segunda-feira, 30 de setembro de 2013

CDH vai discutir baixo impacto da Lei Maria da Penha na mortalidade feminina

A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, não teve impacto na redução da taxa de mortalidade de mulheres, comparando-se os períodos antes e depois da lei. Essa é uma das conclusões do estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulada Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil (fonte: Agência Senado).


Iara Farias Borges

A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, não teve impacto na redução da taxa de mortalidade de mulheres, comparando-se os períodos antes e depois da lei. Essa é uma das conclusões do estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulada Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil, destacado pela presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), senadora Ana Rita (PT-ES), na abertura da reunião da CDH nesta quinta-feira (26).
A senadora ponderou, entretanto que, a Lei Maria da Penha (lei 11.340/2006) é apenas um dos instrumentos de prevenção e que por si só não vai acabar com a violência contra a mulher. Ela afirmou que é preciso, entre outras medidas, que os agressores sejam punidos com o rigor do Código Penal.
– A Lei Maria da Penha é uma lei que define políticas públicas de prevenção, de acolhimento e de proteção às mulheres em situação de violência. Então esse é um debate que nos precisamos realmente aprofundar aqui no Senado – frisou a senadora que também defendeu a discussão do projeto de lei que a CPMI da Violência contra a Mulher propôs com relação ao feminicídio.
Ana Rita anunciou que está sendo marcada audiência pública da CDH, com a participação de um representante do Ipea, para debater as questões apontadas pela pesquisa.
Feminicídio
Segundo a pesquisa do Ipea, divulgada nesta quarta-feira (25), entre 2009 e 2011, 16,9 mil mulheres morreram no Brasil em razão de conflito de gênero, definido como feminicídio. De 2001 a 2006, antes da vigência da lei, a taxa de mortalidade por 100 mil mulheres foi de 5,28. E de 2007 a 2011, já na vigência da lei, esta taxa ficou em 5,22.
O Espírito Santo, aponta o estudo, é o estado com a maior taxa de feminicídio (11,24 mortes em cada 100 mil mulheres) – quase o dobro da taxa nacional –, seguido pela Bahia (9,09) e Alagoas (8,84). O Nordeste é a região com as maiores taxas (6,9).
Ainda segundo a pesquisa, ressaltou a senadora, os principais assassinos de mulheres são os parceiros íntimos. No Brasil, no período de 2001 a 2011, ocorreram mais de 50 mil feminicídios, o que equivale a cerca de 5 mil mortes por ano. Grande parte dessas mortes (um terço delas) aconteceu nos domicílios, o que se deduz terem sido por violência doméstica, ressalta o estudo.
As mulheres jovens e as negras foram as principais vítimas. Em todo o país, mais da metade das mortes (54%) foram de mulheres entre 20 e 39 anos e 61% foram de mulheres negras.
Desaparecidos
A presidente da CDH informou que recebeu representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, que vieram pedir apoio da comissão para a campanha Desaparecidos da Democracia: Pessoas reais, Vítimas Invisíveis. A campanha visa esclarecer o alto índice de mortes nos autos de resistência, os registros de mortes em confrontos com a polícia.
Segundo dados oficiais do Instituto de Segurança Pública da Secretaria de Segurança Rio de Janeiro, informa a OAB, entre 2001 e 2011, mais de dez mil pessoas foram mortas em confronto com a polícia. Segundo a instituição, há uma política de extermínio por parte do Estado.
Ana Rita destacou que estudo realizado pelo Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflitos e Violência Urbana da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apenas em 2005, dos 510 autos de resistência, com 707 mortos, foram instaurados 355 inquéritos policiais. Três anos depois, registrou o estudo, apenas 19 deles se transformaram em processo, dos quais 16 foram arquivados a pedido do Ministério Público, dois ainda tramitavam e apenas um teve resultado pela condenação.
De acordo com a OAB, a campanha tem os objetivos de demonstrar a falta de procedimento das polícias, que atuam de forma diferenciada conforme seja a ação em áreas empobrecidas ou em outras regiões da cidade; comprovar a existência de esquadrões da morte na polícia militar do Rio de Janeiro; e exigir o reconhecimento do Estado em relação a desaparecimentos forçados por meio de identificação de cemitérios clandestinos.
– Esta iniciativa da OAB a respeito dos desaparecidos da democracia é altamente importante, porque muitas vítimas de hoje também desaparecem sem que suas famílias saibam onde eles estão. A violência sumária cometida pelos policiais e a falta de investigação sobre os crimes decorrem numa espécie de assassinato oficializado. Não é compatível com o estado democrático de direito que as forças policiais atuem como juízes e executores – disse a senadora Ana Rita.
Fonte: Agência Senado, 26 set. 2013.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Modelo de Embargos Infringentes - Estupro - In dubio pro reo

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBRAGADOR RELATOR DA APELAÇÃO CRIMINAL NO. xxx/001 (xxx.13.0073), DR. XXX;







         XXX, por seu advogado infra-assinado, cujo substabelecimento vai anexo e requer desde já inclusão no sistema de informação processual para fins de intimações, vem, mui respeitosamente à elevada presença de Vossa Excelência, ao teor do art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, assim como pelos arts. 499 e ss. do RITJMG, assim como pelas razões de fato e de direito adiante aduzidas, opor

EMBARGOS INFRINGENTES

ao venerando acórdão proferido pela egrégia Xª. Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, nos autos de Apelação Criminal no. XXX 4/001 (XXX.13.0073) da Comarca de XXX/ MG.

E.R.M.
Belo Horizonte, 23 de setembro de 2013.




WARLEY RODRIGUES BELO
OAB/MG 71.877




RAZÕES DE EMBARGOS INFRINGENTES DE
XXX


Nenhuma presunção, por mais veemente que seja, dará motivo para imposição de pena.”

(Art. 36, Código Criminal do Império do Brasil)

EMINENTES JULGADORES;

1.      Por infração do antigo art. 213 c/c 224, “a”, do Código Penal, antes da modificação produzida pela Lei 12.015/09, o embargante foi absolvido pelo juízo monocrático.

