terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Pessoal, novamente sou citado como doutrinador em decisão. Desta vez, o Tribunal de Justiça do Paraná me citou em uma decisão em um recurso em sentido estrito. Segue:

RECURSO CRIME EM SENTIDO ESTRITO Nº 504.647-9, DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA, 8ª VARA CRIMINAL.
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ
RECORRIDO: RALEM FELIPE FERNANDES
RELATOR: DESEMBARGADOR LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO



RECURSO CRIME EM SENTIDO ESTRITO - DECISÃO QUE CONCEDE LIBERDADE PROVISÓRIA - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA - AUSÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO DA DEFESA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO - RECURSO DESPROVIDO.
1.Observado o excesso de prazo na formação da culpa do acusado, e não tendo este qualquer parcela de responsabilidade nesta procrastinação, configurado está o constrangimento ilegal.
2.Se o evidente excesso de prazo não encontra justificativa convincente, o acusado deve ser colocado em liberdade. Feitos de réu preso devem, sempre, merecer tratamento prioritário.
3.A instrução criminal obedece a rito e cronograma determinados na lei especial e, o excesso de prazo, injustificável e por culpa do aparelho judiciário, constitui constrangimento ilegal.
4.O Estado há de estar aparelhado, visando a observância de dilação legal, mormente quando em questão o bem maior que é a liberdade do cidadão, em nada justificando, sob o ângulo da provisoriedade, a projeção do tempo com extravasamento dos limites legais da prisão.




VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Recurso Crime em Sentido Estrito nº 504.647-9, do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, 8ª Vara Criminal, em que é recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ e recorrido RALEM FELIPE FERNANDES.

1.Trata-se de recurso em sentido estrito, interposto pelo Ministério Público, contra resolução judicial proferida nos autos de ação penal sob nº 2007/16100-7, que houve por bem em conceder liberdade provisória ao réu Ralem Felipe Fernandes, denunciado como incurso nas sanções do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, em razão do excesso de prazo na formação da culpa.

Sustenta, em síntese, que o tempo de duração da instrução criminal para apurar a materialidade e a autoria dos crimes de que tratam a Lei nº 11.343/2006 é de 252 dias, da data da prisão do indigitado autor do delito (sic - fls. 06) e, na hipótese em comento, da data da prisão do recorrido (15 de novembro de 2007) até a data da expedição do alvará de soltura (13 de maio de 2008) se passaram (5) cinco meses e (28) vinte e oito dias, prazo esse muito aquém do estabelecido para se reconhecer constrangimento ilegal por excesso de prazo em favor do recorrido (sic - fls. 08).

O recorrido ofereceu resposta, mantendo o magistrado o ato impugnado (fls. 28).

Nesta instância, a douta Procuradoria Geral da Justiça, com vista dos autos, opinou pelo provimento do recurso.


É O R E L A T Ó R I O.


2.A decisão objurgada é a seguinte:

O Promotor de Justiça insiste na oitiva do Cabo Castro, junto ao 12º BPM, requerimento que foi deferido sendo redesignado o ato para o dia 23/03/2009 às 14h30. Considerando que a denúncia foi recebida em data de 07/01/2008 e o Promotor de Justiça insiste na inquirição da testemunha referida, necessário reconhecer que a designação de novo ato caracterizaria constrangimento ilegal por excesso de prazo, razão pela qual defere-se a liberdade provisória ao denunciado mediante o compromisso de comparecimento pessoal aos demais atos sob pena de revogação (fls. 35).

De fato, consoante adiante se verá, inegável o excesso de prazo na formação da culpa.


3.Com efeito, do exame das peças dos autos, depreende-se que o ora recorrido foi preso em flagrante delito em data de 16 de novembro de 2007 (fls. 32), sendo que até a expedição do alvará de soltura, encontrava-se preso há 180 (cento e oitenta) dias, sem que a instrução tivesse findado, pois que a acusação insiste na oitiva de uma testemunha, sendo a audiência redesignada para 23 de março de 2009.

Induvidoso que o prazo para término da instrução processual não é absoluto, podendo ser dilatado conforme as particularidades do caso concreto e que o apego irrestrito à necessidade de um dogma normativo não corresponde necessariamente à instrumentalização da razoabilidade dos prazos. Há hipóteses em que o prazo razoável é maior e, em outras, é menor.

Segundo doutrina de BEERNAERT, a razoabilidade de tempo na duração de um processo é apreciada mediante a conjugação de três critérios: a complexidade da causa, o comportamento do acusado e o comportamento das autoridades judiciais (Annuelle dês Droits de L'Homme, in Revue Internacionale de Droit Criminale, Toulouse, Éres, 1995, p. 769).

In casu, o feito não é complexo, figurando apenas um denunciado, em nada se legitimando prazos tão dilatados.


Também, não se vislumbra, o animus protelandi da defesa, nem comprovada má-fé. Pelo contrário, o processo encontra-se na fase de inquirição de testemunhas de acusação.

As autoridades judiciárias são responsáveis pelo devido andamento do feito, não podendo permitir dilação indevida no trâmite da ação penal, incumbindo ao magistrado zelar pela celeridade processual, impulsionando-o, pois que a obediência da regularidade temporal representa uma garantia do cidadão, que tem o direito de ser julgado em prazo razoável, notadamente, quando trata-se de réu enclausurado.

Warley Belo, em artigo intitulado O PRAZO RAZOAVELMENTE EXCEDIDO, adverte:

O processo criminal não pode eternizar-se como a espada de Dámocles, pairando indefinidamente sobre a cabeça do preso provisório. Há um limite que não se pode depender da indiossincrasia de cada juiz, ou Tribunal, sobre os limites do termo prazo razoavelmente excedido.
Graves são os malefícios da prisão cautelar ou provisória, mormente para o primário e de vida pregressa íntegra. Um só dia basta para marcar, indelevelmente, a vida de um cidadão. Evandro Lins e Silva aponta que 'a prisão, ao contrário do que se sonhou e desejou, não regenera: avilta, despersonaliza, degrada, vicia, perverte, corrompe, brutaliza'.
Há réus que já se encontram na iminência de cumprir a integralidade da sanção, mas presos cautelarmente. Outros tantos poderiam já ter alcançado benefícios da Lei de Execução Penal, como o regime aberto ou o livramento condicional, se na fase de execução. Quiça, não duvidamos, haja quem tenha saldo de prisão por ter ficado preso provisoriamente mais tempo do que a sentença lhe impôs, ou pior, ter-se descoberto, ao final do procedimento, que se tratava de um inocente (Revista Magister, número 10, pág. 60).

De outro vértice, o prazo legal, para a formação da culpa, nos delitos de tóxicos sofreu importantes modificações com a Lei nº 11.343/2006, podendo ser conjugados diferentes combinações de lapsos temporais, dependendo da particularidade do caso (por exemplo: necessidade de submissão do acusado a exame de dependência de drogas, inércia do defensor titular, havendo a necessidade de nomeação de novo advogado, realização de novas diligências, etc).

Entretanto, não é possível a contagem do prazo em dobro, pois que o artigo 10 da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que alterou a redação do artigo 35 da Lei 6.368/76, não está mais em vigência, na medida em que o artigo 75, da legislação em vigor, expressamente dispõe, verbis:

Art. 75 - Revogam-se a Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1.976, e a Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002.

Tourinho Filho, com maestria, verbera:

A questão relativa ao prazo de encerramento da instrução criminal sempre foi preocupação máxima dos poderes públicos, por isso mesmo que é mister acautelar os interesses do réu, que não pode sem deve, como elemento da sociedade, ficar indefinidamente à espera de que os órgãos da sociedade que integram o Poder Judiciário ultimem a sua situação de acusado, para declará-lo inocente, ou não (Processo Penal, 11ª edição, vol. I, São Paulo, Saraiva).

Júlio Fabbrini Mirabete, a propósito, disserta:

A rigor, ao se referir a lei à falta de 'justa causa' como fator de coação ilegal sanável pela via do habeas corpus, seria dispensável enunciar hipóteses casuísticas de cabimento do remédio heróico. Entretanto, o dispositivo, em seus incisos II a IV, prevê casos específicos de coação à liberdade de locomoção passíveis de serem afastados pelo writ. Assim, nos termos do referido artigo, há constrangimento ilegal quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei, ou seja, quando houver 'excesso de prazo' no recolhimento do paciente à prisão. É da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto nº 678, de 6-11-92: "Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo" (art. 7º) (Código de Processo Penal Interpretado, 8ª edição, Editora Jurídico Atlas).

Ainda, o escólio de Ary Azevedo Franco:

É, tal o cuidado do legislador a respeito do tempo determinado em lei, que é dever do juiz, ou tribunal, por o réu em liberdade, logo que atinja, ainda que não ultimado o processo, o tempo máximo que o legislador houver disposto para a infração penal que lhe seja imputada, ou o tempo que lhe haja sido imposto, embora não julgado o recurso que houver interposto (Código de Processo Penal, Rio de Janeiro, Editora Livraria Jacinto, 1943).

De fato, configurado o excesso de prazo na conclusão da instrução criminal, flagrante o constrangimento ilegal, máxime que tal excesso não se deu por culpa da defesa, em nada legitimando a ocorrência de prazos tão longos, para o cumprimento de atos da instrução e, como bem consignou Rui Barbosa, justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta (Oração aos Moços, 9ª edição, Forense, RJ), máxime que, repita-se, trata-se de feito sem nenhuma complexidade, merecendo, destaque o enunciado da súmula 697 do STF, verbis:

A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo.

De outro vértice, com a Emenda Constitucional nº 45 de 8 de dezembro de 2004, o legislador estabeleceu no art. 5º, inciso LXXVIII, que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, consagrando o princípio universal e democrático da razoabilidade.

O Pretório Excelso, sobre o tema, decidiu:

PENAL - PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - INSTRUÇÃO CRIMINAL - EXCESSO DE PRAZO NÃO ATRIBUÍDO À DEFESA - RÉU PRESO - CONSTRANGIMENTO ILEGAL. I - Processo anulado pelo Tribunal, por cerceamento de defesa, a partir da instrução criminal, para que o réu seja submetido a exame de dependência toxicológica, ficando mantida a sua prisão. II - Constitui constrangimento ilegal a manutenção da prisão do réu se o excesso de prazo na conclusão da instrução criminal não ocorre por culpa da defesa.
III - Habeas corpus deferido (HC nº 74.883-0, 2ª Turma, rel. Min. Carlos Velloso).

Nesta esteira, também já proclamou o col. Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - HOMICÍDIO QUALIFICADO - PRISÃO PREVENTIVA - REVOGAÇÃO - EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.
Comprovado o excesso de prazo ensejador da impetração e restando claro que a defesa em nada contribuiu para o injustificável atraso, há que ser concedido o benefício requerido.
Recurso a que se dá provimento para conceder a ordem e determinar seja expedido o competente alvará de soltura do paciente, se por al não estiver preso (RSTJ 19/223).

HABEAS CORPUS - RÉU PRESO - INSTAURAÇÃO DE CONFLITO DE COMPETÊNCIA - EXCESSO DE PRAZO - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO - ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO - ADMISSIBILIDADE - INTELIGÊNCIA DO ART. 654, § 2º, DO CPP.
Havendo demora no curso da instrução por fato superveniente, como a instauração de conflito de competência, a permanência longa da prisão processual configura constrangimento ilegal, passível de concessão, de ofício, de habeas corpus, ex vi do art. 654, § 2º, do CPP (RT 749/616).

RÉU PRESO - EXCESSO DE PRAZO NO ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL - DESÍDIA DO MAGISTRADO QUE RETARDA INJUSTIFICADAMENTE A SUA CONCLUSÃO - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO - DIREITO DO ACUSADO EM SER JULGADO NOS PRAZOS DA LEI - RECURSO DE HABEAS CORPUS PROVIDO.
A instrução criminal obedece a rito e cronograma determinados na lei processual.
Excesso de prazo injustificável para o término constitui constrangimento ilegal (RT 695/388).

HABEAS CORPUS - PROCESSUAL PENAL - CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - EXCESSO DE PRAZO - RÉ CUSTODIADA HÁ MAIS DE DOIS ANOS - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO - DEMORA INJUSTIFICADA - PRECEDENTES.
1.Na hipótese, a ré foi presa em flagrante no dia 16 de março de 1006, situação essa que perdura até o presente momento.
2.A instrução criminal, apesar de encerrada no dia 06/12/2007, ainda encontra-se aguardando devolução de carta precatória marcada para o dia 18/03/2008. Como não existem justificativas suficientes para amparar a morosidade do feito, bem como não se vislumbra nos autos qualquer informação que pudesse atribuir exclusivamente à defesa o motivo do atraso, afigura-se flagrante o constrangimento ilegal contra a paciente, diante da violação ao princípio da tempestividade do processo ou da razoabilidade dos prazos processuais.
3.A Emenda Constitucional nº 45/2004 inseriu o princípio da razoável duração do processo dentro das garantias fundamentais asseguradas a cada indivíduo, insculpido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988.
4.Ordem concedida para relaxar, em razão do excesso de prazo na formação da culpa, a prisão cautelar da paciente, salvo se por outro motivo não estiver presa (HC nº 77.406-SP, rel. Min. Laurita Vaz).

Assim, como era de rigor o relaxamento da prisão em flagrante do ora recorrido, em razão do excesso de prazo na formação da culpa, nego provimento ao recurso.

EX POSITIS, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, consoante enunciado.

Participaram do julgamento a Senhora Desembargadora Maria José de Toledo Marcondes Teixeira e o Senhor Juiz de Direito Substituto em Segundo Grau Convocado Rogério Etzel.

Curitiba,19 de fevereiro de 2009.



DES. LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO
Presidente e Relator.