Criminalista,
férias forenses suspende ou prorroga o prazo? E o recesso judicial?
Explicamos
o novo artigo 798-A do CPP.
Warley
Belo
Advogado Criminalista
Presidente da OAB/MG – Subseção Venda Nova
Mestre em Ciências Penais / UFMG
Warleybelo@oabmg.adv.org.br
1.
Introdução; 2. Advogado criminalista não tinha férias; 3. Férias Forenses e
Recesso Judicial; 4. Novas Regras da Lei 14.365/22: ordinária e excepcional; 5.
Conclusão
#férias
#fériasforenses #recessojudicial #prazoprocessualpenal #prazo #798-A #CPP
#advocaciacriminal
1.
Introdução
Neste artigo, debatemos a inovação
trazida pela lei 10.365/22 que introduziu o conceito de férias forenses para o
processo penal.
Até então, o advogado
criminalista não podia gozar de férias, pois nem mesmo as resoluções do CNJ e
portarias dos tribunais traziam segurança na interpretação prática das
disposições.
Ainda teremos muitas
interpretações sobre as consequências das férias e recesso, suspensão e
prorrogação, regra e exceção nesta novíssima matéria que buscamos equalizar da
maneira mais simples o nosso entendimento.
Mas, na prática, se o prazo
abrir no dia 19/12? Suspende, interrompe ou se prorroga? O dia útil subsequente
seria o dia 07/01 ou no dia 21/01 ou recomeçaria a contagem de onde parou?
2.
Advogado criminalista não tinha férias
Com
a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, os prazos processuais
passaram a ser suspensos de 20 de dezembro a 20 de janeiro:
Art.
220. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de
dezembro e 20 de janeiro, inclusive.
§ 1º
Ressalvadas as férias individuais e os feriados instituídos por lei, os juízes,
os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública
e os auxiliares da Justiça exercerão suas atribuições durante o período
previsto no caput.
§ 2º
Durante a suspensão do prazo, não se realizarão audiências nem sessões de
julgamento.
Tal
regra também é aplicada à Justiça do Trabalho (artigo 775-A).
Entretanto,
essas regras não alcançaram o processo penal em decorrência do princípio da
especialidade. Decidia-se assim:
HABEAS
CORPUS – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ÓBICE – INEXISITÊNCIA. (...) PRAZO – RECESSO
– INTERRUPÇÃO – SUSPENSÃO – AUSÊNCIA. Os prazos recursais, no processo penal,
são contínuos e peremptórios, não sofrendo suspensão ou interrupção em
decorrência do recesso judiciário, verificando-se a prorrogação da data de
vencimento para o dia útil subsequente. (...)
(STF -
150718, Relator: MIN. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 18/02/2020, Data de
Publicação: 09/03/2020)
PROCESSUAL
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE.
RECURSO ESPECIAL. PRAZO DE 15 DIAS CORRIDOS. RECESSO FORENSE. MERA PRORROGAÇÃO
DO PRAZO PARA O PRIMEIRO DIA ÚTIL SUBSEQUENTE A SEU TÉRMINO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O prazo para interposição de recurso especial em matéria penal é de 15 dias
corridos (CPC, art. 994, VI, c/c os arts. 1.003, § 5º, e 1.029; CPP, art. 798).
2. Os prazos processuais penais são contínuos e peremptórios, não se
interrompendo em razão de férias, domingo ou feriado (art. 798, caput e § 3º,
do CPP). 3. O efeito do recesso forense e das férias coletivas nos prazos
processuais penais é a mera prorrogação do vencimento para o primeiro dia útil
subsequente ao término, não havendo interrupção ou suspensão. 4. Agravo
regimental desprovido.
(AgRg
no AREsp 1708696/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em
24/11/2020, DJe 03/12/2020
Em
síntese, todos os benefícios de descanso, que o restante da advocacia gozava,
não se aplicavam aos penalistas por literal interpretação do artigo 798, CPP:
Art. 798.
Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se
interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.
Não
existia exceção legal no CPP e o advogado, por vezes, se escorava nos
regimentos internos e portarias para se socorrer.
No
RITJMG, desde 2014, por exemplo, há o § 8º do art. 313 da Lei Complementar
estadual nº 59, de 18 de janeiro de 2001:
§ 8° Ficam
suspensos os prazos processuais no período compreendido entre os dias 7 e 20 de
janeiro de cada ano, ocasião em que não haverá a realização de audiências,
exceto os casos urgentes, nem sessões de julgamento, sem prejuízo do
funcionamento normal dos órgãos do Poder Judiciário estadual. (Parágrafo
acrescentado pelo art. 103 da Lei Complementar nº 135, de 27/6/2014. Vide art.
112 da Lei Complementar nº 135, de 27/6/2014.)
Esses
regimentos e portarias, por sua vez, eram específicos de cada tribunal. Se o
TJMG aplicasse uma regra, por exemplo, não era certo que o TRF1 (à época)
aplicasse semelhante entendimento... Isso porque a Resolução nº 244 do Conselho
Nacional de Justiça, aprovada em 12 de setembro de 2016, determina, em seu
artigo 1º, que:
Os
Tribunais de Justiça dos Estados poderão suspender o expediente forense,
configurando o recesso judiciário no período de 20 de dezembro a 6 de janeiro,
garantindo atendimento aos casos urgentes, novos ou em curso, por meio de
sistema de plantões.
Assim,
a regra primeira para os criminalistas era a de que, em matéria processual
penal, os prazos não seriam interrompidos ou suspensos de nenhuma forma. Ou se
correria o risco de discutir a tempestividade recursal pelos tribunais à
fora... em síntese, o advogado criminalista não tinha como descansar se abrisse
prazo antes ou eventualmente durante o recesso ou nas férias forenses... A
regra para não perder prazo era sempre a de desconsiderar qualquer tipo de regimento
ou portaria.
Colecionamos
um caso provindo de Minas Gerais, de 2019, no qual o advogado considerou
suspenso o prazo dentro do recesso e teve seu recurso considerado intempestivo:
PROCESSO
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS
CORRIDOS. DEFENSORIA PÚBLICA. CONTAGEM EM DOBRO. RECESSO FORENSE. SUSPENSÃO DOS
PRAZOS ATÉ 20 DE JANEIRO. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 798 DO CPP. PRINCÍPIO DA
ESPECIALIDADE. INTEMPESTIVIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. No processo
penal, iniciado o prazo recursal, seu curso não se interrompe ou se suspende em
decorrência de feriado ou suspensão de expediente forense, exceto se coincidir
com o termo final, hipótese em que será prorrogado para o primeiro dia útil
seguinte.2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, não se aplica o
disposto no art. 220 do CPC, regulamentado pela Resolução CNJ n. 244, de
19/9/2016, nos feitos com tramitação perante a justiça criminal, ante a especialidade
das disposições previstas no art. 798, caput,
e § 3º, do CPP, motivo pelo qual não há falar em suspensão dos prazos entre os
dias 20 de dezembro a 20 de janeiro. 3. No caso, o recurso é manifestamente
intempestivo, porquanto interposto fora do prazo de 15 (quinze) dias corridos,
nos termos do art. 994, VI, c/c. o art. 1.003, § 5º, do CPC, bem como do art.
798 do CPP, contados em dobro, na forma do art. 128, inciso I, da Lei
Complementar Federal n. 80/1994.4. Agravo regimental não provido.
(STJ, AgRg
no REsp 1828089/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 01/10/2019, DJe 08/10/2019)
O
retrato da insegurança jurídica uma vez que o regimento interno e portarias não
especificavam quais casos urgentes ou excepcionavam os processos criminais,
estivessem ou não com réu preso...