2.      Irresignada, a Acusação, interpôs recurso apelativo para este Colendo Tribunal, pedindo a condenação do réu.

3.      Por maioria de votos, a douta Câmara proveu o recurso acusatório, vencido o relator Desembragador XXX, vencedoras as Desembargadoras XXX e XXX.

4.      Assim sendo, por maioria de votos, a douta Câmara proveu o recurso do parquet (fls. 147 ut 175).

5.      O embargante resta, assim, condenado à pena reclusiva de 6 anos em regime semi-aberto.

6.      A despeito, porém, dos vastos cabedais de ciência jurídica dos subscritores do venerando acórdão embargado, é o voto vencido do ínclito relator Desembargador XXX, o que, ao aviso, deslindou à justa luz a controvérsia entretida nos autos.

7.      De feito, exame curioso, minudente e exaustivo do processo revela que não conspiram, no caso, os elementos probatórios mínimos a fundamentar condenação pelo tão odioso crime de estupro.

8.       Da pessoa da pretensa vítima e de sua fantasiosa versão

9.      A pretensa vítima era, à época do fato, uma adolescente de 13 anos (nascida no dia 13/01/1996, fls. 06) que compareceu com sua mãe num Batalhão da PMMG para noticiar o pretenso estupro três dias após o imaginado evento. Apesar de jovem, a mesma já possuía malícia para mentir. Às fls. 05, ainda na polícia, a mãe da menor afirmou que a pretensa vítima saiu

“dizendo que iria fazer um trabalho de escola, porém não disse o local”.

         Às fls. 08, a mesma afirma que mentiu:

“...na verdade, não tinha nenhum trabalho a fazer”.

         Isso era uma quarta-feira, dia 30 de agosto de 2006.

         A pretensa vítima também já era mal-afamada.

         A testemunha BÁRBARA (fls. 21) afirma que

“viu DANIELA MIRTES beijando os três rapazes, isto é, MARCELO, EDMAR e ALYSSON”.

         A testemunha RAFAELA afirmou que DANIELA

         “era boa de farra” (fls. 24).

         Quando foi no sábado seguinte, a mãe compareceu à PMMG, ou seja, após três dias.

         Após cinco dias foi realizado o ECD (dia 04/set/2006, fls. 15).

10.   Sobre os fatos em si, observa-se que a mesma narra o evento com muitos detalhes, apesar de se dizer bêbada ao ponto de não se lembrar se manteve ou não relação sexual no dia (!). Afirmou que ALISSON a teria levado para um quarto, a deitado na cama, tirado a roupa dela e se deitado sobre a mesma.

... depois não viu mais nada (fls. 12).

Mas, em seguida, no mesmo documento, afirma que

“recorda ter sentido dores na vagina mas não sabe se foi na hora (...) porque não estava consciente; que nem mesmo viu se houve penetração do pênis em sua vagina (...) quando acordou, ainda tonta, percebeu que estava nua, quando pegou a roupa em cima da cama e vestiu. Que saiu do quarto indo para a sala onde encontrou todos os cinco sentados num sofá.” (gf)

11.   Nesse ponto, observa-se que o pretenso “estuprador” é muito cuidadoso, pois teria a despido e deixado a roupa sobre cama...

         Ora, Senhores Desembargadores, uma pessoa que se disse desfalecida, inconsciente por embriaguês, vai se lembrar que a roupa estava sobre a cama?

         Para se lembrar de tudo isso, não poderia haver a menor perturbação psíquica, não poderia estar, portanto embriagada, “ainda tonta”, mas os autos dizem conta que a mesma estava embriagada... Convém lembrar que se trata de uma jovem, que estava depondo com sua mãe ao lado, que chegou bêbada em casa, que já não era mais virgem antes do evento, e que não tinha como explicar para a mãe que perdeu a virgindade, “restando” a chance de se dizer virgem e pura e casta e que perdera a virgindade – não por vontade própria – mas porque seduzida, embriagada (“quando houve o abuso a depoente estava completamente embriagada”, Declaração em juízo da pretensa vítima, fls. 54) e desfalecida – quer dizer, sem chance de resistência – fora possuída. Assim, manteria sua imagem perante sua mãe... Mas isso não traria uma injustiça ao jovem ali acusado injustamente? Claro que não, pois ela falaria que não tem certeza, que não se lembra, que não sabe mesmo se foi o rapaz... Inclusive, já em juízo, afirmou que

         “não pretende dar andamento ao processo...” (fls. 54).

12.   Ora, Excelências, por favor, uma menina de 13 anos não pode, data venia, criar um estória e condenar um rapaz absolutamente inocente.

         Um processo cheio de TESTEMUNHAS PRESENCIAIS. Aliás, sua excelência o juiz DR. XXX (sentença, fls., 100) afirmou que

“compulsando com minunciosa atenção nos detalhes e no conjunto probatório produzido, percebe-se que a versão apresentada pela vítima encontra-se divorciada dos demais elementos de convicção trazidos aos autos, os quais, interligados entre si e aliados a outros fatores existentes nos autos, nos levam à conclusão da improcedência das acusações, data venia.” (gf)

13.   “Sentença”, como Vossas Excelências sabem, vem do latim sententia, sentiendo, gerúndio do verbo sentire que expressa “julgamento, opinião, pensamento, significado”, “ser da opinião de, sentir, perceber”. Nela o juiz declara o que sente. Sentenciar não é apenas um ato racional, porque envolve antes de qualquer coisa, a atitude de estimativa do juiz diante da prova. O juiz viu e ouviu a pretensa vítima. O juiz viu e ouviu o pretenso autor. O juiz chegou à conclusão certa de que a vítima era mentirosa, que o réu era boa pessoa (fls. 101) e que a menina teria criado a história porque a mãe descobriu que a mesma não era mais virgem, a jovem “não soube contornar a situação” (da sentença, fls. 101).

