatos apresentados uma qualificação jurídica diferente. Desse modo, ele votou pela concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao acusado para homicídio culposo na direção de veiculo automotor, previsto no artigo 302 do CTB

Íntegra do voto do ministro Luiz Fux




06/09/2011 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 107.801 SÃO PAULO

V O T O – V I S T A

PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus.

2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual.

3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo.

4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte.

5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2005, p. 243)

6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fáticoprobatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves,

7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela Lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB).

8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário impetrado contra acórdão denegatório de idêntica medida, sintetizado na seguinte ementa, in verbis:

HABEAS CORPUS . TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EXAME DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ANÁLISE APROFUNDADA DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.

1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu e a favor da sociedade. É o mandamento do art. 408 e atual art. 413 do Código Processual Penal.

2. O exame da insurgência exposta na impetração, no que tange à desclassificação do delito, demanda aprofundado revolvimento do conjunto probatório - vedado na via estreita do mandamus -, já que para que seja reconhecida a culpa consciente ou o dolo eventual, faz-se necessária uma análise minuciosa da conduta do paciente.

3. Afirmar se agiu com dolo eventual ou culpa consciente é tarefa que deve ser analisada pela Corte Popular, juiz natural da causa, de acordo com a narrativa dos fatos constantes da denúncia e com o auxílio do conjunto fático-probatório produzido no âmbito do devido processo legal, o que impede a análise do elemento subjetivo de sua conduta por este Sodalício.

4. Na hipótese, tendo a decisão impugnada asseverado que há provas da ocorrência do delito e indícios da autoria assestada ao paciente e tendo a provisional trazido a descrição da conduta com a indicação da existência de crime doloso contra a vida, sem proceder à qualquer juízo de valor acerca da sua motivação, não se evidencia o alegado constrangimento ilegal suportado em decorrência da pronúncia a título de dolo eventual, que depende de profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente sopesadas pelo Juízo competente no âmbito do procedimento próprio, dotado de cognição exauriente.

5. Ordem denegada.

Segundo consta nos autos, o paciente foi denunciado pela prática de homicídio qualificado (art. 121, 2º, IV c/c art. 18, I, segunda parte do Código Penal), porquanto teria, na direção de veículo automotor e sob o efeito de bebidas alcoólicas, atropelado a vítima, que veio a óbito.

Pronunciado o paciente pelo delito de homicídio doloso, interpôs recurso em sentido estrito, que restou desprovido, ensejando a impetração de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça, alfim denegado.

Nesta impetração, sustenta-se que o fato imputado ao paciente deve ser tipificado como homicídio culposo, uma vez que aplicável ao homicídio praticado em direção de veículo automotor por agente sob o efeito de bebidas alcoólicas o art. 302, inciso V, do CTB, na redação da Lei nº 11.275/06, in verbis:

Art. 302. ................

Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente:

[...]

V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. (Incluído pela Lei nº 11.275, de 2006) (Revogado pela Lei nº 11.705, de 2008)

Alega que a Lei 11.275/06 entrou em vigor após a ocorrência do fato (19/05/2002), sendo aplicável ao caso sub judice mesmo que tenha sido revogada, posto ser mais benéfica (artigo 5º, inciso XL da Constituição da República e artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal).

Argumenta que a referida lei “atribui à embriaguez ao volante a condição de causa de aumento de pena em sede homicídio de trânsito culposo, impossibilitando que o estado ébrio seja considerado como justificativa do reconhecimento de dolo eventual, o que afasta a incidência do artigo 121 do Código Penal”.

Afirma que as instâncias inferiores reconheceram a ausência do “animus necandi”, de modo que, se paciente não anuiu nem aceitou o risco de produzir o resultado morte, deveria ser reconhecida a ocorrência de culpa consciente, e não de dolo eventual.

Aduz que a análise do presente writ não requer revolvimento de fatos e provas, como assentado pelo STJ, mas sim de revaloração do acervo probatório, sendo certo que não se pode atribuir automaticamente o dolo quando se trata de homicídio de trânsito decorrente de embriaguez.

Requer a desclassificação da conduta para o tipo do art. 302, “caput” da Lei n.º 9.503/97, “ainda que com o acréscimo previsto no inciso V do parágrafo único do mesmo dispositivo legal”, determinando-se a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.

A liminar restou indeferida pela Relatora.

O parecer do MPF foi pelo indeferimento do writ.

Na assentada em que teve início o julgamento, a Relatora votou pela denegação da ordem.

É o breve relato. Passo a votar.

Cuida-se de habeas corpus em que se pretende a desclassificação da conduta imputada ao paciente para o homicídio culposo previsto no Código de Trânsito Brasileiro (art. 302 do CTB).

Com efeito, dispõe o artigo 419 do CPP que o juiz remeterá os autos ao órgão competente quando se convencer da existência de crime diverso e não for competente para o julgamento. Tal desclassificação, se omitida indevidamente, importa em graves consequências para a defesa, deslocando o processo ao Júri, cujo julgamento é sabidamente atécnico e, às vezes, até mesmo apaixonado, a depender do local onde ele ocorra.

Essas implicações potencializam-se ainda mais no caso sub judice, em que as diferenças de penas entre um e outro crime são gritantes. Para se ter uma ideia, a diferença da entre as penas mínimas do crime de homicídio qualificado (12 anos) e do homicídio culposo em direção de veículo automotor (2 anos) é de 10 anos.

Outrossim, observa-se atualmente, de um modo geral, seja nas acusações seja nas decisões judiciais, certa banalização no sentido de atribuir-se aos delitos de trânsito o dolo eventual, o que se refletiu no caso em exame.

No entanto, reconhecido na sentença de pronúncia e no acórdão que a confirmou que o paciente cometera o fato em estado de embriaguez alcoólica, a sua responsabilização a título doloso somente pode ocorrer mediante a comprovação de que ele embebedou-se para praticar o ilícito ou assumindo o risco de praticá-lo. A aplicação da teoria da actio libera in causa somente é admissível para justificar a imputação de crime doloso em se tratando de embriaguez preordenada, sob pena de incorrer em inadmissível responsabilidade penal objetiva. Nesse sentido, confira-se a doutrina de Guilherme de Souza Nucci:

18. A teoria da actio libera in causa: com base no princípio de que a “causa da causa também é a causa do que foi causado”, leva-se em consideração que, no momento de se embriagar, o agente pode ter agido dolosa ou culposamente, projetando-se esse elemento subjetivo para o instante da conduta criminosa. Assim, quando o indivíduo, resolvendo encorajar-se para cometer um delito qualquer, ingere substância entorpecente para colocar-se, propositadamente, em situação de inimputabilidade, deve responder pelo que fez dolosamente – afinal, o elemento subjetivo estava presente no ato de ingerir a bebida ou a droga. Por outro lado, quando o agente, sabendo que irá dirigir um veículo, por exemplo, bebe antes de fazêlo, precipita a sua imprudência para o momento em que atropelar e matar um passante. Responderá por homicídio culposo, pois o elemento subjetivo do crime projeta-se no momento de ingestão da bebida para o instante do delito.

