Se está confortável em defender sua pauta política, você não é mais o oprimido. Você integra o sistema.
Warley Belo
Advogado
Criminalista
Mestre em Ciências
Penais / UFMG
Presidente da
OAB/MG – Subseção Venda Nova
Resumo:
O tema liberdade de expressão é abordado, destacando a necessidade de
estabelecer critérios objetivos. Analisa-se fatores questionando o
"politicamente correto" como hermenêutica subjetivista criminal,
independente do caráter polêmico das palavras. Examina-se o discurso de ódio
nas redes sociais, defendendo a importância de combater ideias com ideias e
discutindo parâmetros doutrinários e jurisprudenciais acerca da tipicidade dos
crimes contra a honra e da injúria racial. Alerta-se sobre a liquidez do
"politicamente correto" e o chilling
effect. Conclui-se que a liberdade de expressão não é absoluta e deve ser
exercida dentro de limites, mas esses limites devem ser objetivos, como a não
incitação direta à violência e crimes contra a honra.
Palavras-chave:
Liberdade de Expressão; Limites; Crime; Politicamente Correto; Discurso de
Ódio; Redes Sociais; Crimes contra a Honra; Contexto Jurídico; Tolerância;
Teoria do Dano Iminente; Injúria; Injúria racial.
Introdução
Explorar o tema da "liberdade de expressão"
é desafiador, pois além de sua complexidade, há um observado componente político onde vozes em conflito
buscam silenciar os seus oponentes, gerando equívocos, abusos e confusões.
Desde o início, pois torna-se crucial uma advertência: a defesa da liberdade de expressão não implica, necessariamente, apoio
ao conteúdo específico do discurso em foco. Por exemplo, respaldar a
"marcha da maconha" não pressupõe a militância na legalização da
maconha. A promoção da liberdade de manifestação alheia é, assim, uma causa
totalmente independente do objeto da manifestação.
No âmbito jurídico, a atuação de um advogado ao defender alguém que tenha cometido um crime
proferindo, por exemplo, ofensas, não o torna automaticamente cúmplice ou
concordante com o teor dessas palavras. Infelizmente, essa observação se
torna necessária diante do limitado cenário cultural.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso IV, assegura o pleno
direito à liberdade de expressão, destacando a proibição do anonimato.
Paralelamente e no mesmo sentido, o Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 13, estabelece a liberdade de
expressão e pensamento. Contudo, esse direito também tem seus limites, não se trata de um direito
absoluto. Quais seriam os limites para se expressar e defender ideias?
Politicamente correto
A liberdade de expressão defende a crítica
e a discordância independente das palavras serem polêmicas, nojentas, politicamente incorretas, desagradáveis,
atrevidas, chocantes ou insuportáveis porque – senão – não haveria a
necessidade do princípio e nem se desenvolveria
a sociedade. Ideias que ontem eram
reprovadas, mudaram exatamente por causa da liberdade de expressão[1].
Ideias para reformular os valores sociais possuem enorme dificuldade de
surgirem sem a liberdade de expressão porque via de regra são “politicamente incorretas” em algum grau de
ingerência com o establishment. O
tempo é outro e o “politicamente incorreto” também. Por isso, passeatas hoje defendendo o aborto e a
legalização da maconha[2]
– por exemplo - são consideradas legais pela liberdade de expressão mesmo o
objeto sendo crime. O grande
problema ocorre a partir do instante em que as pessoas aprovam a liberdade
de manifestação para as suas pautas
políticas, mas reprimem o direito de manifestações de pautas contrárias às
suas (viés de grupo)[3].
A distópica
ficção 1984 de George Orwell[4]
é exemplo preciso quando da atuação do “Ministério da Verdade”, órgão responsável
por tudo o que era publicado, seguindo a lógica de que o partido representava o
bem. Quando alguém questionava as “verdades” do partido, era processado por “crimideia”, ou seja, o crime de ideia. A
“Polícia do Pensamento” deveria
reprimir o indivíduo que ousou pensar fora do que lhe era permitido pelo Grande
Irmão. Relembre-se que o Estado chegou ao absurdo de pretender controlar os sentimentos das pessoas
tendo torturado os protagonistas até a final confissão recíproca de
relacionamento amoroso.