         Cultos Desembargadores, a palavra de um Juiz deve ser levada em conta principalmente porque ele conversou com as partes, olhou nos olhos das mesmas, e chegou à conclusão que o rapaz é inocente.

14.   Observa-se também que mesmo ela apontando que ficou sentido dores na vagina – por três dias, conforme se expressou – ainda, assim, na polícia e perante a sua própria mãe, disse que não sabia se houve ou não penetração... ou seja, ao tomar banho, ao se limpar, não teria observado nada de anormal com a ruptura do hímen, uma roupa suja, um escorrimento, a calcinha, a cama com sangue, nada... absolutamente nada... uma menina de 13 anos, virgem, deflorada inconsciente que ficou três dias com pretensas dores na vagina, não sabe se perdeu a virgindade no dia e nem tem certeza?...

15.   Como assim?

16.   Uma menina virgem deflorada por um homem de 20 anos, estando ela inconsciente, não sabe se foi estuprada?

         Não deixou sangue na cama ou nas roupas, mesmo sentindo dores após três dias?

         Nas suas declarações em juízo afirmou que

houve penetração, vez que a depoente fez o exame onde constatou o rompimento e que antes nunca tinha tido relação sexual.” (fls. 54).

         Sendo certo que à pergunta anterior disse que

“quando houve o abuso a depoente estava completamente embriagada.” (fls. 54).

         Isso só já demonstra uma completa contradição com o que afirmara na polícia dias após a farra:

“... não sabe se foi na hora que estavam mantendo relação sexual, porque não estava consciente; que nem mesmo viu se houve a penetração do pênis na sua vagina.” (Fls. 12).

17.   E o ECD falando que havia presença de “equimose e edema” (fls. 16).

18.   Ora, o que representariam a equimose o edema em uma virgem (porque ela se disse virgem e a perícia apontou que não era mais virgem)?

19.   O que significa isso?

20.   O Prof. FLAMÍNIO FÁVERO, em seu clássico Medicina Legal (Belo Horizonte, Rio de Janeiro: Villa Rica, 12ª. Ed., pág. 675) afirma assim:

“Sendo o traumatismo recente, não há dúvida, impõe-se a conclusão pela existência de hemorragia, pelo estado túmido dos retalhos, tudo indicando processo de reparação que se completa dentro de um prazo que pode ir até 21 dias (Afrânio Peixoto).” (Gf)

21.   Ora, Desembargadores, parece claro pelo evento e ECD apontaria hemorragia, mesmo que pequena pela ruptura do hímen, pelo o que diz o médico Prof. FLAMÍNIO. Entretanto, não houve naquele dia (porque não existiu) relato de sangramento por parte da menor, por parte do dono do imóvel (e da cama) e nem pelas testemunhas e muito menos do ECD.

         Se é verdade que a mesma ficou sentindo três dias dores fortes, se é verdade que houve hematoma e edema, se é verdade que era virgem no ECD deveria aparecer sinais de ruptura do hímen. Também deveria ser verdade que a mesma ficasse suja de sangue, ao menos um pouco, quando o rapaz tirasse seu membro de sua vagina. Iria, sim, sujá-la, sujar a sua roupa, sua pele, nas pernas...

22.   Também não se falou de camisinha ou de esperma em nenhum momento. Evidentemente que a mesma também não ficou grávida...

23.   Também a perícia não disse que a menina perdeu a virgindade por aqueles dias. Na verdade, a Defesa quer crer que a menina já havia perdido a virgindade há mais de 21 dias.

24.   A perícia não apontou ruptura do hímen recente. Quando o hímen se rompe, é possível que a perícia determine, através do PROCESSO DE LACASSAGNE, a região quadrante de ruptura do hímen. Isso não foi feito, precisamente porque não foi possível tendo em vista que a rotura já era antiga, ou seja, há mais de 21 dias (FLAMÍNIO FÁVERO), verbis:

“Não estando cicatrizados os retalhos, então será possível uma precisão maior na diagnose de recenticidade, até 21 dias no ver de Afrânio Peixoto”. (op. cit., fls. 685) (Gf)
         Relembre-se que a própria vítima disse que não sabia se ocorreu a introdução do pênis...

25.   Observe-se, preventivamente, que não se pode falar de hímen complacente porque a perícia nada relatou.

26.   Da pessoa do embargante

27.   O embargante é pessoa séria, casado, honesto, trabalhador, primário e de bons antecedentes. Não existe, no processo, uma só linha que o desabone.

28.    Antes pelo contrário, a testemunha MARCELO (fls. 60) só tece elogios à personalidade e pessoa do acusado.
29.   O embargante sempre negou a acusação. Na polícia (fls. 17) afirma que

“nega o fato de haver mantido relação sexual com a DANIELA.”

         Em juízo reafirma que

“tem certeza de que não houve conjunção carnal e nem introdução de outros objetos na vagina da vítima; que em nenhum momento o depoente tirou a roupa da vítima.” (fls. 67).

30.   A testemunha EDMAR afirma que

“Alysson estava sempre na sala, sendo que o Alisson não chegou a ficar sozinho com a vítima.”

         A vítima, por sua vez, como já exposto (fls. 12 e 54) afirma que não sabe se houve ou não a penetração.
        
A testemunha BÁRBARA afirma que

“não viu DANIELA tendo relação sexual com os rapazes, vez que todos ficaram juntos o tempo inteiro. (...) que não houve relação sexual entre os participantes da festa; (...) que durante o tempo em que ficaram no sítio todos ficaram juntos dentro do mesmo espaço; que reafirma que esteve o tempo todo com a DANIELA e com o ALYSSON;” (Gf)

31.   De uma impossibilidade fática

32.   A testemunha GERALDO (fls. 58) afirmou (e a Defesa faz juntar fotos – em analogia ao disposto no art. 492, RITJMG) que fica ao crivo de Vossas Excelências entenderem pertinentes) que

“nenhum dos quartos tem portas (...) que na casa tem dois quartos e quem está dentro da casa dá para ver quem está dentro dos quartos.”