Desenvolve a Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal de 1940 a seguinte concepção: “Ao resolver o problema da embriaguez (pelo álcool ou substância de efeitos análogos), do ponto de vista da responsabilidade penal, o projeto aceitou em toda a sua plenitude a teoria da actio libera in causa ad libertatem relata, que, modernamente, não se limita ao estado de inconsciência preordenado, mas se estende a todos os casos em que o agente se deixou arrastar ao estado de inconsciência” (nessa parte não alterada pela atual Exposição de Motivos).

Com a devida vênia, nem todos os casos em que o agente “deixou-se arrastar” ao estado de inconsciência podem configurar uma hipótese de “dolo ou culpa” a ser arremessada para o momento da conduta delituosa. Há pessoas que bebem por beber, sem a menor previsibilidade de que cometeriam crimes no estado de embriaguez completa, de foma que não é cabível a aplicação da teoria da actio libera in causa nesses casos. De outra parte, se suprimirmos a responsabilidade penal dos agentes que, embriagados totalmente, matam, roubam ou estupram alguém, estaremos alargando, indevidamente, a impunidad e, privilegiando o injusto diante do justo. No prisma de que a teoria da actio libera in causa (“ação livre na sua origem”) somente é cabível nos delitos preordenados (em se tratando de dolo) ou com flagrante imprudência no momento de beber estão os magistérios de Frederico Marques, Magalhães Noronha, Jair Leonardo Lopes, Jürgen Baumann, Paulo José da Costa Júnior, Munhoz Neto, entre outros, com os quais concordamos plenamente. Destacamos a responsabilidade penal objetiva que ainda impregna o contexto da embriaguez voluntária ou culposa, tratando-as como se fossem iguais à preordenada. Se é verdade que em relação a esta o Código prevê uma agravação (art. 56, II, c) também é certo que considera todas num mesmo plano para negar a isenção de pena. O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava, resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. [...] (Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243 – grifos adicionados)

Na mesma esteira de entendimento, a lição de Rogério Greco:

Pela definição de actio libera in causa fornecida por Narcélio de Queiroz, percebemos que o agente pode embriagar-se preordenadamente, com a finalidade de praticar uma infração penal, oportunidade em que, se vier a cometê-la, o resultado lhe será imputado a título de dolo, sendo, ainda, agravada a sua pena em razão da existência da circunstância agravante prevista no art. 61, II, “I”, do Código Penal, ou, querendo ou não se embriagar, mas sem a finalidade de praticar qualquer infração penal, se o agente vier a causar um resultado lesivo, este lhe poderá ser atribuído, geralmente, a título de culpa. (Curso de Direito Penal: parte geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p.455 - grifos adicionados)

Ademais, a produção de um resultado lesivo causada pela violação de um dever objetivo de cuidado reúne condições suficientes para a configuração de crime culposo, tornando despicienda a alusão à teoria da actio libera in causa. Confira-se a doutrina de Zaffaroni e Pierangeli:

Vimos a estrutura do tipo culposo, e ela revela-nos claramente que quando aquele que se coloca em estado ou situação de inculpabilidade viola um dever de cuidado, está preenchendo os requisitos da tipicidade culposa, e não há necessidade de recorrer-se à teoria da actio libera in causa.

Aquele que bebe até embriagar-se, sem saber que efeitos o álcool causa sobre seu psiquismo, ou quem “para experimentar”, ingere um psicofármaco cujos efeitos desconhece, ou quem injuria outro sem considerar que pode ele ter uma reação violenta, está, obviamente, violando um dever de cuidado. Se sua conduta violadora do dever de cuidado, em qualquer desses casos, causa uma lesão a alguém, teremos perfeitamente configurada a tipicidade culposa, sem que seja necessário recorrer à teoria da actio libera in causa.Isto porque a conduta típica violadora do dever de cuidado é, precisamente, a de beber, ingerir o psicofármaco e injuriar, respectivamente, e, no momento de cometer este injusto culposo, o sujeito encontrava-se em estado e em situação de culpabilidade, pelo que é perfeitamente reprovável. Consequentemente, não tem sentido falar de actio libera in causa culposa, devendo o âmbito dessa teoria reduzir-se ao dolo. (Manual de Direito Penal, Parte Geral, v. 1, 9. ed – São Paulo: RT, 2011, p. 460 – grifo adicionado)

In casu, segundo os termos em que a denúncia foi formalizada, tem-se a presunção de que o agente assumiu o risco de causar a morte da vítima em virtude de estar embriagado. Eis o teor da peça acusatória:

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, no dia 19 de maio de 2.002, por volta das 07h00, no cruzamento da Rua Presidente Vargas com a Rua 13 de Maio , na cidade de Pradópolis, nesta comarca, L. A. M., qualificado a fls. 68/71, agindo com animo homicida e mediante o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, produziu em Eliete Alves de Oliveira os ferimentos descritos no exame necrosc6pico de fls. 31 , os quais foram a causa eficiente de sua morte.

Segundo se apurou, o indiciado conduzia a camioneta GM D-20, placas BZC-2488, de Pradópolis/SP, pelo local dos fatos, em estado de embriaguez alcoólica (fls. 32), quando veio a atropelar a vítima, que por ali caminhava e, em decorrência dos graves ferimentos provocados por tal conduta, veio a falecer. Em razão de sua embriaguez alcoólica, o indiciado assumiu o risco de causar a morte da vítima ao conduzir um veículo automotor em via pública.

O crime foi cometido com o emprego de recurso que dificultou a defesa da vítima, senhora que praticava caminhadas por recomendações medicas e andava pacificamente pelas ruas de Pradópolis e, atingida de surpresa, não teve chances de esboçar qualquer reação de defesa ou mesmo de esquivar-se do veículo automotor. [...]

(grifo adicionado)

Mediante esta mesma presunção (embriaguez – assunção do risco), o paciente foi pronunciado por homicídio doloso qualificado pelo meio que impossibilite a defesa da vítima (art. 121, § 2º, IV c/c art. 18, I, segunda parte, ambos do CP). Confira-se o trecho da sentença pertinente ao tema:

[...]

Não se pode recusar a constatação, evidenciada pelo exame de embriaguez alcoólica que o acusado, na data dos fatos, conduzia o veículo embriagado.

Do exame de fls. 35 constou expressamente, que o acusado apresentava sintomas indicativos de que ingeriu bebida alcoólica e em consequência estava embriagado, colocando em risco, no estado em que se encontrava, em perigo, a segurança própria ou alheia. Conclui-se que o acusado estava em estado de embriaguez alcoólica.

Assim, mostra-se absolutamente correta a conclusão no sentido de que o acusado, pelo meio e modo como agiu, assumiu o risco de produzir o resultado morte da vítima, assentindo no resultado.



[...]

(fls. 31 e 32).