Outro
grave problema
do “politicamente correto do momento” imposto é o que os americanos chamam de chilling
effect ("efeito inibidor" ou "efeito amedrontador")
que seria algo como a autocensura de falar o que se pensa por medo de ser processado[5]. Isso limita a democracia que é feita de embates e discussões constantes.
Você só permite uma parte falar, a outra
é silenciada.
Assim, a ideia central do tema é a de que o combate a ideias deve ser com
ideias e não com a censura, com indenização e/ou prisão.
A
liberdade de expressão, como qualquer outro direito - exceto a proibição da
tortura e da escravidão - não é e nem pode ser um direito absoluto, devendo ser
exercido dentro de certos limites. Os limites da liberdade de expressão estariam
em dois pilares: a) num aspecto pessoal – na agressão à honra ou à dignidade da
pessoa e b) no aspecto coletivo – na incitação direta à violência.
Discurso de ódio nas redes sociais
Não se deve condenar todos os pensamentos
“politicamente incorretos” nas redes sociais. Todavia, não é assim que parece
caminhar a sociedade. O discurso é cada
vez mais punitivista[6]
e expansivo do Direito Penal[7].
Mas, antes de criar novos crimes e aumentar as penas dos crimes – novamente -
devemos ser racionais, evitar excessos e garantir a liberdade. Restrições excessivas podem prejudicar o
livre fluxo de informações e a diversidade de opiniões comprometendo a democracia.
Portanto, é preciso ter cuidado com as
generalizações, a despeito de algumas ideias
serem moral e socialmente reprováveis para alguns, como por exemplo o aborto,
não se pode afastar a liberdade de
expressão por razões extrajurídicas fundadas exclusivamente na moralidade. É
clara a importância de reconhecer a influência dos valores éticos e morais na criação e interpretação da lei, assunto
esse de longa discussão na filosofia do
direito (onde se destacam Kelsen[8]
e Jellineck[9],
mas aqui não vem ao caso). O desafio prático está em equilibrar o respeito à
liberdade de expressão com a proteção contra discursos que possam incitar danos
imediatos ou violar direitos fundamentais.
Nesse contexto, o combate a qualquer discurso (de ódio ou não) deve ser antecipado com
o bom discurso, com a criação de um ambiente hostil às ideias perniciosas.
É para essas opiniões e manifestações polêmicas, desagradáveis, ofensivas que o
princípio se torna importante. Para o discurso “politicamente correto” não há
nenhuma necessidade de se defender a liberdade de expressão. Quem está
confortável em defender sua pauta política, não é mais o oprimido. Se a
liberdade de expressão tem alguma valia é exatamente no ponto de ultrapassar e provocar as convicções
estabelecidas como verdade, mesmo que traga desconforto ou repugnância. Desse
mote, o discurso de ódio que merece proibição é aquele que incita diretamente à violência social ou viola
direitos individuais, indo além da simples expectativa moral. Em situações
outras, é infinitamente melhor engendrar uma contra-argumentação. Do contrário,
a sanção terá um caráter moral, subjetivo e isso significa insegurança jurídica.
Portanto, na prática, se alguém expressar a opinião de “odeio os Caios, e o mundo seria melhor sem eles”, embora seja uma
opinião ofensiva, é lícita dentro do escopo da teoria do dano iminente,
conforme analisaremos. Trata-se apenas de uma opinião. No entanto, se alguém incitar à violência, como na
declaração "vamos matar os
Caios", essa verbalização seria proibida, representando uma restrição
legítima ao direito de expressão.