         De fato, observando as fotos, fica claro que os quartos não possuem portas.

33.  Se a preclara Câmara entender por bem pode, inclusive, mandar fazer a reconstituição dos fatos (em analogia ao art. 616, CPP), a Defesa não só aprova como também, desde já, requer que o Tribunal suspenda este julgamento e mande fazer a reconstituição para comprovar algo impossível: Excelências, seis jovens bebendo vodka, em uma “farrinha”, em uma casa pequena com dois quartos sem portas, o que aconteceria se um casal se desgarrasse do grupo e passasse ao quarto em frente à sala?

         Vossa Excelências acreditam que os outros jovens nada fariam?

         Ficariam parados na sala?

         Não iriam caçoar, brincar, provocar o “casalzinho romântico” que desgarrou da “farrinha”?

         E se chegassem a entrar no quarto, ou mesmo da sala, não perceberia que faziam sexo?

         Os dois nus?

         Sobre a cama?

         Ninguém teria visto nada?

         É crível essa cena?

         O réu afirmou em juízo que

todos estavam no mesmo cômodo ou em cômodos próximos, mas todos no campo de visão, então não dava para acontecer o ato.” (fls. 67). (Gf)

         É claro que não ficaram no quarto ou, se ficaram, não houve sexo porque não demoraram nada, tendo em vista que ninguém viu ninguém pelado ou praticando sexo. Nem uma testemunha... dentre os quatro jovens que teriam ficado na sala e mais o dono do imóvel... isso é, evidentemente, uma impossibilidade fática.

         Observe-se, Excelências, que nem mesmo a vítima se compromete porque diz que estava desfalecida e ficou assim por um tempo e quando acordou estava nua, com a roupa sobre a cama, e se vestiu e foi para sala onde todos os outros estavam lá...

         Ora, que “turminha farrista” comportada!
        
         Nem se a mãe deles estivessem lá, seriam tão disciplinados ao ponto de respeitar a individualidade do casal e depois o “despertar da Branca de Neve”, suavemente, indo ao encontro dos outros na sala...

35.   Pondo fecho e cláusula a seu respeitável voto, consignou o ilustre Desembargador XXX, subscritor do voto vencido:

“Pois bem. Apesar do entendimento dominante de que nos crimes sexuais, que são cometidos em sua maioria na clandestinidade, a palavra da vítima deve prevalecer sobre a negativa da autoria do acusado, verifica-se que este não é o caso dos autos. É que as palavras de vítima deve ser coesa, firme e desprovida de contradições, o que, no caso, não ocorreu, diante dos depoimentos prestados por ela, os quais deixam dúvidas quanto a ocorrência do delito bem como sua autoria. Por outro lado, o Exame de Corpo de Delito (fls. 15/16 – TJ) não apurou nenhuma lesão corporal ou outro vestígio que indicasse emprego de violência, informando, apenas, a ruptura himenal, porém, sem possibilidade de precisar a data de sua ocorrência. Por fim, tem-se que a vítima afirmou ter se submetido a atendimento psicológico no dia anterior ao seu depoimento prestado perante a autoridade judicial (sic – fls. 12), mas não cuidou, sequer, de trazer relatório, o que poderia, em tese, sustentar suas alegações.” (Acórdão, voto vencido, fls. 158 / 159).  (Gf)

37.   Será forçoso, pois, ABSOLVER de toda e qualquer acusação, o embargante.

38.   Tal solução não desautorizará o Judiciário nem desfará nos créditos dos exímios juristas que o integram; antes haverá de acrescentá-los, por sua decisão a um tempo justa, correta e exemplar.

39.   Por estas razões, cujos deméritos o respeitável voto vencido e a sabedoria de Vossas Excelências facilmente suprirão, espera o embargante dignem-se receber os embargos, em ordem a absolver in totum o perseguido.

Belo Horizonte, 23 de setembro de 2013.




WARLEY RODRIGUES BELO

OAB/MG 71.877

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A Segurança Jurídica e o Bem Jurídico