O Tribunal de Justiça, por sua vez, acrescentou, em julgamento de recurso da defesa, dado não constante na sentença (velocidade) e que, portanto não poderia ser considerado para agravar a situação do paciente. Além disso, também manifestou convencimento no sentido de o dolo eventual presumir-se da direção do veículo sob o efeito de bebidas alcoólicas, mesmo rechaçando expressamente a intenção de matar, in litteris:

Com efeito, é bem verdade que não restou comprovado que o réu tinha intenção de matar a vítima; porém, considerando que conduzia seu veículo embriagado e em velocidade incompatível com a localidade, entendo que não se importava com as possíveis consequências, o que evidentemente, caracteriza dolo eventual. Assim, havendo indícios de existência de crime doloso contra a vida, entendo acertada a decisão de pronúncia" (fls. 45). (grifo adicionado)

Consectariamente, observa-se ter havido mera presunção acerca do elemento volitivo imprescindível para configurar-se o dolo, não se atentando, pois, para a distinção entre dolo eventual e culpa consciente. Em ambas as situações ocorre a representação do resultado pelo agente.

No entanto, na culpa consciente este pratica o fato acreditando que o resultado lesivo, embora previsto por ele, não ocorrerá. Nelson Hungria traça com nitidez a diferença entre as duas situações mentais, in litteris:

Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico; mas, enquanto no dolo eventual o agente presta a anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese de supereminência do resultado e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá” (Comentários ao Código Penal, 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. 1., p. 116-117)

No mesmo sentido os ensinamentos de Heleno Cláudio Fragoso:

[...] assumir o risco significa prever o resultado como provável ou possível e aceitar ou consentir sua superveniência. O dolo eventual aproxima-se da culpa consciente e dela se distingue porque nesta o agente, embora prevendo o resultado como possível ou provável não o aceita nem consente. Não basta, portanto, a dúvida, ou seja, a incerteza a respeito de certo evento, sem implicação de natureza volitiva. O dolo eventual põe-se na perspectiva da vontade, e não da representação, pois, esta última, pode conduzir também a culpa consciente. Nesse sentido já decidiu o STF (RTJ, 351/282). A rigor, a expressão 'assumir o risco' é imprecisa, para distinguir o dolo eventual da culpa consciente e deve ser interpretada em consonância com a teoria do consentimento. (Lições de Direito Penal – parte geral, Rio de Janeiro: Forense, 2006, 17. ed., p. 173 – grifo adicionado)

Portanto, do exame descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas consentindo em que produziria o resultado, o qual pode até ter previsto, mas não assentiu que ocorresse.

Vale ressaltar que o exame da presente questão não se situa no âmbito do revolvimento do conjunto fático-probatório, mas importa, isto sim, em revaloração dos fatos postos nas instâncias inferiores, o que é viável em sede de habeas corpus. Confiram-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990.

Por fim, vale ressaltar que a Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se mostrou mais favorável ao paciente. Ao contrário, previu causa de aumento de pena para o crime em tese por ele praticado, de homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB).

Ex positis, voto pela concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.

É como voto.



segunda-feira, 22 de agosto de 2011

OS SOMALIS SERÃO MESMO PIRATAS?


SÃO 23 MINUTOS, MAS VALE A PENA VER ATÉ AO FIM.
PARECE QUE A COMUNICAÇÃO SOCIAL SÓ TRANSMITE UMA PARTE DA VERDADE... (INTERESSANTE TAMBÉM PARA AQUELES QUE ACHAM QUE NÃO SÃO NECESSÁRIAS AS FORÇAS ARMADAS ... É VER O QUE ACONTECE COM UM PAÍS SEM MARINHA DE GUERRA.)
Vide vídeo e som através do seguinte link: http://vimeo.com/18915020
Ou este com legendas em português:
http://dotsub.com/view/8446e7d0-e5b4-496a-a6d2-38767e3b520a
Amigos, não percam este documentário, com certeza um dos melhores materiais informativos disponíveis na rede. Importantíssimo atentar para a maneira como um mito pode ser criado. Muitos de nós, eu inclusive, sempre acreditamos que os piratas somalis eram bandidos cruéis, violentos, arbitrários e sequestradores. A História é sempre escrita pelo vencedor e existe a tendência de se acreditar que o mais fraco é sempre o bandido e o mais forte o justiceiro; foi assim com os gauleses massacrados pelos romanos, com os índios nas Américas, com a exploração dos negros na África Subsaariana, com a "politização" das tribos muçulmanas no Oriente Médio etc etc etc. A História e a força do dinheiro não param de dar legitimidade a covardias, a genocídios, a toda espécie de atrocidades e a mentiras, felizmente existem pessoas e instituições preocupadas em mostrar a realidade dos fatos para que a humanidade pare de ser enganada em nome de interesses de poucos, para que prevaleça a verdade e para que algum dia se faça justiça.
Depois de assistir o documentário qualquer pessoa fica chocada pelo modo singelo como se destrói uma nação, por interesses mesquinhos. Mas nós ocidentais devemos ficar envergonhados além de chocados quando incorporamos a nossa frívola vida hábitos aparentemente inocentes como abrir uma lata de atum para um lanche ou quando não damos importância aos destinos que nossos governos dão ao lixo atômico, ao lixo hospitalar e a outros rejeitos contaminantes.
Extremamente relevante também é observar a importância de sistemas de defesa, em especial de um país continental como o nosso com enormes fronteiras e litoral, além das imensas florestas e longuíssimos rios. Um país que não tiver forças armadas aparelhadas e treinadas pode perder muito, ter seu povo escravizado, dizimado e ainda ser tachado de bandido.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Informativo Jurídico Consulex

Publicado artigo de minha autoria no Informativo Jurídico Consulex no. 31 / 4, intitulado "A ausência da proposta de suspensão do processo". Defendo que esta ausência do sursis processual, injustificadamente, é causa de nulidade absoluta do processo, desde a denúncia, inclusive, por desrespeito ao due process of law. Cito doutrina e jurisprudência. O artigo também se encontra neste blog.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Penas alternativas geram menos de 17% de reincidência


Menos de 17% das pessoas que cumprem penas alternativas na região metropolitana de Belo Horizonte reingressam nas práticas delituosas. A conclusão é de uma pesquisa apresentada nesta sexta-feira (5/8), pela Secretaria de Estado de Defesa Social, no VII Seminário Estadual de Penas e Medidas Alternativas, promovido pela Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade.



Entre os principais motivos que levaram à reentrada no Programa da Central de Penas Alternativas do governo de Minas, estão as drogas (31,2%), a violência intrafamiliar e doméstica (19,8%), descumprimento de regras ambientais (7,8%) e infrações de trânsito (15,6%). A estatística de reingresso nas penas alternativas é considerada positiva pela diretora do Núcleo de Penas Alternativas e Inclusão de Egressos, Paula Jardim Duarte, que atribui o sucesso da aplicação de penas e medidas alternativas a “um trabalho conjunto feito pela Seds, Ministério Público, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, Ongs e todos os envolvidos de alguma forma no apoio e monitoramento de atendidos”.



As informações para a pesquisa foram coletadas em 2.249 registros dos Centros de Prevenção à Criminalidade de Belo Horizonte e Região Metropolitana, na base de dados referentes a usuários do programa Ceapa entre os anos de 2006 e 2010. Atualmente, cerca de 9 mil pessoas cumprem estas penas em no estado. O secretário adjunto de Estado de Defesa Social, Genilson Zeferino, presente no seminário estadual, fez questão de ressaltar que apoia a equipe da Ceapa e acredita no sucesso das medidas.