Observe-se,
no ponto, o fundamento da decisão retro,
baseada na Resolução de nº 244 de 12/09/2016 do CNJ:
Art. 1º Os Tribunais de Justiça dos Estados poderão
suspender o expediente forense, configurando o recesso judiciário no período de
20 de dezembro a 6 de janeiro, garantindo atendimento aos casos urgentes, novos
ou em curso, por meio de sistema de plantões.
Parágrafo único. Os tribunais regulamentarão o
funcionamento de plantões judiciários, de modo a garantir o caráter
ininterrupto da atividade jurisdicional, com ampla divulgação e fiscalização
pelos canais competentes, observados os termos da Resolução CNJ 71, de 31 de
março de 2005.
Art. 2º O recesso judiciário importa em suspensão
não apenas do expediente forense, mas, igualmente, dos prazos processuais e da
publicação de acórdãos, sentenças e decisões, bem como da intimação de partes
ou de advogados, na primeira e segunda instâncias, exceto com relação às
medidas consideradas urgentes.
§ 1º O período equivalente ao recesso para os
órgãos do Poder Judiciário da União corresponde ao feriado previsto no inciso I
do art. 62 da Lei 5.010/66, devendo também ser observado o sistema de plantão.
§ 2º A suspensão prevista no caput não obsta a prática
de ato processual necessário à preservação de direitos e de natureza urgente.
Art. 3º Será suspensa a contagem dos prazos
processuais em todos os órgãos do Poder Judiciário, inclusive da União, entre
20 de dezembro a 20 de janeiro, período no qual não serão realizadas audiências
e sessões de julgamento, como previsto no art. 220 do Código de Processo Civil,
independentemente da fixação ou não do recesso judiciário previsto no artigo 1º
desta Resolução.
Parágrafo único. O expediente forense será executado
normalmente no período de 7 a 20 de janeiro, inclusive, mesmo com a suspensão
de prazos, audiências e sessões, com o exercício, por magistrados e servidores,
de suas atribuições regulares, ressalvadas férias individuais e feriados, a
teor do § 2º do art. 220 do Código de Processo Civil.
Em síntese, o período de recesso e
férias forenses de 20 de dezembro a 20 de janeiro poderia se sujeitar a
alguma deliberação de cada Tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça que não traria
nenhuma paz para o Criminalista...
3.
Férias Forenses e Recesso Judicial
Férias
forenses é o período compreendido entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. A
partir de 2022 no processo penal, somente serão realizados atos judiciais
urgentes (artigos 300, 301, 303 e 305 do CPC e incisos do artigo 798-A, CPP).
O
recesso ocorre de 20 de dezembro a 6 de janeiro é, por assim dizer, o período
de “férias” do Judiciário e o tribunal determina através de portaria, análogo a
um feriado (por exemplo, Portaria Conjunta Nº 1420/Pr/2022 do TJMG e Portaria
82/2022 do TRF6).
Antigamente,
somente esse prazo do recesso judiciário era prorrogado (artigo 798, § 3º, CPP)
quando considerado feriado pelo tribunal.
Mesmo assim, não se descura a comprovação, juntando o documento
comprobatório na interposição do recurso:
A
ocorrência de feriado local, recesso, paralisação ou interrupção do expediente
forense deve ser demonstrada por documento idôneo, no ato da interposição do
recurso que se pretende seja conhecido.
(AgRg
no AREsp n. 864.072/SC, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
julgado em 23/5/2017, DJe 30/5/2017).
Devido
a múltiplas interpretações (e também às múltiplas portarias dos Tribunais, cada
um com uma disposição...) foi que a Lei 14.365/2022 buscou estabelecer regras
no artigo 798-A do CPP para aclarar a resposta da nossa indagação inicial.
4.
Novas Regras da Lei 14.365/22: ordinária e excepcional
O
artigo 798-A, CPP regula os prazos processuais criminais durante o período de
20/12 a 20/01. A novatio legis foi
publicada no Diário Oficial da União em 03/06/2022 e, em seu art. 5º,
especificou vigência imediata, quer dizer, esse ano de 2022/2023 será o
primeiro de sua vigência. Do dispositivo principal, se extrai o seguinte, literis:
Art.