Warley Belo
Advogado Criminalista
Mestre em Ciências Penais/UFMG
A consciência coletiva de determinado povo emite juízos de valores  que o Estado reconhece e cria bens jurídicos (güter des Rechts). A vida, a liberdade individual e o patrimônio são exemplos. O Estado, atencioso a esses valores que a sociedade reputa essencial à convivência humana, tutela-o penalmente, tipificando-o.
Direito é, pois, sobretudo, valorização. O bem jurídico é a eleição de determinados valores, definindo-os como fatos puníveis e cominando sanções penais.
A teoria do bem jurídico é uma construção do paradigma liberalista do século XIX. Na Época das Luzes, privilegiava-se a concepção de contrato social. Com Feuerbach (1801), o delito passou a ser visto como um ataque aos direitos subjetivos. Entenda-se, pois, direitos negativos, anteriores aos assegurados pelo contrato social. Foi com o liberalismo que nasceu \"o espírito do tipo\". Veja-se que na criminologia (com os clássicos, para utilizarmos o linguajar de Ferri), predominava a ideologia da defesa social e os valores dessa corrente funda a concepção moderna de bem jurídico.
Em 1832, Birnbaum publica Über die Erfordenis einer Rechtsverletzung zum Begriff des Verbrechens,  quando se passou a considerar o delito como lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico.
Na primeira metade do século XX, com o surgimento do nazi-fascismo, o instituto bem jurídico viu-se às voltas com o Willensstrafrecht (Direito penal da vontade). Nascia a Escola de Kiel, cujos maiores representantes foram Georg Dahm, Friedrich Schaffstein, Hans Frank, Gallas, dentre outros. A ideologia partia do pressuposto de que o espírito do povo seria a fonte do Direito e a lei o que o Führer ordena: Gesetz ist, was der Führer befiehlt.
De qualquer forma, o Direito sempre foi concebido em valores sociais. E o fato da vida social deve estar no início  e no final da persecutio criminis. No início, porque o Direito Penal não se preocupa com fatos
irrelevantes juridicamente: só deve haver perseguição aos fatos/crimes (art. 5º, XXXIX, Constituição Federal, e art. 1º, Código Penal). Dizia Aníbal Bruno que a tipicidade \"é o tempo inicial de toda consideração
sobre o fato suposto punível\". No fim, porque se comprovará a sua prática - ou não - e daí decorrerá a pena.
No processo penal, deve-se verificar se os fatos imputados são subsumíveis ao conceito abstrato e genérico do Direito Penal. O discurso do Direito Penal visa estabelecer condutas que poderão ser realizadas. Já o discurso do processo se preocupa com os fatos já passados, já ocorridos.
Certo é que estamos falando de situações sociais e de fatos. Fatos esses que deverão, a todo instante, sofrer análise de tipicidade. Ou seja, os fatos concretos deverão ser postos em observância aos fatos abstratos descritos na lei. Presentes todos os elementos do tipo, presente estará a tipicidade. Essa identidade entre a letra da lei e o fato investigado é necessária, tanto no momento de abertura do inquérito como no recebimento da ação penal pelo juiz. O processamento de fato atípico viola o próprio processo legal e viola o contraditório, a ampla defesa, a busca da verdade material. Enfim, é inaceitável um ato procedimental, por mais simples que seja, de um fato explicitamente atípico.
Nessa esteira de pensamento, o delegado de polícia não precisa, sequer, iniciar uma investigação por fato que não seja considerado infração penal.
Da mesma forma, o juiz não deverá receber ação penal que descreva fato não tipificado. Ninguém poderá ser constrangido penalmente por fato atípico. É que esse fato é irrelevante para a Justiça penal. Poderá ser relevante para outros ramos do Direito, como o civil ou o administrativo, mas não para o penal (Teoria dos Círculos Concêntricos). O delegado, o órgão do Ministério Público, o advogado e o juiz deverão fazer rigorosa análise do fato para concluir pela violação ou não de um bem jurídico tutelado penalmente. Como dizia Grispigni, il bene giuridico è la ragione d\'essere della fattispecie legale, lo spirito che la fa vivere.
Disso decorre a função mais importante do tipo penal: a função garantidora.  É garantia do indivíduo não ser molestado em sua pessoa ou família, nem conduzido à prisão, nem detido, nem suspeito, salvo por ordem
escrita de autoridade competente e com todas as formalidades legais e, ainda, por motivo previamente definido em lei. Ninguém pode ser sujeito de procedimento, processo ou punição  senão conforme as leis preexistentes que tratam de fatos penais pré-escritos (nullum crimen sine praevia lege scripta, stricta et certa).
Tudo isso decorre do nosso sistema político, que permite garantir a liberdade e a segurança individual. O tipo penal (corpus delicti, tatbestand, fattispecie legale, éléments legaux) há de servir como defesa
do indivíduo diante dos ímpetos de autoritarismo. São nessas condições que a tipicidade, tanto objetiva quanto a subjetiva, traz a segurança jurídica aos coagidos. Já dizia Radbruch  que a segurança jurídica é um dos elementos da idéia de Direito, junto com a Justiça e a adequação a um fim.
BELO, Warley. A Segurança Jurídica e o Bem Jurídico. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 21.01.2005

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A liberdade provisória, a gravidade do delito e o clamor público

Autor: Warley Belo

Advogado, mestre em Ciências Penais (UFMG) e professor de Direito e Processo Penal