Honra pessoal
A legislação brasileira prevê punições para crimes contra a honra, como
calúnia, difamação e injúria, no Código Penal, além da Lei dos Crimes Raciais
(Lei 7.716/1989) que estabelece penalidades para atos resultantes de
preconceito de raça ou cor, tudo com base constitucional (artigo 5º., XLI,
XLII, CF).
A Lei
nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, modificou
a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), passando a
vigorar a injúria racial como crime de
racismo[10].
Com isso, a pena tornou-se mais severa com reclusão de dois a cinco anos, além
de multa, não cabe mais fiança e o crime é imprescritível. Essa mesma novatio legis incluiu na injúria o
chamado “racismo recreativo”[11].
O racismo é limitar o direito, qualquer
atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause
constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida[12].
Quem dirigir a terceiro palavras ofensivas
referentes à religião ou à condição de pessoa idosa ou com deficiência
responderá por injúria qualificada (art. 140, § 3º, CP), cuja pena é de
reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Também os Estatutos da Igualdade Racial
(Lei 12.288/2010) e da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015) complementam a
legislação ao protegerem grupos minoritários contra manifestações discriminatórias confundidas erroneamente com liberdade
de expressão.
Essas limitações à chamada liberdade de
expressão existem se a intenção da pessoa não
é expor uma ideia, mas agredir a honra de outra. O dolo, como dizemos, é atingir a honra da pessoa, não é de corrigir, de brincar, de criticar ou de
chamar atenção. O elemento subjetivo é sempre determinante. A intenção de
prejudicar conscientemente a reputação de alguém não se confunde meras críticas
ou opiniões legítimas, como a crítica de um patrão sobre o trabalho do
empregado ou do jornalista sobre um livro lançado. Precisa observar o propósito do emissor[13].
Da
mesma forma, quando há discussão acalorada nos grupos de whatsapp ou facebook há
ausência desse dolo
porque exige-se a intenção dolosa de ofender a honra alheia, consubstanciada,
respectivamente, no animus caluniandi, diffamandi
e injuriandi, o qual não resta evidenciado quando proferidas no momento de
discussão porque sem controle dirigido à honra alheia. A intenção é de
desabafar, de vencer a contenda, de extravasar a raiva[14].
O objetivo de quem profere tais
impropérios é de colocar a raiva para
fora, exteriorizar um descontentamento. Há uma finalidade de “ganhar” a
discussão, fazer “paralisar” o outro no que faz, de se sentir superior...
mas nunca de “querer” manchar a honra alheia. É um fato limitado, de momento,
de objetivo interno na contenda e não externos objetivos fora daquela discussão
pontual. Há remansosa doutrina[15] e jurisprudência[16]
nesse sentido.
É essencial, pois, compreender o contexto[17] e não se restringir ao
seu conteúdo abstrato ou a uma análise meramente semântico-formal.
Encontrar um equilíbrio entre proteger a reputação, definir o que é crime,
permitir críticas legítimas e combater o racismo é desafiador como se observa.
No contexto geral
A princípio, não existe um direito amplo,
abstrato, genérico de não ser ofendido por uma opinião abstrata ou uma
manifestação genérica de pensamento. Palavras
atingem o ego, indignam, opiniões desagradam e provocam sentimentos de repulsa
e senso de errado. Mas essa reação psicológica, por si só, não constitui
justificativa para a restrição da liberdade de expressão.
O limite do que pode ou não ser expresso
num contexto público possui duas teorias. A) Teoria da Tendência Negativa: A restrição à liberdade de expressão é
justificada quando há uma tendência clara de que o discurso levará a consequências prejudiciais no
futuro. Antecipa o potencial de violência ou dano decorrente do discurso e
proíbe-o como medida preventiva, visando evitar danos. B) Teoria do Dano Iminente: A
proibição do discurso é justificada apenas quando há uma ameaça imediata e concreta de violência que não pode ser evitada
por meio do contraponto de discursos. Centra-se na iminência do dano, exigindo
que a ameaça de violência seja imediata e não passível de ser neutralizada por
meio da expressão de pontos de vista contrários.