A coordenadora geral de penas e medidas alternativas do Ministério da Justiça, Heloísa Adario, considera a aplicação de penas alternativas um ganho fundamental para a sociedade, pois elas “pressupõem um trabalho multidisciplinar de educação e conscientização e mantêm o sujeito com a família”. Adario explica que tanto o Executivo quanto o Judiciário devem ser responsáveis pelo monitoramento e que é preciso buscar maneiras mais efetivas de implementar o Sistema Nacional de Penas Alternativas no Brasil.



Presença nacional

O objetivo do Seminário Estadual consistiu em estreitar o diálogo e promover a disseminação das diversas práticas brasileiras na política de penas alternativas. Estiveram presentes nas mesas de debates representantes do Ministério da Justiça, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, da Comissão Nacional de Penas Alternativas e de Projetos em Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Pernambuco, Ceará, Distrito Federal, e Rio Grande do Sul envolvidos no acompanhamento de penas e medidas alternativas.



Visão distorcida

A assistente social do Judiciário do Espírito Santo, Pamela Emdriger Ribeiro, lamenta a visão da maioria dos cidadãos em relação às medidas alternativas, “muitos não consideram uma punição, no entanto desconhecem o baixo índice de reincidência”. Ela afirma que número de ex-reclusos que voltam a cometer crimes representa algo em torno de 80%. Com informações da Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais.



quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Erros de bacharéis em prova da OAB mostram despreparo para o exercício da advocacia.



31 de julho de 2011

Brasília – “Perca do praso”, em vez de perda de prazo. “Prossedimento”, e não procedimento. “Respaudo”, em lugar de respaldo. “Inlícita”, e não ilícita. Erros de português como esses foram constatados no primeiro exame de 2011 da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio do qual os diplomados em direito buscam aprovação para poder exercer a advocacia. Por causa disso, a entidade defende a manutenção da prova de habilitação para os futuros advogados. Em breve, o assunto deverá ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

No ano passado, nove em cada dez candidatos ao exame unificado da OAB foram reprovados. Os resultados não deixam dúvida sobre a formação deficiente dos bacharéis em direito – ou pelo menos sobre como eles estão aquém das exigências da entidade.

A Agência Brasil teve acesso a partes das provas do primeiro exame de 2011 da entidade. Os erros não se restringem à falta de domínio da língua portuguesa. Os inscritos também desconhecem noções elementares de direito e sobre a formação do Estado brasileiro.

Em uma das questões da provas, um candidato responde que o o juiz do Trabalho não pode “legislar sobre falência”. Em outro trecho, o inscrito mostra que desconhece o mais alto cargo do Judiciário, o de ministro do STF. A petição simulada na prova pelo candidato é dirigida ao “Exmo. Sr. Desembargador do Supremo Tribunal Federal”. No entanto, não há desembargadores no Supremo.

Os erros dos candidatos mostram que é preciso uma seleção mínima para que os diplomados em direito possam exercer a advocacia, diz o vice-presidente da Comissão Nacional do Exame de Ordem e coordenador da comissão de elaboração do Exame de Ordem Unificado, Luís Cláudio Chaves. “O advogado lida com a liberdade, com o patrimônio, com a questão sentimental em um processo de família. Se essa pessoa fizer mal a alguém [por falta de competência profissional], se alguém for preso pela sua baixa qualificação, como se remedia isso? ”

O questionamento sobre a legalidade do exame da OAB chegou ao STF por meio de uma ação impetrada pelo bacharel João Antonio Volante. A ação tem como relator o ministro Marco Aurélio Mello. Na semana passada, o parecer do Ministério Público Federal (MPF) sobre o assunto causou polêmica nos meio jurídicos: o subprocurador-geral da República Rodrigo Janot considerou o exame inconstitucional e argumentou que ele serve para fazer reserva de mercado.

“Se fosse um concurso com restrição de vagas, poderia haver questionamento da constitucionalidade, mas estamos procurando aptidões”, assinala Chaves. “Isso existe até em funções não intelectualizadas. Um motorista, por exemplo, precisa de uma carteira de determinado tipo para dirigir profissionalmente.” Para ele, é melhor que a OAB submete os bacharéis à prova do que constatar o despreparo durante o exercício profissional.

Edição: João Carlos Rodrigues

Débora Zampier

Repórter da Agência Brasil



segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Prezados, segue roteiro de aula de Teoria das Consequências Jurídicas da Infração Penal (Direito Penal II - 1a. Parte).

http://slidesha.re/qVJKVn
Prezados, divulgo o roteiro de aula de Direito Penal I - Teoria da Norma.

http://www.slideshare.net/warleybelo/direito-penal-i-aula-1

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Procuradoria aprova internação obrigatória de viciados



Medida permite que adolescentes usuários de crack sejam retirados das ruas e levados para serem avaliados por psiquiatras mesmo contra a vontade



Grupo de usuários de drogas consomem crack em terreno na Rua Helvetia com a Alameda Barão de Piracicaba, no centro de São Paulo (Apu Gomes/Folhapress)

Um parecer da Procuradoria-Geral do Município (PGM), em São Paulo, constitui o primeiro passo para a adoção da medida que obriga menores que vivem nas ruas e usam crack a serem internados. Semelhante ao aprovado pela prefeitura do Rio de Janeiro, o modelo tem três fases: recolhimento, triagem e decisão judicial de internação.



O parecer da PGM coloca nas mãos do prefeito Gilberto Kassab a decisão de adotar a medida na capital. Segundo Claudio Lembo, secretário de Negócios Jurídicos do município, o projeto de internação obrigatória já passou pela pasta e agora deve ser analisado pelos secretários da Saúde e da Assistência Social. "Fizemos um pequeno estudo no qual apontamos os conceitos jurídicos e as posições favoráveis e contrárias", disse Lembo. "O Januário Montone, secretário da Saúde, e a Alda Marco Antônio, secretária da Assistência Social, agora vão analisar o tema".



A argumentção jurídica que sustenta a implantação da internação obrigatória pode ser dividida em dois pontos. O primeiro diz respeito à incapacidade civil dessas crianças e adolescentes, que, supostamente, não têm o direito pleno de escolher se querem ou não ser internados – para a PGM, eles ainda estão sujeitos às escolhas de seus pais. O segundo é que, de acordo com a lei, os toxicômanos também são considerados incapazes.



O modelo proposto permite que o usuário seja levado à avaliação de um psiquiatra mesmo contra a vontade. Por meio de sua assessoria, Kassab confirmou que "recebeu os estudos sobre a internação compulsória", mas ainda não decidiu se o modelo será usado.



(Com Agência Estado)



Após mortes, droga legal "miau-miau" preocupa britânicos





Uma droga vendida legalmente na Grã-Bretanha e que vem se popularizando entre os jovens está causando grande preocupação entre pais e professores.