1. Introdução
A prisão preventiva, como coerção provisória cautelar penal que antecede a decisão condenatória, é medida de exceção. Deixou de ser obrigatória para ser facultativa, adequada apenas às hipóteses precisa e limitadamente fixadas em lei.
Como a sua aplicação compromete o jus libertatis e o jus dignitatis do cidadão, não pode ser aplicada senão quando absolutamente indispensável, quando indubitavelmente imperiosa à garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Ressaltadas essas características por dados concretos, inequívocos, bem reconhecidos e postos em destaque pela autoridade judiciária, configurado estará opericulum in mora, um dos pré-requisitos. É entendimento corrente, mesmo no Supremo Tribunal Federal, que "a prisão preventiva deve ser convincentemente motivada. Não bastam para isso meras conjecturas de que o acusado poderá evadir-se, ou embaraçar a ação da justiça... A fundamentação deve ser substancial, com base em fatos concretos, e não mero ato formal"(1).
Além desse pressuposto, há de se ver presente prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (fumus delicti).
A decretação da prisão preventiva, portanto, na sistemática processual vigente, deve atender aos pressupostos básicos do art. 312, CPP, visualizando também, em perspectiva abrangente, a ação delituosa e a figura do acusado. Esta, sobretudo, é da maior importância. Se não se trata de criminoso vulgar, de marginal perigoso, nada aconselha a medida cautelar(2).
2. O princípio constitucional da não-culpabilidade
O princípio constitucional da não-culpabilidade — artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal — direciona a considerar-se a prisão preventiva como procedimento excepcional.
Como expõe Pacelli(3), "tem-se, portanto, como regra primeira do novo sistema, que o não-culpado — em situação jurídica de inocente — somente poderá ser preso antes da decisão final por razões de comprovada necessidade, para fins de acautelamento dos interesses que fundamentam e legitimam a própria jurisdição penal, de natureza marcadamente instrumental, e nos limites daproporcionalidade. Precisamente daí a exigência de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente para a decretação da prisão anterior à condenação definitiva, salvo a hipótese de flagrante delito (art. 5º, LXI)".
A prisão preventiva é regra excepcional, pois é certa a regra da presunção da não-culpabilidade. Para que isto realmente tenha lastro legal, indispensável é que se demonstre, no caso concreto, a realidade do periculum in mora, não simplesmente suposições, conjecturas sobre o enquadramento no artigo 312 do Código de Processo Penal(4).
O enfoque principiológico constitucional robustece a necessidade de se ter devidamente fundamentado o ato processual de exceção, sob pena de se ocultar, sob o manto cego da vingança pública, uma odiosa medida inquisitiva.
3. Clamor Público
O clamor geral da população pelo fim da violência, que vem assolando indistintamente todo o País, não serve como justificativa para a medida, sob pena de ser transformada a prisão preventiva em inaceitável instrumento de justiça sumária. O periculum in mora, como pré-requisito da preventiva, estampado na garantia da ordem pública, não pode ser confundido, absolutamente, com a satisfação do clamor público. Nesse caso, é desnecessária a prisão preventiva que não pode ser usada como antecipação da pena, finalidade a que alguns se prestam, mas não se compatibiliza com a presunção de inocência.
Moreno Catena(5) afirma que "a via legítima para acalmar o alarma social não pode ser a prisão provisória, encarcerando sem mais o maior número possível daqueles que prima facie apareçam como autores de atos delituosos, senão uma decisão rápida de mérito, condenando ou absolvendo, porque só a sentença prolatada num processo penal determina a pena do acusado".
Uma coisa é preservar a credibilidade da Justiça, em que há hipóteses de extrema gravidade, e outra é satisfazer o desejo da vingança social, à qual não pode aderir o Poder Judiciário.
4. A gravidade do crime
A gravidade abstrata da infração ou mesmo a eventual certeza de autoria não obstam a liberdade provisória, se não implicarem, também, em qualquer uma daquelas circunstâncias a que alude o preceito processual.
Daí, aliás, e bem a propósito, a lição sempre atual de Carrara(6), para quem "...a custódia preventiva atende a uma tríplice necessidade: a) necessidade de justiça, na medida em que afasta a fuga do réu; b) necessidade de verdade, na medida em que obsta que o réu confunda as atividades da autoridade policial, destrua os vestígios do delito ou intimide testemunhas e c) necessidade de defesa pública, na medida em que impede a certos delinqüentes, pendentes o processo, continuar seus ataques ao direito alheio".
A gravidade do crime não autoriza por si só a prisão preventiva, como vem entendendo a Suprema Corte(7). A sociedade não aceita a situação vivida de violência generalizada. Mas, e isto não é menos verdadeiro, há um interesse maior na preservação dos ditames do devido processo legal, nos ditames constitucionais sem atropelos, e, portanto, sem açodamentos.
5. Conclusão
Ainda que haja simples referência aos requisitos impostos pelo art. 312 do Código de Processo Penal, sem a menção das peculiaridades do caso concreto não assenta observância no mandamento constitucional esculpido no inciso IX do artigo 93, sobre a fundamentação das decisões judiciais. Desse modo, a prisão preventiva não deve subsistir. Ao magistrado, não basta reproduzir as hipóteses previstas pela lei. É preciso muito mais, isto é, demonstrar, com base nos elementos constantes dos autos, como e porquê o agente poderá dificultar a instrução criminal, frustrar a aplicação da lei e atentar contra a ordem pública ou econômica se permanecer solto.
A motivação abstrata é inaceitável porque não se tolera, como cediço para a custódia preventiva, mero juízo de conjecturas sem qualquer base fática. O próprio Supremo Tribunal Federal enfatiza que a medida "somente pode ser decretada mediante motivação que indique razões objetivas, em conformidade com as diretrizes dos artigos 312 e 313 do código de processo penal"(8).
A decisão pela prisão provisória cautelar deve, portanto, repousar sobre condições fáticas palpáveis, tangíveis de modo objetivo. É preciso que as circunstâncias autorizadoras aflorem das provas colhidas, porquanto o juiz no despacho, deverá trazer ao bojo dos autos fatos reais e não meras probabilidades.
O ato relativo à preventiva, para se tornar merecedor de endosso, deve fazer-se ao mundo jurídico com referência a dados completos ligados ao indiciado. A liberdade provisória no caso de prisão em flagrante está subordinada à certeza da inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (CPP, artigo 310, caput e parágrafo único). Qualquer outro fundamento para decretação ou manutenção da preventiva não encontra guarita nem na Carta e nem no Código de Processo Penal.
Notas
(1) RTJ 73/411.
(2) "A simples referência aos requisitos estampados no código de processo penal não se presta a embasar o pedido de prisão preventiva, sendo necessários elementos concretos que demonstrem que o agente poderá cometer outros crimes de igual natureza, bem como que seu convívio com a sociedade seja suscetível de vulnerar interesses a ela contrários" (STF, RT 547/314).
(3) OliveiraEugênio Pacelli deRegimes Constitucionais de Liberdade Provisória, Del Rey, 1998, p. 87.
(4) "O despacho que indefere o pedido de liberdade provisória, tal como o que decreta a prisão preventiva, deve ser adequadamente fundamentado, com indicação objetiva de atos ou fatos concretos susceptíveis de causar prejuízo à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal (CPP, art. 315; CF, art. 93, IX)" (STF, RHC nº 6.683/SP).
(5) CatenaVictor MorenoLecciones de Derecho Procesal Penal, 2ª ed., Editorial: Colex Editorial Constitución y Leis, SA, 2003, p. 208.
(6) Programa, vol. II, Lucca, 1877, p. 466.
(7) V. g., HC nºs 69.950. e 67.850.
(8) RHC nº 62.920/SP.

