José Ernesto Manzi
Elaborado em 03/2012.
Como magistrado, já participei de alguns milhares de
julgamentos, dos quais em muitos houve sustentação oral. Procuro fazer algumas
considerações e dar algumas dicas relativas à sustentação oral de recursos nos
tribunais.
INTRODUÇÃO
Sou obrigado a confessar, inicialmente, que em minha
atividade como advogado (foram apenas cerca de 03 anos), fiz uma única
sustentação oral, por sorte acolhida integralmente (a causa era extremamente
importante). Como magistrado já participei de alguns milhares de julgamentos,
dos quais em uma parte bastante considerável, houve a sustentação oral pelos
defensores ou pelo Ministério Público.
A par dessa experiência razoável de destinatário de
sustentações, ainda não consegui entender bem a lógica dos advogados, na
escolha dos processos em que sustentarão, nem na forma que praticam o ato.
Muitas vezes, eles tratam de temas em que a
jurisprudência é absolutamente pacífica e sustentam ou no mesmo sentido, ou em
sentido contrário, sem trazer qualquer nuance novo para a reflexão. É evidente
que nesses casos, além de não conseguirem a atenção dos Desembargadores ou
Ministros ou mesmo qualquer alteração do votos originais, lograrão um efeito
contrário, que é o carimbo de sustentador inverterado que, no mínimo, acaba
deixando os julgadores desatentos (mesmo quando eles vierem sustentar temas
realmente relevantes), verificando seus e-mail’s ou já preocupados com o
próximo julgamento.
Outras vezes, deixam de sustentar em processos com
peculiaridades gritantes e desprezadas ou erros crassos de julgamento pelo juiz
de 1º grau, ou ainda em processos em que a posição do Relator acerca do tema é
isolada. Nesses casos, a sustentação seria especialmente indicada, não para
fazer um resumo geral do processo, mas para apontar, de forma pinçada, as
peculiaridades que afastam o caso de um modelo jurisprudencial ou que devem ser
considerados no julgamento, principalmente com referência a julgamento dos
demais juízes, em sentido contrário.
Por fim, há as
sustentações eficazes; elas, normalmente, são rápidas, pontuais, não são lidas
(a oratória é um instrumento indispensável para o advogado e deveria ser
ensinada desde o 1º ano de faculdade) e demonstram um profundo conhecimento do
advogado acerca da questão jurídica (o advogado pode ser muito mais
especialista que o juiz, sobre um determinado tema) ou das provas (ele pode ter
muito mais tempo – e interesse – em passar um “pente fino” no processo),
garimpando apenas “o ouro”. Já cheguei a alterar meus julgamentos por conta
delas ou pedir vista do processo para ver o que Relator poderia não ter visto e
advogado viu, mas, é necessário também ressaltar, é muito raro ver juiz mudando
voto por conta de sustentação oral.
Procuro nas linhas abaixo, fazer algumas
considerações e dar algumas dicas relativas à sustentação oral de recursos nos
tribunais. Embora minha experiência seja na área trabalhista, procurei não ser
tão específico nos temas, acreditando que, de alguma valia devem ter as
informações, também nas sustentações orais civis, criminais e administrativas.
Não me preocupei ainda em estabelecer uma ordem
lógica entre os temas, lançados conforme me recordava de temas que considero
importantes. É evidente que não tenho pretensão de esgotar o assunto, se é que
é possível delimitá-lo de forma metódica, o que dúvido muito, mas escolhi o
abecedário como objetivo e limite, para não tornar o artigo muito cansativo,
nem muito superficial.
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
E DICAS ESPECÍFICAS
A)
NÃO LUTE
CONTRA A LEI OU CONTRA SÚMULA – é absolutamente inútil tentar convencer juízes
de inconstitucionalidade de lei em sustentação oral, exceto em arguições de
inconstitucionalidade. O tempo é curto, a matéria é complexa e, na dúvida, os
juízes vão dizer que a lei é constitucional. Outro equívoco é lutar contra
súmula de jurisprudência do próprio tribunal ou de tribunal superior: no caso
de súmula, o ataque deve se fazer por dissociação, elogia-se a súmula, a
jurisprudência etc., mas AFIRMA-SE QUE ELA NÃO SE APLICA AO CASO CONCRETO PELA
RAZÃO “X”, o que abre a possibilidade dos juízes desconsiderarem a súmula no
julgamento (a melhor forma de dissociar é pesquisar os precedentes que geraram
a súmula e mostrar que eles são diversos do caso examinado)[1];
B) NÃO
ATAQUE O JUIZ, ATAQUE A DECISÃO – o espírito de corpo influencia, de algum modo
os juízes, ainda que eles não percebam (basta ver que a quantidade de recursos
a que se nega provimento é muito maior do que os que se dá provimento). Atacar
o juiz é um erro inexcusável. Deve ser atacado o ato do juiz, inclusive
ressaltando que ele costuma julgar muitíssimo bem, mas pode ter se equivocado
no caso específico. Atacar então o tribunal, dizendo que sua jurisprudência
está ultrapassada ou destoa das outras Cortes do país, mesmo que seja verdade,
é uma temeridade e não surte qualquer efeito positivo[2]. Não há como ganhar a
confiança do tribunal, sem respeito mútuo;
C) NÃO
ATAQUE O ADVOGADO DA PARTE ADVERSA: os ataques pessoais dão impressão imediata
que você não tem razão e mais, ainda se corre o risco de criar simpatia dos
juízes em relação ao advogado vitimado pelos ataques. Faça o contrário, elogie
a competência do advogado “ex adverso” para, a seguir, afirmar que entende como
deve ser difícil para ele defender uma tese como a dele, apesar de sua extrema
competência[3];
D)
CRITIQUE FUNDAMENTADAMENTE: críticas retóricas não ganham
julgamentos.[4] É preciso contrapor a tese oposta à prova dos autos ou à lei,
indicando, na espécie, onde esta a falha do raciocínio contrário à sua tese. É
preciso ser explícito indicando o que disse a decisão recorrida e o que diz a
lei ou o que disse a testemunha ou o documento em que a sentença se baseou,
para mostrar onde está o equívoco ou o acerto do raciocínio.
E)
ANCORAGEM: prepare-se para o julgamento, descubra, com antecedência, o
que cada um dos membros do órgão colegiado pensa acerca do tema. Se forem
referidos julgamentos anteriores em que eles votaram favoravelmente à sua tese,
eles terão uma tendência a manter o posicionamento anterior. Se, nos
julgamentos anteriores, eles votaram contra a sua tese, concentre-se em
dissociar o julgamento atual dos casos anteriores[5];
F) JUÍZES
DECIDEM: não decida pelos juízes. Afirmações como: “a única resposta para essa
questão é ‘x’, implica em desafiar o auditório a encontrar outra resposta (que
você não quer) e mostrar a sua competência.
Na boa argumentação é preciso levar o auditório a um crescendo que
implique na resposta que você pretenda que eles dêem, mas sem concluir
explicitamente. É preciso que o auditório tenha a impressão de que foram eles
que acharam a resposta e não você[6].
G) NUNCA
COMECE PELA TESE POLÊMICA: afirmam os psicólogos que uma sucessão de respostas
sim, induzem uma resposta sim, para uma questão que, posta no início, induziria
resposta negativa. Deste modo, começar direto pelo ponto que o colegiado
dissente da sua tese, não é uma boa estratégia[7].
H) USE O
SILÊNCIO E O TOM DE VOZ: por vezes, é preciso pausar a fala, aumentar ou
reduzir o tom de voz, para atrair a atenção dos ouvintes. A sustentação
monocórdia terá poucas possibilidades de despertar a atenção, por mais boa
vontade que se tenha. Imagine um Tribunal que ouvirá, num único dia, 40, 50, 60
sustentações orais... é evidente que, tanto as sustentações morosas, quanto as
cansativas, perderão em receptividade. É preciso assim, não apenas destacar os
pontos importantes, escolhendo os menos importantes, como também, dentro da
fala, destacar, seja pelo silêncio anterior, seja pelo reforço[8].
I)
CUIDADO COM O HUMOR E COM A IMAGEM: o ambiente judiciário é um ambiente
formal; vista-se de maneira formal e discreta e verifique as regras regimentais
sobre o uso da beca. Roupas ou cabelos extravagantes podem tirar a atenção dos
julgadores. Cuidado também com as piadas ou com o uso de gírias ou palavras de
baixo calão, somente admissíveis no contexto e com prévia licença (“peço vênia
para repetir as palavras referidas pelo réu fulano ou pela testemunha
sicrano...[9];
J)
MEMORIAIS LONGOS SÃO BONS PARA RASCUNHO: os memoriais longos são
imprestáveis para qualquer fim, exceto o uso do verso como rascunho nos
cartórios. Para uma visão completa do processo, só o próprio processo.
Memoriais devem ser curtíssimos, contendo o essencial, de preferência com
destaques ainda mais curtos e certeiros (por exemplo, se a decisão disse não
haver prova do pagamento, acho que uma imagem reduzida do recibo, inserida
diretamente na peça e com INDICAÇÃO DE QUE SE ENCONTRA NOS AUTOS E FOI IGNORADA
valeria mais do que dez laudas falando sobre ônus da prova etc.)[10]. Os
memoriais também, não podem ser confundidos com o roteiro do advogado para a
sessão. Se os juízes perceberem que o advogado está lendo o memorial, perderão
o interesse na sustentação.
K) FAÇA UM ROTEIRO PARA A SESSÃO: o
roteiro de um discurso não é o discurso. A leitura do roteiro ou do memorial na
sessão é imprestável (como já referi)[11]. O roteiro tem um único destinatário,
você mesmo; é para que você não se perca, se torne repetitivo sem perceber[12]
. Com o tempo, o ideal é usar um roteiro memorizado, que dá uma noção de
segurança do advogado (há quem use mapas mentais, imagina, por exemplo, o
caminho entre a casa e o escritório e, em cada ponto importante – o bar, a padaria,
a curva, o ponto de ônibus etc. – faz uma ligação mental com algum ponto a
destacar no discurso).
L)
GESTUAL – é muitíssimo importante tomar cuidado com o gestual, ele pode
tanto reforçar a fala, como desviar a atenção dos juízes sobre o que está sendo
dito. É interessante mostrar energia nos gestos, mas sem exageros (que podem
beirar o ridículo). Os gestos devem estar afinados com a fala, reforçando-a
(deve haver correspondência entre as mensagens verbais, visuais e o tom de
voz). Os gestos servem ainda para mostrar a serenidade e a desenvoltura do
adogado. É importante ainda, não dirigir o olhar para apenas um dos membros do
tribunal, olvidando-se dos demais, isso pode dispersá-los ou dar a impressão de
que o advogado os desconsidera.[13]
M)
FEEDBACK: acompanhe a resposta visual que os julgadores vão lhe dando,
no decorrer do discurso. Sinais de interesse (por exemplo, o inclinar do corpo
em sua direção), de aprovação (balançar a cabeça verticalmente) ou de
desaprovação (balançar a cabeça horizontalmente) podem indicar quais os pontos
merecem reforço ou devem ser evitados para se obter sucesso. É possível ainda
ver sinais de fadiga, desagrado, repulsa, na medida que a exposição vai se
desenvolvendo. Um advogado experiente é capaz quase que de prever onde está a
resistência à sua tese e, por exemplo, fazer referência a um posicionamento
daquele juiz que possa estar no mesmo sentido que o defendido da tribuna.[14]
N) FASES DO
DISCURSO: É preciso fazer um exórdio, uma introdução, destinada a chamar a
atenção dos julgadores, além de predispô-los não apenas a ouvi-lo, como acolher
a sua fala[15]. Narração do estado do processo, de forma breve[16]. A seguir,
passe para a proposição que é a parte central do seu discurso, onde você
apresentará os pontos principais, de forma breve e com o máximo de clareza[17].
Argumentação sobre as razões pelas quais a sua tese deve ser acolhida (argumentar
é uma arte e vale a pena aperfeiçoá-la; há cursos de argumentação jurídica
excelentes, inclusive por vídeo conferência). Refutação das teses contrárias,
mostrando que elas são mais fracas ou injurídicas que as suas. Conclusão com
uma rápida recordação do que foi dito, ressaltando-se os pontos mais
importantes;
O) SEJA
VERDADEIRO: é preciso oferecer o boi de piranha, por vezes, é necessário
reconhecer que, efetivamente o cliente não tinha razão no ponto “x”, para que a
sua irresignação quanto ao ponto “y” não seja tomada como mais um resmungo.
Contra fatos, não há argumentos, não invente provas, ainda que possa colocar em
dúvida uma prova existente ou reforçar o valor de uma prova fraca[18];
P)
ENTREGA DO MEMORIAL: um trabalho bem feito pode ser perdido e nunca
chegar aos destinatários. Memoriais não são, nem devem ser protocolados.
Entregá-los no gabinete ou na Secretaria do colegiado, talvez não seja a melhor
forma. Sempre que possível, peça para entregar ao próprio magistrado,
salientando, desde o início, que não quer tomar o seu precioso tempo, mas o
caso é emblemático (já disse acima que, quem sustenta em todo o processo, não é
ouvido em nenhum – sustenta apenas quando for realmente importante) e que tomou
a liberdade de de preparar um memorial sobre os pontos mais importantes do
processo. Se houver alguma questão crucial, você pode destacá-la mas, não tome
mais que 1 ou 2 minutos para fazer ou o efeito será o contrário (o magistrado
já ficará enfadado antes mesmo de ler o memorial).
Q)
CUIDADO COM O TEMPO: nos casos importantes, é melhor preparar a
sustentação com antecedência e até encená-la para os colegas de escritório. Se
não tiver tempo ou colega de escritório, é interessante cronometrar o tempo e
ir cortando o supérfluo até chegar no tempo que o regimento lhe permite, menos
algum lapso.[19] Cuidado para não chegar atrasado, quando o processo já foi
julgado, nem chegar esbaforido e suado, bem na hora do julgamento...isso lhe
fará ficar mais nervoso e que haja menos atenção à sua fala;
R)
ACALME-SE E OBSERVE: É interessante não fazer a primeira inscrição para
sustentação, assim como é interessante não fazer na última hora. As sustenções
costumam ocorrer pela ordem de inscrição e, a primeira sustentação pode pegar
os juízes ainda “fora do rítmo”, sem contar que, não possibilitam ao advogado,
ver como cada juiz julga, como ele se relaciona com seus pares ou, com sorte,
como ele costuma apreciar o mesmo
assunto, etc[20]. Nas últimas
sustentações o nível de atenção dos juízes pode ter caído pelo cansaço, o que
também pode prejudicar a eficácia de seus argumentos. No meio está a virtude,
também na pauta. Observe como os juízes julgam, veja os que se guiam mais por
princípios e os que são mais formalistas e prepare argumentos específicos para
um e outro, mesmo que em duas ou três palavras; veja os que são mais
processualistas e reforce sobre eles alguma questão formal que possa favorecer
seu cliente[21].
S) VOCÊ
DEVE ACREDITAR: é difícil convencer alguém de algo que você mesmo não acredita.
Se você não acredita naquilo que está defendendo, é provável que passe sinais
não verbais que serão percebidos pelos juízes, mesmo de forma inconsciente.
Nossa descrença no direito de nosso cliente poderá deixar traços na nossa forma
de falar, no nosso gestual, na dedicação ao processo e até nos argumentos que
utilizaremos. Se você não acredita no que vai defender, só terá dois caminhos,
ou tornar-se um ator (o que é mais difícil) ou estudar muito o caso do cliente,
achar os pontos favoráveis e aprofundá-los até se convencer... você é o
primeiro destinatário do seu discurso[22].
T)
ADVOGADO NÃO É JUIZ: eu fico impressionado com a quantidade de advogados
que se colocam na posição de juízes. Eles são contra qualquer pedido arrojado
ou estratégia mais ousada e indeferem, mentalmente, os próprios requerimentos.
O advogado tem que ser parcial, para que o juiz possa ser imparcial. O advogado
que tentar fazer um discurso imparcial, não irá convencer ninguém; na verdade,
passará a impressão para o tribunal de que nem o próprio advogado acredita que
seu cliente tem razão.[23]
U)
PREVEJA: o trabalho na sustentação oral, principalmente se a parte
adversa também sustentará é um jogo de xadrez. É preciso que você se coloque na
posição dela e imagine todos os argumentos possíveis que ela possa utilizar
para na sessão, seja ao falar depois dela, seja ao falar mesmo antes dela,
criar uma disposição favorável à sua tese[24].
V) MUDE O
FOCO: a fala do advogado no processo não é imparcial (disto já tratamos); é
preciso colocar luz sobre os pontos que favorecem o seu cliente (na prova, na
lei, na jurisprudência etc.) e colocar sombra sobre o que pode prejudicá-lo.
Por vezes, o advogado fala tanto no ponto desfavorável que acaba convencendo
até os juízes que iriam acolher a sua tese, a votar contrariamente (eu também
já vi isso)[25];
W) CUIDADO
COM O PORTUGUÊS: erros graves de português podem deixar a impressão de que o
advogado é ruim também como jurista. Uma tese jurídica defensável, defendida em
mal português, pode ser inacolhida pela palavra e não pelo conteúdo. O advogado
precisar cultivar o idioma e buscar escrever ou falar o mais corretamente
possível. Nervosismo combinado com uma mania de falar gírias e palavrões, ou
mesmo cacoetes, no mínimo distraem a atenção, mas podem resultar em tragédia no
púlpito.[26] Não queira falar difícil ou
bonito, queira ser entendido, seja claro, preciso e conciso. Evite o latinorum
e a pedância (é melhor dizer “papo pra boi dormir” do que “conversas monótonas
para acalentar bovinos”).
X)
CUIDADO COM A DICÇÃO E COM OS REGIONALISMOS: quem tem algum problema de
linguagem tem duas opções, ou não sustenta oralmente (substabelecendo) ou busca tratamento.
Falar com a lingua presa ou com um
acento incompreendido no tribunal pode ser trágico.
Y) SE NÃO
TIVER PREPARADO: se você não se sente preparado para sustentar oralmente, é
melhor ir se preparando e, enquanto isso, verificar quais os escritórios que
costumam sustentar em determinada Corte (há escritórios especializados em
atuação recursal) e substabelecer ou então, preparar um belíssimo memorial e
apenas acompanhar o julgamento, sem sustentar (pode-se, inclusive, afirmar que,
dada a simplicidade da matéria e o memorial enviado, requer-se apenas o
registro da presença).[27] Não vá queimar o seu filme com uma sustentação mal
feita.
Z)
APREENDA A
ARGUMENTAR: Muitos operadores jurídicos acham que não têm que convencer ninguém
senão a si mesmos[28], atuam mecanicamente e com resultados correspondentes à
sua atuação. É preciso conhecer um mínimo de técnica argumentativa para tentar
convencer juízes. O copia e cola da informática relegou essa arte ao
esquecimento, mas, nas sustentações orais, a falta de técnica pode ser fatal. É
preciso conhecer argumentação e também técnicas de oratória (e há livros e
cursos sobre esse tema em abundância). Este artigo não tem esse objeto (há
tratados sobre esses temas), mas, de transmitir a consciência de que, o direito
por si só não basta e que, sem conhecer
argumentação, não é possível nem argumentar, nem combater argumentos contrários.[29]
CONCLUSÃO
Não tive a pretensão de escrever um artigo
científico. Sei que muito do que disse aqui será objeto de vigorosa contestação
por advogados experientes ou mesmo por magistrados ou professores; dirão que
não é ciência jurídica e sim senso comum o que busquei repassar e que, na
prática, as coisas ocorrem de maneira oposta e talvez estejam certos.
Entretanto, peço aos advogados, principalmente aos
jovens, que tentem aplicar algumas das
técnicas que indiquei acima e que não são criação minha[30] e que, se possível,
me dêem um “feedback” dos resultados, ou seja, se passaram a ter maior ou pior
sucesso em suas sustentações orais.
Não olvidem contudo que, o agir ético é que garante o
sucesso das sustentações por longo prazo. Preocupar-se em convencer por
convencer ou tratar o processo judicial como um jogo, pode trazer resultados
favoráveis a curto prazo, mas implica no descrédito, mais cedo, ou mais tarde.
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Notas
[1] - As súmulas nem sempre são bem construídas. Os
tribunais querem que elas sejam suficiente abstratas para terem aplicação mais
ampla, mas na redação respectiva, por vezes o ponto central que levou à edição,
acaba ficando de fora. O exame de todos os acórdãos que levaram à edição da
súmula, indicará quais os casos concretos cogitados nas decisões, o que, não
raro, apresentam peculiaridades completamente diversas daquele em que o juízo
recorrido aplicou a súmula. Com a dissociação, a possibilidade de inaplicação
da súmula desfavorável ao seu caso, será bastante grande.
[2] Acreditem, já vi advogado que gastou todo tempo
da sustentação, até ter a palavra cassada, sem uma única palavra para o caso
concreto, apenas para atacar o tribunal e os concursos para juiz substituto,
até ter a palavra cassada e retirar-se da sala de sessões chispando faíscas;
perdeu a viagem, atraiu a antipatia para seu cliente e também para si mesmo
(não o vi mais sustentando, mas, dificilmente a antipatia que ele gerou seria
esquecida pelos mesmos juízes, só com alteração da composição).
[3] O advogado
da parte adversa é seu colega; você poderia estar exatamente na posição dele,
caso o cliente dele o tivesse procurado, pense nisso. Se você desconfiar que
alguma coisa de pessoal ficou após uma sustentação, não deixe que ela crie
vulto, convide o colega adversário para um cafézinho e mostre que não há nada
de pessoal (aliás, nem sempre isso fica claro, o que leva a uma antipatia
crescente). Aliás, não perdoe nada da parte adversa, mas tudo de seu advogado,
inclusive um pequeno atraso..., um pedido de adiamento de audiência etc.,
amanhã, pode ser você. O mesmo se diga com relação ao juiz, se desconfiar que
algo de pessoal pode ter ficado do processo, tente conversar com o juiz,
mostrar a sua admiração (verdadeira ou não por ele) e acabar com qualquer mal
entendido; não é uma questão de subserviência, mas de inteligência, na medida
que a antipatia do juiz pelo advogado, pode prejudicar o cliente, mesmo que
inconscientemente.
[4] - afirmar que a sentença é injusta, que a empresa
quebrará, que o autor está em estado de miséria ou que o Estado não garante a
dignidade etc. são argumentos imprestáveis em uma sustentação oral (e olha que
já tive advogado que disse que não sustentaria, que só leria a carta do
cliente, chorou na leitura e teve julgamento desfavorável).
[5] - Exemplo: fico aliviado em verificar que o Exmo.
Desembargador Fulano compõe o colegiado, seja por sua competência, seja porque
nos julgamentos dos processos “x”, “y” e “z” ele decidiu assim: peça vênia e
leia trecho decisivamente favorável à
sua tese, na decisão anterior. Se mais de um juiz tiver participado do
julgamento anterior, é importante referir quem participou e que também votou no
mesmo sentido. Se algum juiz votou contra a sua tese, ele deve ser
respeitosamente esquecido, para exercer o direito de mudar de idéia.
[6] - Há advogados que dão a impressão que querem ensinar
os juízes a julgar. Acham que estão usando frases de efeito quando dizem, com
destaque, “ASSIM, VOSSAS EXCELÊNCIAS DEVERÃO DAR PROVIMENTO AO RECURSO ou
então, DEVERÃO DESATENDER O PLEITO DA PARTE ADVERSA...” O melhor é afirmar que,
“DIANTE DO QUADRO, parece-me que a solução mais adequada ao caso concreto, seja
dar provimento ao recurso...” .
[7] - quando
eu era pequeno, fui ver a apresentação do palhaço Arrelia. Ele fazia várias
perguntas que a resposta era SIM (quem é criança, quem é bonito, quem é
inteligente, quem ama mamãe etc. etc.), quando perguntava, quem faz xixi na
cama, eram muitos os que respondiam sim também. O exemplo é tosco, mas serve
para mostrar que existe uma técnica chamada erística do convencimento e que ela
não pode ser desprezada pelos operadores jurídicos.
[8] - o uso das variações no tom de voz é uma arma
pouco utilizada. Se a sua tese é radical, fale pausadamente e em voz baixa,
para não reforçar essa radicalidade. Se a sua tese é fraca, a elevação discreta
da voz nos pontos relevantes pode fortalecê-la. Se os juízes tiverem a atenção
dispersa, uma elevação súbita da voz (sem exageros) ou o silêncio, pode
recuperar a atenção perdida, assim como uma pergunta retórica. Uma pausa
inicial, até que os juízes dirijam o olhar é interessante, o mesmo se dizendo
de uma pausa ao final, antes do arremate, o resumo da fala.
[9] - uma
piada mal colocada pode ser interpretada como sinal de desrespeito pelo juiz,
parte contrária, advogado, ministério público ou servidores. O humor só deve
ser admitido com inteligência, para aliviar um ambiente tenso, mas é difícil
conhecer a medida da leveza. O melhor é falar, por exemplo, como gosta de
sustentar naquele tribunal, alguma coisa que ocorreu durante a viagem etc.,
apenas se isso for indispensável para quebrar um ambiente tenso ou atrair a
atenção... não se esqueça que isso conta no tempo da sustentação. Anedotas
somente se justificam se servirem para ilustrar um argumento, é preciso muito
cuidado para elas não fulminarem a qualidade da sustentação.
[10] - um scanner barato faria isso com extrema
facilidade. O mesmo se pode utilizar para, ao invés de citar a sentença, a
inicial ou a defesa, colocar a imagem da frase crucial, que terá muito mais
eficácia que a mera referência...
[11] - o art. 476 do Regimento Interno do TJSP
proíbe, expressamente, a leitura do memorial como sucedâneo de sustentação
oral.
[12] A repetição de algum tema, principalmente como
fecho, pode ser uma técnica de argumentação: “Para terminar, gostaria de
lembrar, desculpem a insistência, que o
recibo encontra-se à fl. 37 e não foi impugnado pela parte adversa...”
[13] Mudanças rápidas de postura, indicam nervosismo,
assim como a postura de estátua. Segurar o púlpito fortemente dá impressão de
insegurança. É importante ainda, acertar a posição do microfone, para que ele
não distorça a voz (esse gesto simples, costuma demonstrar segurança, estar o
advogado em um terreno conhecido).
[14] - o discurso não é uma via de mão única, mas de
mão dupla. O nervosismo e a falta de preparo fazem com que o advogado se
concentre apenas em ler ou em tentar lembrar o que deve dizer, sem se preocupar
com a forma como as suas palavras estão sendo absorvidas pelo auditório (os
juízes). Quando o advogado consegue intepretar os sinais não verbais
manifestados pelos juízes, na maioria das vezes de forma inconsciente e, a
partir deles, vai customizando (fazer com que algo seja adequado àquele juiz,
em específico) o seu discurso, o monólogo passa a ser um diálogo, ainda que
apenas um dos lados use a linguagem verbal, com vantagens evidentes.
[15] - Espere que os juízes olhem para você; faça uma
saudação aos magistrados e aos colegas (se houver acadêmicos ou público,
inclua-os na saudação, para não parecer antipático), faça um resumo rápido e
genérico dos pontos que vai tratar e coloque os juízes em posição de escutá-lo.
Faça uma nova pausa...
[16] - a ação foi julgada procedente em parte,
tratarei aqui apenas dos temas “x”, “y” e “z”, por merecerem destaque (nos
temas em que a sustentação for inócua, por não haver chance de obter julgamento
favorável, é melhor aproveitar o tempo para tratar daquilo em que pode haver
sucesso). Um erro comum é perder tempo com o que não há a menor chance de mudar
a opinião dos julgadores.
[17] - O que pretendo
aqui, é demonstrar que a r. sentença não considerou o depoimento das
testemunhas fulano ou sicrano e que seriam, por si só, suficientes para afetar
o resultado do julgamento.
[18] - já vi
advogado fazer referência a documento inexistente e, requisitando o Relator ao
Secretário os autos do processo, desmascará-lo e ainda condenar o cliente como
litigante de má-fé. Garanto que os prejuízos não se encerraram ali, cada vez
que esse advogado sustentou, foi visto com desconfiança e os juízes lembravam do
episódio.
[19] - Já vi advogados morrerem na praia, chegarem ao
ponto culminante do discurso, no momento em que o Presidente da Turma
comunicava que o tempo estava esgotado. É preciso privilegiar o importante e
cortar o supérfluo. Se você perceber que o número de sustentações é muito
grande, pode, no EXÓRDIO, dizer que teria muito mais a dizer, mas que, por
respeito aos demais colegas e também aos juízes, dada a quantidade de
sustentações, destacará os pontos mais importantes. Faça a seguir, uma sustentação
rápida, mesmo ciente que, se for até o final do tempo regimental, será
compreendido. O QUE NÃO SE PODE É prejudicar o interesse do cliente, apenas
para que a sessão termine mais cedo ou para agradar os juízes. O abreviar deve
ser utilizado quando ele favorecer o seu cliente, por criar maior receptividade
nos juízes e não o contrário. Faça um relação contendo os argumentos em ordem
decrescente, assim, se não tiver tempo para sustentar todos os relacionados, os
principais terão sido postos.
[20] - é possível utilizar, por exemplo, uma
animosidade evidente entre dois juízes, a seu favor embora, como regra geral,
isso não influencia de forma alguma nos julgamentos, pode haver casos em que
essa influência ocorrerá, mesmo de forma inconsciente. Nesse caso, se o Relator é contrário à minha
tese, concentrar-se no juiz que mostrou-se pouco amigo dele, pode levar à
obtenção de um voto favorável. É possível ainda explorar essa animosidade em
sentido contrário, afirmando que, mesmo os juristas que geralmente comungam
teses divergentes, diante da clareza do direito do cliente, verão que... (e aí
exponha, solte o verbo)... É LÓGICO QUE ISSO É A EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO, SENDO QUE,
OS SENTIMENTOS PESSOAIS, COMO REGRA, NÃO CONTAMINAM JULGAMENTOS.
[21] - por exemplo para que uma prova que iria
prejudicá-lo seja deconsiderada ou considerada inferior a outra que o
beneficia.
[22] - a
beleza do direito é que toda questão possui mais de um foco, daí porque, não
sendo uma ciência exata, admite mais de uma resposta “correta” (com perdão a
Hart), o que leva às divergências jurisprudenciais e doutrinárias. Sempre será
possível encontrar uma jurisprudência que favoreça a sua tese; se você não
encontrou, é porque não pesquisou bastante.
[23] - Há advogados que, com sua ousadia, com seu
estudo, com seu discurso, com sua autoridade derivada do análise aprofundada de
todos os nuances do processo e das normas aplicáveis ao caso, do saciar-se na
doutrina mais atualizada, conseguem fazer a jurisprudência mudar, o direito
avançar. Há advogados contudo, que diante de uma jurisprudência desfavorável,
sequer fazem o pedido, para não correr o risco do indeferimento. O advogado tem
que arriscar, já que ao juiz, não é dado fazê-lo.
[24] - O advogado não precisa ter uma bola de cristal
para isso... se analisar as peças que a parte contrária aportou ao processo em
cotejo com a decisão recorrida, será mais do que fácil concluir sobre o tema da
sustentação, já que, em sede recursal, NÃO SE PODE INOVAR.
[25] - se a sustentação do advogado da parte
contrária centrou num ponto desfavorável para seu cliente e, realmente, o ponto
é irrefutável, então relativize a razão do opoente, salientando vários pontos
favoráveis ao seu cliente, mesmo que, na realidade, eles sejam de muito menor
importância. Se o seu opoente for falar depois, vacine o auditório contra a sua
fala (eu sei que ele falará isso e isso, o que realmente é razoável, importante
etc., mas, seguramente, ele não gostaria que vocês se lembrassem de a, b, c, d,
e... etc.
[26] - já vi um advogado que, não apenas inventou uma
palavra inexistente, como a utiliza em todas as suas sustentações. Os juízes,
mal ele começa a falar, começam a trocar mensagens no comunicador, com a dita
palavra.
[27] - a
preparação começa bem antes, na análise do regimento interno e do processo, da
estimativa das despesas necessárias ao deslocamento (ou à contratação de um
escritório especializado), na elaboração de um roteiro
[28] - em verdade é uma burrice; quando nos esmeramos
em argumentar para convencer alguém, a primeira pessoa que convencemos é a nós
mesmos.
[29] - argumentos como “ad pietatem” por exemplo, em
que se busca convencer não pelo direito, mas por dó, argumentos de terrorismo
(se for deferida a pretensão, a empresa ré irá quebrar) são exemplos de
argumentação que é utilizada indevidamente no direito e que, por vezes, por
falta de conhecimento do opositor, podem acabar colando... Argumentos de
autoridade por exemplo, podem ser facilmente afastados, seja pela ausência de
conhecimento específico, seja pela ausência de isenção (e aqui entram os longos
pareceres de grandes e respeitados juristas que, quando estão a soldo, entendem
o que o cliente quer que entendam, com todo o respeito). Quem sabe argumentar
bem, consegue não apenas que alguém concorde consigo, mas que pense como ele; a
diferença é que passará a advogar a mesma tese (imagine se for o relator do
processo do seu cliente ?).
[30] - na Europa esses temas são muito tratados, no
Brasil qualquer análise interdisciplinar é vista ainda como esquisitice.
Leia mais:
http://jus.com.br/revista/texto/21381/sustentacao-oral-nos-tribunais-algumas-reflexoes-e-dicas-de-a-a-z/2#ixzz1qVhIJY8Q
Qual é a utilidade da sustentação oral nos tribunais?
(Site Consultor Jurídico, 10-02-2014)
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