Nesta semana, a polícia britânica divulgou que dois adolescentes morreram em decorrência da droga, que foi apelidada de "miau-miau" entre os jovens. A notícia provocou protestos entre pais e professores que pedem agora que a droga seja proibida.



A substância está entre as drogas legais que estão sendo analisadas a pedido do governo por um conselho especial, que recomendará proibições.



O ministro dos Negócios da Grã-Bretanha, Peter Mandelson, disse que a droga será examinada com urgência após a morte dos dois jovens e que o governo tomará "qualquer medida que seja justificada para lidar com isso".



Pó branco ou amarelado

A droga legal "miau-miau" é um fertilizante para plantas. Seu composto principal é a mefedrona (ou metil-metacatilona) e já recebeu diversos apelidos entre os usuários: "miau-miau", "miau", "4MMC", "MC" ou "M-Cat".



Ela vem em forma de pílulas ou de um pó branco ou amarelado, que é cheirado, e se popularizou nas casas noturnas britânicas. Entre os efeitos colaterais estão palpitações, náusea, queimação na garganta, sangramento do nariz e insônia.



Na segunda-feira, a polícia da cidade de Scunthorpe, no norte da Inglaterra, afirmou que os jovens Louis Wainwright, 18 anos, e Nicholas Smith, 19 anos, morreram em decorrência do uso da droga. A polícia prendeu três pessoas - entre elas um menor de idade.



A Associação Nacional de Professores da Grã-Bretanha (NAHT, na sigla em inglês) afirma que a mefedrona apresenta os mesmos riscos que as drogas legais e deveria ser proibida.



O secretário-geral Mick Brookes da Associação disse à BBC que a droga se popularizou muito na Grã-Bretanha. Sites na internet que vendem a droga já trazem avisos aos consumidores de que ela provavelmente será proibida pelo governo. Em Israel, Dinamarca, Noruega e Suécia, a droga já é considerada ilegal.



Um comitê do governo para análise sobre o abuso de drogas (ACDM, na sigla em inglês) está analisando desde o ano passado várias substâncias legais na Grã-Bretanha para determinar quais devem ser proibidas.



No entanto, os trabalhos do conselho estão parados desde outubro do ano passado, depois que um dos conselheiros, David Nutt, foi demitido por se manifestar publicamente contra a decisão do governo de endurecer a lei contra a maconha e por não relaxar as penas contra o ecstasy.



Outros cinco conselheiros deixaram o órgão após a saída de Nutt.



segunda-feira, 25 de julho de 2011

Lei antidrogas aumenta lotação carcerária


Nova legislação aumentou prisões no país, mas deveria resultar em penas comunitárias, afirmam especialistas



Número de pessoas presas por tráfico cresce 118% entre 2006 e o ano passado, segundo dados do governo federal

MARIO CESAR CARVALHO

DE SÃO PAULO



O estivador M.V, 19, foi condenado a seis anos de prisão na última terça-feira por ter sido apanhado com 25 gramas de maconha em Angra dos Reis (RJ). Réu primário, vai cumprir pena em Bangu, no Rio, um dos piores presídios do país.

O estudante R. T., 21, ficou dois anos preso em Porto Alegre (RS) por carregar 100 gramas de maconha. Após uma série de recursos, os juízes chegaram à conclusão de que não era traficante -e o mandaram para casa.

Os casos são exemplos extremos da lei que deveria acabar com a pena de prisão para usuários de maconha.

Às vésperas de completar cinco anos, no próximo mês, a lei provocou o efeito contrário ao previsto: é a responsável pela superlotação de presídios, dizem especialistas.

A ideia original era que usuários fossem encaminhados para prestar serviços comunitários ou para assistir palestras sobre drogas -a internação compulsória é vetada no Brasil.

Entre 2006 e 2010, a população carcerária cresceu 37%, segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça. O índice equivale a mais de dez vezes a proporção de aumento da população no período (2,5%).

O número dos presos por tráfico no país saltou de 39.700 para 86.591 entre 2006 e 2010-um aumento de 118%, segundo o Depen.

Em todo o país, havia no ano passado 496.251 presos.



ENCARCERAMENTO

O tráfico aumentou nesses cinco anos, mas a explosão de prisões é resultado da mudança da lei, segundo Luciana Boiteux, professora de direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Há duas razões para explicar o aumento, segundo ela: a pena mínima para traficantes cresceu de três para cinco anos e os juízes estão condenando usuários como traficantes. "A lei deixou um poder muito grande na mão de policiais e juízes, e eles têm sido muito conservadores".

Pesquisa feita no Rio e em Brasília pela UFRJ confirma, segundo ela, a tese de que os que vão para a prisão são bagrinhos. No Rio, 66,4% dos condenados por tráfico são réus primários, segundo análise feita em processos de 2008 e 2009. Em Brasília, esse índice chega a 38%.

"Do ponto de vista carcerário, essa lei é um desastre", afirma Marcelo Mayora, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Um dos problemas da lei, na visão dele, é que não há limites mínimos para caracterizar tráfico, como ocorre na Espanha.

Lá, até 50 gramas de haxixe, não há pena. De 50 gramas a um quilo, é tráfico simples. A pena só fica mais grave quando quantidade vai de um a 2,5 quilos.

O governo reconhece que a lei é mal aplicada e diz que vai dar cursos para 15 mil juízes e promotores para tentar melhorar o uso da legislação.

Juízes encarregados de aplicar a lei rechaçam a pecha de conservadores e a ideia de uma tabela para caracterizar tráfico.

"É normal que juízes tenham critérios diferentes", diz Roberto Barcellos, presidente da Escola Nacional da Magistratura, pela qual já passaram 18 mil juízes. Segundo ele, a lei é boa porque tirou do horizonte a ideia de que punir é prender.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A expressão "não esteja sendo processado" como obste à suspensão condicional do processo



Warley Belo

Advogado Criminalista em Belo Horizonte / MG

Mestre em Ciências Penais



A suspensão condicional do processo é um dos pilares nacionais da chamada Justiça Criminal Consensual. É um direito subjetivo do acusado e de oferecimento obrigatório.

Diz o artigo 89, caput, da Lei 9.099/95 que, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangida ou não pela Lei dos Juizados Especiais, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

Havendo, pois, eventualmente, outro processo a que o acusado esteja respondendo, sem notícia de sentença condenatória, seria suficiente para lhe negar a suspensão condicional do processo?

O oferecimento da suspensão condicional do processo é um direito público subjetivo do réu, quando preenche os requisitos legais do art. 89 da LJE, cabendo ao Ministério Público a atribuição de propor o benefício.

Se, entretanto, o Ministério Público negar-se a oferecer aludida suspensão, ao argumento de que o acusado está sendo processado por outro crime, estará ofendendo o princípio constitucional da não-culpabilidade, inserto no art. 5º, inciso LVII da Constituição da República (1).