Warley BeloAdvogado, mestre em Ciências Penais (UFMG) e professor de Direito e Processo Penal

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Ministro aplica decisão da ADI nº 4.424 e mantém ação penal contra acusado de agressão doméstica

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 4.424) conferiu natureza pública e incondicionada à ação penal fundada na Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06), produzindo efeitos antes mesmo da publicação do acórdão. Com base nesse entendimento, o Ministro do STF Luís Roberto Barroso deferiu liminar em Reclamação (RCL nº 16.031) para manter o curso de ação penal contra um morador de Osasco (SP), acusado de agredir a ex-companheira em ambiente doméstico. A reclamação foi ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) contra decisão do juiz da 4ª Vara Criminal da Comarca de Osasco que extinguiu a punibilidade do agressor, depois que a vítima renunciou à representação por lesão corporal. Na avaliação do magistrado, a desnecessidade de representação para o Ministério Público atuar no caso só seria válida após a publicação da decisão do STF. A decisão do Supremo permitiu ao Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima, ampliando o alcance da Lei Maria da Penha. O art. 16 da lei dispõe que as ações penais públicas são “condicionadas à representação da ofendida”. Entretanto, para a maioria dos ministros da Suprema Corte, essa circunstância esvaziava a proteção constitucional assegurada às mulheres, uma vez que muitas delas acabavam por retirar a queixa de agressão. Naquele julgamento também foi esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha.

Reclamação
Ao analisar a liminar na RCL nº 4.424, o Ministro Luís Roberto Barroso considerou presente a plausibilidade jurídica da tese defendida pelo MP-SP “de que proferida decisão em ADI, seu efeito vinculante produz-se antes da publicação, o que conduz à conclusão, em exame preambular, de que a decisão atacada afronta a autoridade decisória da Corte”, disse o ministro-relator. Segundo Barroso, “o perigo na demora decorre da possibilidade de o decurso do tempo prejudicar a persecução criminal, atingindo-a com a prescrição”. Diante disso, o ministro deferiu a liminar para suspender o efeito da decisão proferida pelo juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Osasco que declarou extinta a punibilidade do autor pela renúncia da representação. Assim, o ministro determinou que o juízo reclamado seja comunicado da decisão, de modo a viabilizar o andamento do processo, considerando a natureza pública incondicionada de eventual ação penal, nos termos do julgado na ADI nº 4.424 pelo Supremo Tribunal Federal.

Fonte: STF

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Tribunal de Justiça de Minas Gerais utiliza-se de doutrina do Prof. Warley Belo para absolver réu

Tribunal de Justiça de Minas Gerais utiliza-se de doutrina do Prof. Warley Belo para absolver réu.





EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - ROUBO MAJORADO - AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES A ENSEJAR A CONDENAÇÃO - PROVA INDIRETA - FRAGILIDADE - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

I - Se a prova coligida aos autos não permite concluir quem foi o autor do delito patrimonial, impõe-se a absolvição do acusado, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo.

II - A prova indireta, prestada por aquele que não presenciou os fatos, é frágil e por si só não pode sustentar uma condenação criminal.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0522.05.019028-2/001 - COMARCA DE PORTEIRINHA - APELANTE(S): IRSON SANTOS SOARES BARBOSA - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - VÍTIMA: ANTONIO SOARES MARTINS

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.



DES. ADILSON LAMOUNIER 

RELATOR.

DES. ADILSON LAMOUNIER (RELATOR)

V O T O

Trata-se de apelação criminal interposta por Irson Santos Soares Barbosa em face da sentença de fls.115/120, por meio da qual a douta Juíza de Direito da Comarca de Porteirinha julgou procedente a denúncia, condenando o recorrente como incurso nas sanções do art.157, §2º, I, do Código Penal, à pena de 05 (cinco) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime semiaberto, e pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa.

Em suas razões recursais às fls.163/164, a defesa do apelante pleiteia sua absolvição, por ausência de provas que autorizem o decreto condenatório. Sustenta que as testemunhas foram imprecisas e contraditórias em suas informações, e que a palavra da vítima se manifesta "parcial e tendenciosa".

Às fls.168/174, contrarrazões recursais, requerendo o Ministério Público o improvimento do recurso, com a manutenção da sentença recorrida.

Instada a se manifestar, a d. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls.180/183).

É o relatório.

Decido.

Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade.

Não vislumbro nenhuma nulidade que vicie o feito ou questão que mereça apreciação de ofício.

Narra a inicial acusatória que no dia 21.04.2005, por volta das 16 horas, na localidade denominada Fazenda Alegre, município de Porteirinha, o denunciado, ora apelante, agindo de forma livre e consciente, mediante grave ameaça exercida com emprego de revólver, roubou uma bomba de encher pneus de charrete, um liquidificador marca Black&Decker, um aparelho de som da marca Britânia e a quantia aproximada de R$400,00 (quatrocentos reais) que estavam na posse da vítima Almerindo Medeiros de Brito, mas de propriedade de Antônio Soares Martins.

Segundo consta, a vítima Almerindo estava trabalhando na propriedade de seu patrão quando o denunciado se aproximou usando uma toca no rosto e arma em punho, apontado para aquela. Ameaçando ceifar-lhe a vida, o denunciado imobilizou a vítima e o fez levar até a residência de Antônio Soares Martins, local em que roubou a quantia em dinheiro e os objetos acima narrados.

Conforme relatado, a d. magistrada sentenciante julgou procedente a denúncia, condenando o recorrente como incurso nas sanções do art.157, §2º, I, do Código Penal, o que motivou o presente recurso.

Busca a defesa unicamente a absolvição do acusado, por entender que o conjunto das provas contido nos autos é insuficiente a lastrear a pretensão acusatória.

A pretensão merece acolhimento.

Com efeito, verifica-se que o apelante negou a prática dos fatos narrados na denúncia, afirmando desconhecer o motivo pelo qual está sendo processado, e que no dia dos fatos estava preso na cidade de Janaúba.

Apesar de tal assertiva não ter sido comprovada nos autos, julgo que não foram produzidas provas aptas a sustentar a condenação, ônus exclusivo da acusação.

Isto porque as vítimas e testemunhas conseguiram confirmar apenas que os vizinhos apontaram o apelante como autor dos fatos, porque supostamente o teriam visto nas proximidades da residência da vítima, saindo na posse dos objetos roubados.