Essas teorias delineiam perspectivas
distintas sobre quando e como a restrição à liberdade de expressão pode ser
justificada em nome da prevenção de danos à sociedade. A ideologia punitivista,
expansiva do Direito Penal defende a
teoria da tendência negativa.
Há uma diferença entre “eu acho que é preciso matar todos os Mévios” e “vamos matar os Mévios
agora”. No primeiro caso, é uma ideia abstrata, no segundo, concreta.
Acreditamos que se o dano não é iminente, o discurso deve ser combatido com discurso, educação, orientação, criação de
ambiente hostil à ideia, debate e não com punição estatal (civil ou
criminal). De outra forma, qualquer discurso
pode ser facilmente conectado a um dano futuro imaginário. O que se defende é
um limite claro à liberdade de expressão que seria a iminência da violência,
portanto, somos pela teoria do dano iminente.
Como se observa, encontrar o equilíbrio certo entre a proteção da
liberdade de expressão e a prevenção de danos é também um desafio contínuo nas
sociedades democráticas, mas é o preço que se paga para se ter a liberdade de
expressar seus pensamentos sem a repressão estatal.
Conclusão
Não há dúvidas que o tema liberdade de
expressão é uma questão muito polêmica, difícil
e longe de consenso numa sociedade tão polarizada como a brasileira onde um
grupo quer silenciar o outro e se acha totalmente com a razão moral. Mas, sem uma legislação explícita sobre os limites do
que é ou não aceitável, cai-se no perigoso terreno da interpretação subjetivista.
O rigor da lei deveria, assim, ser
dirigido de forma mais objetiva ao discurso
de ódio extremo[18],
entendendo-se por aquele que incita diretamente à violência ou à lesão individualizada
de alguém. Não podemos cair na
falácia de criminalizar o discurso politicamente incorreto aos preceitos líquidos[19]
de hoje, mesmo que seja um discurso desagradável ou inapropriado.
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Artigos
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DEL
ROSAL BLASCO, Bernardo. "¿Hacia el Derecho Penal de la
postmodernidad?" Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología (en
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[1] Exemplos: 1. Casamento entre pessoas do mesmo sexo;
2. Direito de voto das mulheres; 3. Despenalização da homossexualidade; 4.
Lei da Ficha Limpa; 5. Direitos dos trabalhadores; 6. Proteção ambiental; 7.
Direitos dos consumidores; 8. Leis antirracismo; 9. Leis de combate à
discriminação de gênero; 10. Leis de proteção à infância e adolescência; 11. Descriminalização do jogo de capoeira.
[2] ADPF 187 - Marcha
da Maconha.
[3] Como se
expressa Maultasch: “É fácil tolerar a censura quando ela atinge
os nossos adversários, ou quando atinge pessoas que tenham opiniões claramente
vis e repugnantes; o problema é que isso não apenas cria precedentes, como
nos acostuma com o papel do Estado censor, com o papel da burocracia definir o
que pode e não pode ser dito; e é assim que, aos poucos, cada vez mais setores
da sociedade passam a aprovar, ou pelo menos a aceitar resignadamente, a
intromissão do Estado na liberdade de expressão.” (Maultasch, Gustavo. Contra
toda censura. São Paulo: Avis Rara, 2022, p. 21)
[4] Orwell, George. 1984.
Tradução: Wilson Velloso, 27ª. ed., São Paulo: Companhia Editora Nacional,
2002.
[5] GLASSNER, Barry. The culture of fear. New York: Basic
Books, 2009.
[6] DEL ROSAL BLASCO,
Bernardo. ¿Hacia el Derecho penal de la
postmodernidad? Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología (en
línea). 2009, núm. 11-08.
[7] SILVA SANCHEZ,
Jesús-María. La expansión del derecho
penal: aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales.
2.ed. Madrid: Civitas, 2001.
[8] KELSEN, Hans.
Teoria pura do direito. Trad. J. Baptista Machado. 6. ed. Coimbra: Armênio
Amado, 1984.
[9] JELLINECK, Georg.
Teoría general del Estado. Trad. Fernando de los Rios. Buenos Aires: Albatrós,
1954.
[10] Art. 2º-A Injuriar
alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou
procedência nacional.
[11] MOREIRA, Adilson. Racismo recreativo. São Paulo: Sueli
Carneiro; Pólen, 2019.
[12] Está descrito no
artigo seguinte: Art. 20, Lei 7.716/89. Praticar, induzir ou incitar a
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa.
[13] Colecionamos um
caso que não foi considerado racismo mesmo com palavras abstratamente assim
consideradas: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DO ART. 20, § 2º, DA
LEI 7.716/89. TIPO PENAL QUE EXIGE A PRESENÇA DE DOLO ESPECÍFICO. CONCLUSÃO DAS
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS PELA AUSÊNCIA DE ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO.
NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA -
STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Para configuração do delito previsto no
art. 20 da Lei Federal n. 7.716/89 exige-se, além do dolo, o elemento subjetivo
específico consistente na vontade de discriminar a vítima. 2. As instâncias
ordinárias, após minucioso exame do conjunto fático-probatório contido nos
autos, concluiu que não restou demonstrado o dolo específico na conduta da
agravada. Para desconstituir o aludido entendimento, seria necessário o reexame
de provas, incidindo o óbice contido na Súmula n. 7/STJ. 3. Agravo regimental
desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 1817240 RS 2019/0160866-3, Relator: Ministro JOEL
ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 24/09/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de
Publicação: DJe 27/09/2019)
[14] É nesse sentido
que deve-se interpretar a passagem legal que, embora dirigida à injúria,
pode-se trabalhar o raciocínio para outros casos: “Artigo 140, § 1º, CP - O
juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável,
provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista
em outra injúria. (...) Art. 142, CP - Não constituem injúria ou difamação punível:
I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu
procurador; II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou
científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; III - o
conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou
informação que preste no cumprimento de dever do ofício.” Assim, em um caso que
colecionamos, foi considerado atípica a situação de frases como: "vai se fu... macaca"; "(...)
vai acabar acordando com a boca cheia de formiga"; "(...) sua vaca
que eu te procuro e não respondo por mim"; "Opa demorou nois acha
essa puta e bota p quebrar" (TJSP. Ação Penal - Procedimento Ordinário.
Injúria. 0012587-08.2016.8.26.0224. 5ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São
Paulo). Essas palavras foram ditas em momento de discussão acalorada o que
desconfigurou o propósito de coibição da lei.
[15] Consoante ensina a
doutrina de Guilherme de Souza Nucci: "Injúria proferida no calor da
discussão: não é crime, pois ausente estará o elemento subjetivo específico,
que é a especial vontade de magoar e ofender. Em discussões acaloradas, é comum
que os participantes profiram injúrias a esmo, sem controle, e com a intenção
de desabafar. Arrependem-se do que foi dito, tão logo se acalmam, o que está a
evidenciar a falta de intenção de ofender." (Código Penal Comentado
", 17a edição, Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág. 856). No mesmo sentido,
os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt: "Além do dolo, faz-se
necessário o elemento subjetivo especial do tipo, representado pelo especial
fim de injuriar, de denegrir, de macular, de atingir a honra do ofendido.
Simples referência a adjetivos depreciativos, a utilização de palavras que
encerram conceitos negativos, por si sós, são insuficientes para caracterizar o
crime de injúria. Assim, a testemunha que depõe não prática injúria, a menos
que seja visível a intenção de ofender. Em acalorada discussão, por falta do
elemento subjetivo, não há injúria quando as ofensas são produto de incontinência
verbal" (Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, 2: parte
especial: dos crimes contra a pessoa. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.