O princípio da não-culpabilidade estende-se também à LJE, pois impossível negar ao acusado o direito de obter a extinção da punibilidade sem julgamento, vale dizer, sem o risco de condenação, quando o óbice se assenta na pendência de outra ação penal ainda sem solução definitiva. Deve-se levar em conta a possibilidade da ação penal em curso – a que impede teoricamente o benefício - ser absolutória ou declaratória da extinção da punibilidade e não presumi-la, desde sempre, condenatória, o que geraria uma iniquidade.

Destarte, a expressão "não esteja sendo processado" contida no caput do art. 89 da Lei 9.099/95 viola o princípio da não-culpabilidade(2) e do devido processo legal(3), pois inexistem dúvidas de que a Lei dos Juizados Especiais deve também ser interpretada à luz do modelo constitucional, onde se postula a presunção de inocência.



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1 São garantias constitucionais de liberdade e cidadania: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" (art. 5º, XXXIV, da CF). "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, LVII, da CF).


2 Na esteira desse posicionamento: “A suspensão condicional do processo é um direito subjetivo do acusado e, sendo ele primário, portador de bons antecedentes e a pena mínima do delito não superar um ano, deve a ele ser ofertada a suspensão condicional do processo. [...]”. (TJMG - APELAÇÃO CRIMINAL 1.04443.03.090741-7/001 - 5ª CÂMARA CRIMINAL - RELATOR: DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO, j. 27 de fevereiro de 2007). “A existência de processos em andamento, sem solução condenatória definitiva, não tem o condão de obstar a propositura da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95, sob pena, obviamente, de afrontar o princípio constitucional da presunção de inocência.” (TACRIMSP - Ap 1167267/5 - 8ª C. - Rel. Juiz Fernando Miranda - DOESP 2/2/2000)

3 Veja-se o correto raciocínio desses juristas: "A existência de outro processo em curso, destarte, levará o juiz a um exame mais aprofundado das chamadas circunstâncias judiciais (culpabilidade, conduta social, personalidade, motivos, etc.), mas por si só não pode ser obstáculo à suspensão do processo. Em virtude de um juízo negativo (fundamentado) das condições judiciais torna-se possível o indeferimento da mencionada via alternativa. Tal não poderá ocorrer, no entanto, com a invocação 'seca' da existência de processo em curso. As normas constitucionais [que estabelecem o princípio da presunção de inocência] ocupam hierarquia superior e não são meras peças de decoração" (Grinover, Ada et alii, "Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995", 2ª ed., rev., atual. e aum., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 214). Em obra diversa, o magistério de Ada Pellegrini Grinover, em conjunto com Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes: "Enquanto o processo está em andamento, o acusado é presumido inocente. E quem é presumido inocente não pode ser tratado como condenado. Onde está escrito processado, portanto, deve ser lido condenando irrecorrivelmente, isto é, revoga-se obrigatoriamente a suspensão do processo se o acusado vier a ser condenado irrecorrivelmente por outro crime. Não importa se essa condenação tenha por objeto crime ocorrido antes ou depois da suspensão do processo. A lei não distingue". (In Juizados Especiais Criminais. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 335). Luiz Flávio Gomes postulou, em outra obra: "Estando o processo em curso o acusado é reputado inocente. Logo, o legislador não pode tratá-lo como se condenado fosse" (Suspensão Condicional do Processo Penal, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 159). No mesmo sentido, Maurício Antonio Ribeiro Lopes entende que "para o impedimento à obtenção da suspensão condicional do processo, no plano objetivo, é necessário que exista condenação por outro crime com sentença transitada em julgado" (Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 391).

A ausência da proposta de suspensão condicional do processo

A ausência da proposta de suspensão condicional do processo


Warley Belo

Advogado Criminalista em Belo Horizonte / MG

Mestre em Ciências Penais



A suspensão condicional do processo é um dos pilares nacionais da chamada Justiça Criminal Consensual. É um direito subjetivo do acusado e de oferecimento obrigatório.

Diz o artigo 89, caput, da Lei 9.099/95 que, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangida ou não pela Lei dos Juizados Especiais, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

O autor do fato, ao ser denunciado por delito que, em tese, admite a concessão do benefício e se cumpre as exigências legais, deve ser beneficiado com a aplicação da disposição relativa à suspensão condicional do processo. Não se trata de mera liberalidade outorgada ao Ministério Público, mas de verdadeira obrigação. É necessária, assim, a realização de uma audiência para esta manifestação ministerial. Se o representante do Ministério Público entender não ser cabível o sursis processual, deve fundamentar a recusa do oferecimento da referida proposta, sob pena de nulidade absoluta do processo por claro desrespeito ao due processo of law.

Claro fica que a recusa da proposta concretamente motivada não acarreta, por si só, em ilegalidade ou abuso ministerial sob nenhum aspecto (1). Mas, o que não pode ocorrer é a silência ministerial, ouse seja, nem oferece e nem recusa.

O acusado não pode ficar à mercê da prestação jurisdicional.

Neste aspecto, o procedimento está nulo pela falta de cumprimento de um determinado ato processual agravado por ser uma não concessão de oportunidade legal benéfica ao denunciando.

Deste modo, o Ministério Público também está obrigado a fundamentar a negativa em oferecer a proposta de suspensão do processo, não bastando, para tanto, mencionar genericamente a condição legal e afirmar que o acusado não a satisfaz, mas apontar por quais motivos seria incabível o benefício (2).

Não oferecida a proposta e nem fundamentada a sua negativa, a hipótese é de nulidade a partir da denúncia, inclusive. Não se pode tolerar tamanha ofensa ao devido processo legal com o impedimento a priori de eventual incidência de causa extintiva da punibilidade.

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1 REsp 1079596 / SP Recurso Especial 2008/0171039-8 Relator(a) Ministro Arnaldo Esteves Lima e TJMG, 5.ª C.Crim., Ap. n.º 1.0313.06.210907-6/001, Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, v.u., j. 07.08.2007; pub. DOMG de 25.08.2007.


2 “Em razão da natureza da proposta de suspensão do processo, que não significa arbítrio, senão um poder-dever do Ministério Público, uma conseqüência a mais pode ser lembrada: sempre que uma denúncia versar sobre crime cuja pena mínima não exceda um ano, tem a obrigação de pronunciar sobre a suspensão: em sentido positivo ou negativo, fundamentadamente.” (in Grinover, Ada Pellegrini et all, “Juizados Especiais Criminais, Comentários à Lei nº 9.099, de 26.09.1995”, 2ª edição, São Paulo, RT, 1997, p. 274).

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O uso do Crack e o Direito Penal: Uma explícita anomia?

O uso do Crack e o Direito Penal: Uma explícita anomia?




Prof. Ms. Warley Belo

Advogado criminalista em Belo Horizonte



O que leva uma pessoa a experimentar o crack? Quais os fatores cognitivos? Até que ponto há autonomia para a escolha do uso da substância? O direito penal influencia de alguma forma esta escolha? (1)

Aristóteles pontuava que uma pessoa se torna viciada porque escolhe o hábito da bebida e, por isso, é responsável pelo seu vir-a-ser: "...dos nossos habitus, só somos senhores do princípio" (2). Quando se escolhe esse caminho, em determinado ponto, não é mais possível voltar . (3)

É pertinente o acerto conclusivo de Aristóteles: o usuário de crack só é senhor da escolha no princípio, no seu primeiro ato, na primeira tragada, depois se torna fantoche de seu vício fazendo das armas do direito penal um mais absoluto niilismo.

Tal proposição é reforçada ao se perceber que não se apontam novas investidas de combate. E assim é porque se posta uma série de dificuldades para se coletar dados primários sobre a natureza e a extensão do uso da droga, o que limita a identificação das tendências no comportamento do consumidor. Não sabemos nem se o consumo do crack é o início ou o fim de um processo psico-sócio-cultural. Aqui, no Brasil, esses dados parecem ser escondidos o que torna inviável essa digressão em busca de outros caminhos que não a simples repressão penal.

Urge, pois lançar investigações sobre as causas motivacionais e cognitivas do uso da droga a exemplo mesmo do que fez, no início dos anos 1960, Howard Becker (4). O direito penal terá que se reinventar para combater o uso do crack, quiçá, ao final, se compreenda mesmo “à deriva” neste teatro de guerra.

O crack tornou-se uma epidemia, apesar da lei. As autoridades governamentais apresentam políticas públicas ineficazes e insuficientes para tratar do grave problema. O direito penal é completamente inútil para coibir o tráfico e o abuso da droga pelo viciado. Se se pode falar em anomia jurídico-penal, este é o melhor exemplo.

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(1) As mesmas perguntas foram feitas por Claudia Stierle (Entscheidung zu Crack?: Eine handlungstheoretische Erklärung des Crackkonsums. Hamburg : Kovač, 2006) e o texto é desenvolvido, em parte, pelas ideias da jurista alemã.


(2) Aristóteles, Ética a Nicômano. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Rosá. Col. Os pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1973, III, 5 – 1114b, 30-35)

(3) Aristóteles. Ética a Nicômaco. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Rosá. Col. Os pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1973, L. III, 5; 1114a, 15-25.

(4) Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance. New York: The Free Press, 1973.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Culpabilidade material em Jakobs e Roxin.

Culpabilidade material em Jakobs e Roxin. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 221, p. 06, abr., 2011.










São muitas as teorias(1) construídas para definir o conteúdo material da culpabilidade: do poder agir de outro modo (Welzel); da atitude jurídica reprovada ou defeituosa (Wessels, Jescheck); da responsabilidade pela condução de vida (Mezger); responsabilidade pelo próprio caráter (Dohna); da atribulidade (Maurach); do dever de motivar-se pela norma (Mir Puig, Muñoz Conde); do defeito de motivação jurídica (Jakobs); da dirigibilidade normativa (Roxin).



De qualquer forma, a teoria dominante ainda é a do poder agir de outro modo de Welzel. Tal concepção leva em conta como verdadeiro o livre arbítrio, quer dizer, que o agente poderia escolher o respeito ao justo, mas não o fez.



A teoria da atitude jurídica reprovada (de Jescheck e Wessels) tem o mesmo significado da de Welzel, só mudando as palavras. A teoria da responsabilidade pelo próprio caráter (Dohna) e a teoria da responsabilidade pela condução de vida (Mezger) ligam o fato produzido como decorrente da personalidade do autor no que se denomina culpabilidade de autor.



A partir da década de 70, surge o funcionalismo, que pugna pela transição científico-dogmática para a política-criminal-empírica,(2) orientação essa que se preocupa mais com o limite da pena do que com sua legitimação, já que essa vertente dogmática se apoia em medidas político-criminais prevencionistas. São dois autores os mais debatidos no Brasil: Jakobs e Roxin.



Jakobs, a bem dizer, substituiu o conceito de culpabilidade pelo de prevenção geral positiva. Para Jakobs, a concepção material de culpabilidade seria o defeito de motivação jurídica, a culpabilidade material seria a ausência de motivação jurídica do autor. A pena serviria, assim, como um mecanismo de prevenção eminentemente geral, pois visaria à estabilização da confiança no sistema jurídico, tendo, a pena, a função de firmar a vigência da norma. Pune-se o sujeito para que haja um reforço à confiança no sistema, no ordenamento jurídico. A reprovabilidade da culpabilidade recai sobre a infidelidade do agente para com o ordenamento jurídico por não ter se motivado conforme a norma,(3) conceito eminentemente normativo. Quer dizer: o sujeito é reduzido a um meio e não a um fim do sistema. Ele importa mais como um exemplo para os outros do que como uma pessoa dotada de direitos a ser reintegrada à sociedade. Por sua característica preventiva há um enfraquecimento(4) da relevância da vontade individual. Leva-se em consideração a funcionalidade da culpabilidade segundo elementos sociais. Não por outro motivo, Günther Jakobs(5) afirma que “a culpabilidade e exigências de prevenção geral são idênticas”. Nominalmente, entretanto, Jakobs expressa que a utilidade prevencionista da pena jamais poderia se sobrepor à dignidade da pessoa humana, o que, desde logo, parece legítimo, mas totalmente inseguro, pois a culpabilidade é substituída pelo conceito de prevenção geral,(6) o que abriria caminho a um direito penal prevencionista, de cunho eminentemente autoritário. Também possibilitaria a substituição de uma culpabilidade do fato pela culpabilidade de autor ao admitir a perseguição contra a população vulnerável por mecanismos prevencionistas já que se releva a utilidade da reprovabilidade social. É dizer, Jakobs pugna por uma culpabilidade mais social, menos individual, o que atinge de morte a culpabilidade.



Para Roxin, a dirigibilidade normativa é a capacidade de comportamento igual à norma, definição essa já defendida por Liszt.



Roxin é crítico quanto a Jakobs no que tange ao abandono da função restritiva da culpabilidade. Em posição menos radical, defende que a necessidade preventiva da pena é subsidiária em relação ao princípio da culpabilidade.(7) Esse princípio continua inabalável em seu caráter limitativo. Entretanto, assim posto, esvazia o referido princípio no que tange à fundamentação da pena.(8) Roxin,(9) na verdade, ataca a função retributiva da pena - para também ressaltar a função preventiva - ao pontuar que só se poderia encontrar uma compensação entre um ato criminoso e uma pena temporal através de um “ato de fé”. Para Roxin, assim, deve-se privilegiar a prevenção especial positiva. A única função do princípio seria, pois, a de limitar essa prevenção.



O nosso sistema adota, entretanto, expressamente no art. 59 do CP, além do prevencionista, também a teoria retribucionista (Die Theorie der Vergeltung). O limite defendido por Roxin é a garantia que a culpabilidade daria aos indivíduos, impedindo que o Estado abusasse desse instrumento. O fundamento da pena, ao se apoiar exclusivamente na política criminal prevencionista, acaba por deslocar a responsabilização do sujeito para, unicamente, critérios prevencionistas de política criminal. Nesse ponto, a teoria também atinge de morte o postulado inalienável de se estabelecer uma pena proporcional à gravidade objetiva do fato e à culpabilidade do autor. Parece-nos, portanto, que não é desta vez que toda a doutrina clássica retribucionista (apoiada em Kant e Hegel) será posta em descrédito, salvo a hipótese de se descartar a culpabilidade.



A história da culpabilidade é a história de sua normatização porque a reprovação da culpabilidade não é empiricamente mensurável, a não ser pela quimérica figura do homem médio. O fato do sistema jurídico-penal pugnar por uma culpabilidade como reprovação acaba por dificultar seu conceito e encobertar fatores externos à consecução de um delito por uma pessoa, o que nos leva de volta ao ponto de onde partimos: “a culpabilidade nada mais é do que a ausência de causas de exclusão da culpabilidade”.(10)



NOTAS



(1) Ver SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 178 e ss.; SPOSATO, Karyna Batista. Culpa e castigo: modernas teorias da culpabilidade e os limites ao poder de punir. In RBCCRIM, ano 13, n. 56, set.-out./2005, São Paulo: RT, 2005, p. 33; BRUNONI, Nivaldo. Princípio de culpabilidade: considerações: fundamento, teoria e consequências. Curitiba: Juruá, 2008, p. 168 e ss.



(2) HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. Porto Alegre: Safe, 2005, p. 303.



(3) JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte general. Madrid: Marcial Pons, 1995, p. 566.



(4) Mas não extirpação.



(5) Ver ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no Direito Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 46, 2004, p. 56.



(6) QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 215, item 4.



(7) ROXIN, Claus. Derecho penal. Madrid: Civitas, 1997, p. 793.



(8) Ver ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en Derecho penal. IER: Madrid, 1981.



(9) “A teoria da retribuição tampouco é aceitável, porque sua premissa de que o injusto cometido pelo agente é compensado e saldado pela pena retributiva é irracional e incompatível com os fundamentos ético-estatais da Democracia. Ou seja, que um mal (o fato punível) possa ser anulado pelo fato de que agregue um segundo mal (a pena), é uma suposição metafísica que somente pode-se fazer plausível por um ato de fé... uma teoria da pena que considera como essência da mesma o ‘irrogar um mal’, não conduz a nenhum caminho para uma execução moderna da pena que sirva a uma efetiva prevenção do delito. A execução da pena só pode ter êxito enquanto procure corrigir as atitudes sociais deficientes que levaram o condenado ao delito; ou seja, quando está estruturada como uma execução ressocializadora preventiva especial” (ROXIN, Claus. A culpabilidade como critério limitativo da pena, in Revista de Direito Penal, n. 11-12, jul.-dez./1973, p. 8-9).



(10) HASSEMER, Winfried. Op. cit., p. 322.



Warley Belo

Mestre em Ciências Penais/UFMG.

Professor Titular de Direito Penal da Faculdade de Ciências Jurídicas.

Professor Alberto Deodato em BH/MG.

Professor Convidado de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG.

Advogado criminalista.



quinta-feira, 17 de março de 2011

Novo artigo será publicado no Boletim impresso do IBCCRIM

Com grande satisfação, comunico a aprovação de meu artigo intitulado "Culpabilidade Material em Jakobs e Roxin" para publicação no próximo boletim impresso do IBCCRIM.

quarta-feira, 16 de março de 2011

A Testemunha de "Auditu"

Libre de la metáfora y del mitolabra un arduo cristal: el infinito mapa de Aquel que es todas Sus estrellas.

(“Spinoza” de Jorge Luis Borges, 1964)




A “testemunha de auditu” ou referencial é aquela que tem conhecimento de um fato por dele ouvir dizer, mas que nada viu ou ouviu sobre o fato em si. Seria tal elemento um indício, uma prova indiciária?

Indício é um fato. Prova indiciária é aquela prova que se destina a provar alguma coisa. Ambas as situações indicam probabilidade, presunção, incerteza (signum demonstrativum delicti), o que impossibilita uma condenação.

No caso do “ouvi dizer”, há simples reprodução de algo referenciado e é, por isso, um perigo terrível: de tanto ser reproduzido, pode-se transformar em uma “verdade”, em um rótulo. Esse rótulo cola e massacra uma série de vidas ( labeling approach). Nada obstante, essa questão acaba sendo vista como um acidente e esquece-se de se buscar uma suficiente mínima probabilidade de veracidade (Überwiegensprinzip).

Como é fácil perceber, a busca de uma verdade através do "ouvir dizer" corresponde à uma busca errônea por sua volátil sugestibilidade. Os conhecimentos decorrentes deste particular são sujeitos a conjecturas e suposições excepcionalmente maiores do que qualquer outro mecanismo probatório. Aqui vale mesmo a análoga advertência de Espinosa quando recomenda que façamos uma cuidadosa distinção entre as várias formas de conhecimento e confiemos apenas nas melhores (2).

É claro que é dado ao Juiz a livre convicção, mas isso é diferente do julgar livremente, ao arrepio das provas. Como ressaltava Eduardo Espínola Filho (3),“a livre apreciação da prova (...) nunca legitima uma decisão apenas de consciência.”

A convicção do julgador deve-se apoiar em dados objetivos indiscutíveis, sob pena de transformar-se o livre convencimento em arbítrio judicial. Não se deve confundir livre convencimento com o julgamento por convicção íntima, que atinge as fronteiras do puro arbítrio. A liberdade que se confere ao juiz deve ser consoante aos elementos dos autos, às provas produzidas em contraditório judicial (4) e a testemunha de “ouvi dizer” reporta a fatos não declarados em juízo, quer dizer, fora do manto do contraditório (5). Por isso mesmo, a testemunha de “ouvi dizer” é uma prova ilícita no plano do direito processual (art. 5º., LVI, CF) porque é evidente que “a norma constitucional proibiu a busca da verdade mediante a violação de direitos” (6).

Desta forma, a testemunha de “auditu” é simples indício incapaz de produzir qualquer condenação. Seja porque não é prova tecnicamente falando, pois sua existência é fora do processo - sem o amparo do contraditório -, seja porque o que a testemunha de “ouvi dizer” comprova é – tão somente – que ouviu terceiro dizer algo, mas não que esse algo seja verdadeiro ou tenha, de fato, existido. A solução mais correta é a absolvição com fundamento no art. VII do art. 386, CPP (7) porque a prova que condena é a prova que imprime certeza, objetividade, clareza, de forma que alegar e não provar são situações idênticas, como diz o aforismo: “quod grátis assertur, gratis negatur”.

1 Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor titular da Faculdade de Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato. Advogado Militante.

2 Ver Teixeira, Lívio. A doutrina dos modos de percepção e o conceito de abstração na filosofia de Espinosa. São Paulo: Unesp, vol. 2, 2001.

3 Código de Processo Penal Brasileiro anotado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, vol. 2, p. 445.

4 Dispõe a Carta em seu artigo 5º., inciso LVIII, que “aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa” e no artigo 155 do Código de Processo Penal é expresso:“Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial (...)”.

5 STF – 2ª. T. – HC 77.987-4 – MG – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 02.02.1999 – DJU 10.09.1999 e RT 770/497.

6 Marinoni, Luiz Guilherme. Arenhart, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: RT, 2009, p. 249.

7 “Art. 386 - O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) VII - não existir prova suficiente para a condenação.”