798-A. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20
de dezembro e 20 de janeiro, inclusive, salvo nos seguintes casos:
I -
que envolvam réus presos, nos processos vinculados a essas prisões;
II -
nos procedimentos regidos pela Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria
da Penha);
III -
nas medidas consideradas urgentes, mediante despacho fundamentado do juízo
competente.
Parágrafo
único. Durante o período a que se refere o caput
deste artigo, fica vedada a realização de audiências e de sessões de
julgamento, salvo nas hipóteses dos incisos I, II e III do caput deste artigo.
O
artigo poderia ter sido melhor redigido abrangendo diferencialmente as férias
forenses, o recesso forense, os pressupostos do que seria urgente ou não, assim
como quando se daria a suspensão ou seria prorrogado o prazo. O Legislador foi
muito econômico do que decorrerá problemas ainda a serem sanados na lida
forense, mas, desta feita, ao alto preço das liberdades pessoais.
O art. 798-A não alterou todas
as regras de contagem dos prazos processuais no CPP, como se observa. Com a
adição do artigo referido mudou-se apenas a “verdade absoluta”, outrora exposta
pelos tribunais, de que os prazos processuais penais eram sempre contínuos e
peremptórios, inclusive durante o recesso judiciário e as férias coletivas
estabelecidas pelo CPC, regimentos internos e portarias.
Não
mudou também a confusão entre suspensão (art. 216 c/c 219, CPC), interrupção ou
prorrogação (art. 224, §1º, CPC). A suspensão congela a contagem, a interrupção
zera a contagem e a prorrogação faz o prazo terminar no primeiro dia útil
subsequente. Nenhuma dessas discussões aqui se interrompe o prazo, todavia. O
que poderá acontecer é a suspensão (congelamento da contagem) ou o prazo
terminar imediatamente no dia após o período de recesso ou férias (prorrogação).
Na
verdade, pontuamos serem duas as regras: a ordinária e a excepcional. Na
ordinária, o prazo suspende de 20 de dezembro a 20 de janeiro. Na excepcional
(nos casos elencados nos incisos do artigo 798-A), o prazo prorroga.
Como
regra geral, então, os prazos do Processo Penal passam a ser suspensos a partir
deste 2022 durante o período de 20/12 a 20/01 pelo disposto no caput artigo 798-A do CPP.
5.
Conclusão
Respondendo,
o prazo aberto dia 19 de dezembro, a contagem ordinária se iniciaria no dia 20
de dezembro. Todavia, por força do artigo 798-A, o prazo estará suspenso por
ser férias forenses.
Começa quando? Dia 07 ou 21 de
janeiro?
Dia
07 estará ainda no período denominado de férias forenses que vai até o dia 20
de janeiro, também por força do artigo 798-A, CPP. Então, a contagem abre somente
no dia 21 de janeiro, atento às peculiaridades, como por exemplo, ser um
domingo, quando se prorrogaria mais uma vez por motivo de ser dia não útil.
Se a contagem iniciar, por
exemplo, dia 18 de dezembro, dia útil para fins deste estudo, começa a contagem
no dia 19 e fica suspenso do dia 20 de dezembro até 20 de janeiro, quando
retoma a recontagem no dia 21 de janeiro, no caso seria o dia 2 do prazo.
Se
estivermos diante de uma exceção, pelas disposições dos incisos do artigo 798-A,
CPP, o prazo não será suspenso, mas prorrogado. Só irá interferir no recesso
forense e não haverá a suspensão das férias forenses.
Como
se observa, parece simples, mas, nessa matéria, recomenda-se firmemente que se observe
sempre as últimas portarias e resoluções dos tribunais e do CNJ. O recesso é
tido como feriado para fins de contagem de prazo e as férias não suspendem os
prazos se for caso urgente, cujo conceito permanece aberto a desafiar
interpretações dos tribunais.