A Justiça mineira é a que concede o maior número de penas alternativas à prisão em todo o Brasil. Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que de cada dez execuções penais no Estado, apenas uma é de restrição à liberdade. As restantes são punições previstas em lei que não determinam o encarceramento, como trabalho comunitário e pagamento de fiança.
Os dados referem-se a 2015, quando foram aplicadas 43.904 penas alternativas e 5.180 de prisão (veja infografia).
O levantamento do CNJ consta em estudo divulgado na última semana pelo órgão e, em meio ao caos no sistema prisional brasileiro, vislumbram para um possível rumo na redução da superlotação das penitenciárias. Em Minas, conforme o Conselho de Criminologia e Política Criminal de Minas Gerais, há 69.765 pessoas cumprindo alguma medida restritiva de liberdade, atualmente. Dessas, 1.500 utilizam tornozeleiras eletrônicas.
“As alternativas à prisão são extremamente importantes não só para ter um melhor equilíbrio do sistema prisional, mas também para diminuir a estigmatização em relação aos presos. A principal vantagem é punir a pessoa sem tirar o vínculo com a sociedade. Lembrando que não são para todos os crimes, nem para todos os criminosos” (Warley Belo, advogado criminalista que atua na área há 20 anos)
Restritas
De acordo com o juiz auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Thiago Colnago Cabral, as penas restritivas começaram a ser aplicadas em 1994 e foram revistas quatro anos depois. “Durante muito tempo, as hipóteses de penas alternativas eram muito restritas. Elas vêm aumentando, seja por modificação de leis, seja porque mudou a interpretação. Há um tempo, o Supremo Tribunal Federal (STF) deliberou pena alternativa no tráfico de drogas, o que alcança boa parte dos casos no país, que abrangem o traficante primário”, explica.
Colnago argumenta que a aplicação de penas alternativas à prisão não é uma escolha do magistrado. “Essa é uma realidade que facilita muitas coisas. Não temos a opção de aplicar ou não a pena alternativa. Quando a lei prevê que cabe, o juiz tem a obrigação de autorizar. Quando a lei não permite, mesmo que o juiz entenda que é viável, não tenho como aplicar”, explica.
Para o magistrado, Minas Gerais está na liderança na adoção de penas alternativas porque a maioria dos juízes está acompanhando o entendimento do STF e, ao mesmo tempo, porque o volume de execuções penais relacionadas ao tráfico de drogas é muito grande.
Benefício
Atuante na área criminalista há duas décadas, o advogado Warley Belo explica que pessoas condenadas a penas de até quatro anos podem ser beneficiadas com as medidas alternativas. Porém, dentre outros pré-requisitos, o crime não pode ter sido praticado com violência.
“Ou seja, abrange casos em que não há a necessidade de a pessoa ir presa, porque a prisão é para pessoas perigosas, que colocam em risco a vida, o patrimônio de terceiros”, comenta.
Serviço comunitário ajudou a ressocializar condenado por tráfico
Quase sete anos depois de ter sido preso por tráfico de drogas, Josemar*, de 26 anos, recebeu na última semana uma boa notícia. Em uma decisão judicial, os últimos seis meses de pena que o jovem teria que cumprir serão perdoados pela Justiça.
Em 2010, Josemar foi flagrado com drogas. Segundo ele, o entorpecente seria revendido. O rapaz não revela qual tipo nem a quantidade apreendida, mas afirma que foi grande o sofrimento nesse período, causado pelo que ele classifica como ‘vacilo’.
Antes de ser condenado a um ano e 11 meses de prestação de serviços à comunidade, Josemar passou seis meses em duas penitenciárias em cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). “Tive tempo para pensar na vida. Muitos amigos já morreram, e não quero o mesmo destino. Não vou voltar a fazer nada de errado. Tive a chance de cumprir a pena em liberdade, mas conheço muita gente que está presa”, diz.
Recomeço
Agarrado às preces a Nossa Senhora da Conceição, a Nossa Senhora Aparecida e a Deus, ele revela que agora pretende voltar a estudar, já que saiu da escola no primeiro ano do ensino médio. 
Aliás, a entrada dele no mundo do tráfico e o abandono das salas de aula estão intrinsecamente conectados. Em 2006, em uma ‘guerra’ entre gangues no morro onde morava, Josemar quase foi baleado na porta da escola.
Depois desse episódio, ele não voltou a estudar e passou a seguir uma vida criminosa. “A sorte é que eu estava no fim do ano e consegui passar. Mas agora quero ir para a faculdade, estudar direito”, revela.
Durante o cumprimento da pena, Josemar trabalhou como voluntário em algumas instituições, mas houve interrupções e alguns conflitos.
Com o apoio da família, mesmo com os altos e baixos, a possibilidade de manter-se fora das penitenciárias proporcionou ao jovem uma nova trajetória. Ao mesmo tempo, ele conseguiu manter vínculos afetivos com a esposa e cuida do filho com carinho.
Para ganhar dinheiro, o rapaz trabalha na área de serviços alimentícios.
(*Nome fictício a pedido do entrevistado)
 
Cumprimento de medidas é acompanhado pelo Estado
Nos últimos 14 anos, o Programa Central de Acompanhamento de Alternativas Penas (Ceapa), desenvolvido pelo governo do Estado, acompanhou 108.873 casos em Minas Gerais, entre prestação de serviço à comunidade, pena pecuniária e projetos de execução penal.
Dos casos acompanhados pelo Ceapa no ano passado, 45% estavam relacionados à prestação de serviços à comunidade. Esse trabalho é feito pelos infratores em órgãos públicos e instituições do terceiro setor privadas e sem fins lucrativos.
Eles podem desenvolver atividades diversas, como aulas e oficinas, em escolas ou associações de bairro, em creches e asilos, além de serviços gerais, limpeza e cozinha nas instituições parceiras em geral.
Em segundo lugar, com 35% dos acompanhamentos em 2016, aparecem os projetos de execução penal. Essa modalidade é uma forma de responsabilizar penalmente o réu, relacionando a atividade ao tipo de delito cometido.
Se o crime for de tráfico de drogas, por exemplo, a pena alternativa pode ser a realização de oficinas e grupos ligados à essa área, buscando uma reflexão sobre comportamentos de risco e mudanças atitudes.
O Ceapa conta com 13 centrais em Minas Gerais; BH, Contagem, Ipatinga e Valadares são algumas das cidades assistidas pelo programa
O programa
O Ceapa conta com uma rede parceira de 2.741 instituições, que apoiam o desenvolvimento de ações e projetos, acolhimento dos usuários para a prestação de serviços à comunidade e também no atendimento às demandas de proteção social. 
As 13 centrais do programa estão localizadas em Araguari, Belo Horizonte, Vespasiano, Contagem, Betim, Santa Luzia, Ribeirão das Neves, Ipatinga, Governador Valadares, Montes Claros, Uberaba, Uberlândia e Juiz de Fora.