Vejamos:

Tão logo chegou da roça e tomou conhecimento dos fatos, recorreu aos vizinhos, os quais lhe informaram que o indivíduo conhecido por Wilson filho de Ana, morador na cidade de Janaúba-MG, tinha passado ali na estrada que vai à casa do declarante em uma bicicleta, na tarde da mesma data dos fatos, cujo elemento é conhecido como 'ladrão', quem, sem qualquer dúvida praticou aquele assalto na casa do declarante (Antônio Soares Martins, fls.12, confirmado em juízo às fls.99)

Que os vizinhos do depoente disseram que viram na data dos fatos o indivíduo de nome Wilson de Ana, residente em Janaúba-MG, passar ali na estrada em direção da casa palco do roubo, montado em uma bicicleta, cujo elemento conhecido como "Ladrão"; que, a pessoa de Adenir filho de Arlindo, foi uma testemunha que viu Wilson de Ana, seguindo em direção da casa da vítima, retornando posteriormente com os objetos roubados (Pacífico Soares de Aguiar, fls.10, confirmado em juízo às fls.100)

A vítima que estava na posse dos objetos roubados, Almerindo Medeiros de Brito, não foi ouvida em juízo, mas tão somente na fase extrajudicial. Naquela oportunidade, afirmou que o autor do roubo lhe era desconhecido, e que "posteriormente ficou sabendo se tratar de Wilson de tal, filho de Ana" (fls.16).

Confirmando que a pessoa de "Wilson, filho de Ana" apontado pelas testemunhas é o apelante, o depoimento de Bertolino Soares Neto:

Que o autor do roubo teve que arrombar a porta da casa do pai do depoente para subtrair os objetos; que a pessoa de Wilson, filho de Ana e de 'Berto', mencionado no depoimento de fls.14/15 é a mesma pessoa do réu que ora é acusado, ou seja, Irson Santos Soares Barbosa (fls.101).

Nota-se que todas as testemunhas utilizaram para reforçar seus depoimentos o fato de que o apelante era o principal suspeito de um crime de latrocínio também ocorrido na região. Contudo, como afirmou a própria testemunha Bertolino Soares Neto, até o momento "não se sabe a autoria do crime de latrocínio", o que impede qualquer conclusão em desfavor do apelante.

Prosseguindo na análise do conjunto probatório, verifico que as demais testemunhas ouvidas na instrução nada acrescentaram sobre os fatos, se limitando a declarar que não possuíam condições de reconhecer o acusado ou que não presenciaram os fatos (fls.95 a 97).

Diante de tais elementos, é possível concluir que os testemunhos constantes nos autos não conseguiram comprovar os fatos tais como eles efetivamente ocorreram, ou demonstrando conhecimentos que adquiriram por seus próprios sentidos.

As testemunhas da acusação somente souberam da autoria dos fatos por intermédio de terceiros, as chamadas testemunhas "por ouvir dizer" ou de auditu.

Segundo ensina Rogério Sanches Cunha, dentre as classificações da testemunha, há a testemunha direta e a indireta, sendo que "dá-se o nome de testemunha direta (ou de visu), àquela eu depõe sobre fato que assistiu; e, indireta (ou de auditu ou testemunha de 2° grau), a que depõe sobre fatos que ouviu dizer" (Processo Penal Prático. 2. ed. Salvador: Jus PODIVM, 2007. p. 72).

É certo que na sistemática processual penal, poderá o juiz fundamentar sua decisão através de sua livre convicção, motivada por qualquer meio de prova válido, dentre eles o indício. Assim, se o julgador se convencer da existência do crime e de indícios concretos relativos à autoria da infração penal, poderá, só com base nesses elementos indiciários, proferir decreto condenatório.

Contudo, julgo que a prova indireta, prestada por aquele que não presenciou os fatos é frágil e por si só não pode sustentar uma condenação criminal. A valoração isolada destas testemunhas se revela incompatível com a estrutura acusatória, em virtude, inclusive, das inverdades e imprecisões que pode gerar.

Conforme sustenta Warley Belo,

Desta forma, a testemunha de "auditu" é simples indício incapaz de produzir qualquer condenação. Seja porque não é prova tecnicamente falando, pois sua existência é fora do processo - sem o amparo do contraditório -, seja porque o que a testemunha de "ouvi dizer" comprova é - tão somente - que ouviu terceiro dizer algo, mas não que esse algo seja verdadeiro ou tenha, de fato, existido. A solução mais correta é a absolvição com fundamento no art. VII do art. 386, CPP porque a prova que condena é a prova que imprime certeza, objetividade, clareza, de forma que alegar e não provar são situações idênticas, como diz o aforismo: "quod gratis assertur, gratis negatur". (Testemunha de "Auditu". Conteúdo Jurídico, Brasília: 04 mar. 2011. Disponível em: 

http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=1&seo=1.Acesso em: 06 nov. 2012)

Importante ainda salientar que ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de solução da incerteza, o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador. 

Isso porque, ao estar a inocência assistida pelo postulado de sua presunção, até prova em contrário, esta prova contrária deve aportá-la a quem nega sua existência, ao formular a acusação, sendo inadmissível a imposição de pena a alguém baseada em prova deficiente, incompleta e duvidosa.

A única certeza exigida pelo processo penal refere-se à prova da autoria e da materialidade, necessárias para que se prolate uma sentença condenatória. Do contrário, em não sendo alcançado esse grau de convencimento, a dúvida remanescente beneficia o acusado. 

Na hipótese dos autos, repito, há apenas indícios, presunções e suposições, uma conjugação de fatos que apontam para a possibilidade de serem os denunciados os autores do grave delito. Todavia, considerando que o Direito Penal não se compadece com meras suposições ou conjecturas e, ante a ausência de elementos probatórios suficientes a ensejar a condenação, imperiosa a absolvição dos réus.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para absolver o apelante Irson Santos Soares Barbosa da prática do delito previsto no art.157, §2º, I, do Código Penal, com fulcro no art. 386, VII, do CPP.

DES. EDUARDO MACHADO (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JÚLIO CÉSAR LORENS - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO"