terça-feira, 10 de outubro de 2017

Warley Belo é entrevistado pelo Jornal O Tempo

Tema são as réplicas de armas 

PERIGO

Violência mesmo com réplicas

Vítimas relatam trauma após episódios em que foram vítimas de crimes praticados com armas falsas


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Livre. Reportagem visitou quatro lojas especializadas e constatou venda de réplicas e de armas de pressão sem restrição para compra
PUBLICADO EM 09/10/17 - 03h00
Réplica, arma de pressão... Quem, diante de um criminoso e do que parece ser uma pistola, vai pagar para ver? A reportagem ouviu vítimas de bandidos que usaram armas falsas. Elas relataram que, mesmo quando perceberam isso, resolveram não pagar para ver e colocar a vida em risco. Há casos também de vítimas que se sentiram fora de perigo quando notaram que a arma era falsa e, mesmo assim, ficaram feridas, no caso das armas de pressão.
A economista Janaína Cordeiro, 26, lembra ter sido uma das vítimas em um assalto a ônibus. O ladrão chegou a atirar contra os olhos de um passageiro que estava perto dela.
“Eu estava passando pela praça Sete, e o ladrão entrou amedrontando todo mundo. Percebi que era uma réplica por causa da ponta laranja e fiquei mais tranquila. De repente, um homem disse que não ia entregar nada porque a arma era de brinquedo, e o cara atirou no olho dele com uma bolinha que parecia chumbinho. O olho dele começou a sangrar, e eu acho que ele deve ter ficado cego”, conta.

O sommelier Ricardo Teixeira da Cruz, 31, teve uma experiência parecida com a de Janaína, mas viveu as consequências na própria pele. “Eu estava no meu carro quando um moleque passou vendendo bala e tirou a arma do bolso. Eu nem pensei duas vezes e já fui logo entregando celular, porque com essas coisas a gente não brinca. Mas, mesmo assim, ele atirou umas três vezes contra meu rosto, pegando na minha bochecha. Eu perdi um dente, além do trauma que ainda não passou”, relata.
Mais violência. O eletricista Leonardo Fagundes, 35, pratica tiro esportivo com armas de airsoft e viu um amigo, também praticante, usar o produto em uma briga e causar ferimentos sérios na vítima.
“Paramos em uma lanchonete depois da prática, e um amigo acabou se desentendendo com outro cliente. Foi tudo muito rápido. Ele perdeu a cabeça, foi lá no carro, pegou a arma e começou a atirar contra o cara. Ali eu entendi que, de fato, é um perigo andar com isso, mesmo que pareça inofensivo. É do clube de tiro para casa, e pronto”, diz o eletricista.
Trauma. A advogada criminalista e conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) Virgínia Afonso acredita que a lei falha ao não criminalizar o porte de réplicas e de armas de pressão, as airsofts.
“Há uma falha na lei, porque a vítima não consegue identificar se está diante de uma réplica ou não durante o crime, e ela acaba sofrendo uma pressão psicológica como se ela tivesse de frente para uma arma real”, defende. Para ela, o Estatuto do Desarmamento é importante, mas também omisso ao permitir o uso dessas armas “falsas”.

 

Vendedor ensina a comprar arma real

Após comprar uma arma de pressão pelo WhatsApp, a reportagem de O TEMPOcontinuou a conversa com o vendedor e questionou se ele teria uma arma de fogo para vender. “Cara, vou te falar o que acontece. Ninguém vai te vender uma arma de fogo pessoalmente, você só vai conseguir comprar isso pela internet”, sugeriu.
O homem disse que tem medo de comercializar esse tipo de armamento, mas deu dicas para a compra pela internet. “Você pede para o cara te mandar e fala que você vai fazer o pagamento via (...), aí, se o cara não te enviar a arma, você pode (....), tá entendendo? Não tem mistério nenhum”, explicou calmamente em um áudio gravado pelo aplicativo. Trechos da fala do vendedor foram suprimidos por motivos de segurança.
O homem também chegou a sugerir uma réplica comercializada só nos Estados Unidos. “É uma réplica duma pistola americana, tá? É um (...), réplica duma (...), só vendida nos Estados Unidos. É um revólver 100% metal e é muito pesado, de um quilo pra cima. O tiro é dez vezes mais forte que a pistola que eu te vendi, tem capacidade para derrubar um cavalo, e, como ele não é de fogo, se você for pego com ele na rua, não vai pra cadeia. É só você pintar a (...), uma coisa bem delicada”, completou o homem, com dicas de como despistar a polícia.
Entendendo que a intenção era utilizar a pistola em roubos, o homem enfatizou: “Se ela derruba um cavalo, com certeza tem potencial para machucar um ser humano”, concluiu o negociador de armas.

 

Advogados divergem sobre legislação

A reportagem de O TEMPO ouviu dois advogados criminalistas sobre o comércio de réplicas e de armas de pressão. De acordo com Virgínia Afonso, conselheira da OAB-MG, o Estatuto do Desarmamento gera uma descriminalização das armas falsas. “O porte da réplica de arma ou da arma de brinquedo ou similar não é crime, embora continue sendo crime fabricar e comercializar. A lei trouxe uma série de benefícios, mas, nesse sentido, ela é omissa”, analisa.
Já o criminalista Warley Belo, do Instituto de Ciências Penais, acredita que o problema não passa pela legislação. “A lei não resolve. Os deputados querem voto, e a população acha que aumentar pena vai resolver. O problema é social, econômico, de educação, de fiscalização de fronteira. Se lei valesse, a de crimes hediondos teria diminuído os casos, e só fez aumentar”, diz.
Ainda segundo ele, aumentar a pena para quem vende simulacro é tapar o sol com a peneira, porque essas pessoas não são detidas com facilidade.
Orientação
Doação. Seguindo orientação da Polícia Militar (PM), a reportagem de O TEMPO vai procurar um centro de prática de tiro esportivo para doar formalmente a arma de airsoft adquirida.