364). Registre-se, ainda, as lições de Julio Fabrini Mirabete: "[...] O
dolo na injúria, ou seja, a vontade e praticar a conduta, deve vir informado no
elemento subjetivo do tipo, ou seja, do animus
infamandi ou injuriandi,
conhecido pelos clássicos como dolo específico. Inexiste ela nos demais animii (jocandi, criticandi, narrandi
etc.) (itens 138.3 e 139.3). Tem-se decidido pela inexistência do elemento
subjetivo nas expressões proferidas no calor de uma discussão, no depoimento
como testemunha etc.[...]" (Mirabete, Julio Fabrini. Código Penal
Interpretado. 6. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 1.123).
[16] Penal e processual
penal. Injúria racial. Absolvição. Recurso do Ministério Público. Animus injuriandi. Insuficiência de
provas. Absolvição. Sentença mantida. 1) para a caracterização do crime de
injúria racial, além do dolo de injuriar e ofender a honra subjetiva do
ofendido, necessária a presença do elemento subjetivo específico de discriminar
o ofendido em razão de sua raça, cor, etnia ou origem. 2) consoante
jurisprudência reiterada desta corte, a injúria proferida no calor das
discussões, não caracteriza o crime tipificado no § 3º do art. 140 do código
penal. Ausente o animus injuriandi,
em razão da cor, a manutenção da sentença absolutória é medida imperiosa. 3)
recurso conhecido e não provido. (TJ-DF - APR: 20130110461210 DF
0012365-63.2013.8.07.0001, Relator: HUMBERTO ADJUTO ULHÔA, Data de Julgamento:
08/05/2014, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE :
13/05/2014 . Pág.: 260). No mesmo sentido: "APELAÇÃO. CRIMES CONTRA A
HONRA. INJÚRIA RACIAL. FATO OCORRIDO EM MEIO A CONTENÇÃO DE BRIGA GENERALIZADA.
DÚVIDA QUANTO À OFENSA E AO DOLO ESPECÍFICO. O juízo condenatório por crime de
injúria racial pressupõe a demonstração inequívoca do dolo de ofender por
motivos relacionados a questões raciais ou de etnia. Demonstrado, no caso
concreto, de maneira induvidosa, a ocorrência de uma contenção de briga
generalizada entre pessoas embriagadas, resta fragilizada a hipótese acusatória
quanto ao elemento subjetivo do tipo penal. Nestas circunstâncias, é sabido que
os envolvidos tendem a exceder-se, o que acaba por mitigar a voluntariedade que
se exige para a configuração dos crimes contra a honra, pois afetada a
consciência, afetado fica também o dolo, enquanto elemento subjetivo do tipo
penal. Dúvida fundada quanto à existência das ofensas e quanto ao elemento
subjetivo do tipo penal que se resolve em favor do acusado. Absolvição
confirmada. APELO DESPROVIDO". (Apelação Criminal, nº 70083203695,
Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Miguel
Achutti Blattes, Julgado em: 26-06-2020);
[17] Para ilustrar, em
um exemplo exagerado, no jogo de Truco, é comum que os jogadores se expressem
injuriando, caluniando uns aos outros, mas isso não pode ser considerado um
crime devido ao contexto lúdico. O Direito não é uma ciência exata e precisa da
hermenêutica jurídica. Observe-se também que pessoas públicas devem ter uma
tolerância maior ao risco de difamação porque estão sujeitas a um escrutínio
mais intenso devido a sua exposição na esfera pública. Também se deve ficar
atento nas redes sociais com o troll
que não se confunde com o hate. O troll é aquele que provoca, posta
mensagem inflamatória, fora de contexto com a intenção de provocar respostas
emocionais e fazer a acusação. Normalmente são personagens fake. É o provocador de discussão que aproveita-se do desequilíbrio
emocional do outro para então acusá-lo com as próprias palavras.
[18] ANDRADE, André.
Liberdade de Expressão em Tempos de Cólera. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2020.
[19] Bauman, Zygmunt.
Modernidade Líquida. Rio de Janeiro, Zahar, 2001.