Introdução:
Nossa análise sobre a aplicação da Lei Maria da Penha em casos envolvendo homens como vítimas de violência doméstica.
Caso Ocorrido:
A motivação do texto foi o caso ocorrido em 14 de janeiro de 2024 onde a Polícia Militar interveio em um incidente onde um homem manteve o namorado refém em um apartamento, desencadeando debates sobre a extensão da Lei Maria da Penha à proteção de homens.
Quem Tem Direito a Medidas Protetivas na Lei Maria da Penha:
A Lei Maria da Penha é destinada exclusivamente à proteção de mulheres em situações de violência doméstica. As medidas protetivas da Lei Maria da Penha estão nos artigos 18 a 23, especificamente:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e
VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.
No ano de 2022, a aplicação da Lei foi estendida para incluir mulheres transgênero. A decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), baseando-se no conceito de violência "baseada no gênero", não no "sexo biológico".
O Que Significa "Mulher Trans"?
Uma mulher trans é aquela à qual foi atribuído o sexo masculino ao nascer, mas cuja identidade de gênero é feminina. O artigo 5º da Lei Maria da Penha, ao definir seu âmbito de incidência, refere-se à violência "baseada no gênero", e não no “sexo biológico”. Mulheres trans podem ser heterossexuais, bissexuais, homossexuais, assexuais. É muito mais uma questão de autoidentificação.
Casos de Medidas Protetivas específicas na Legislação:
Além da Lei Maria da Penha, outras legislações garantem medidas protetivas, evidenciando a preocupação com diferentes grupos vulneráveis.
As medidas protetivas para criança e adolescente estão nos artigos 15 ao 21 da Lei Nº 14.344/22 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 98 a 102).
No Estatuto do Idoso também há (artigos 43 a 45).
Além da mulher, mulher trans, criança, adolescente e idoso, temos medidas protetivas na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei Nº 13.146/2015) no art. 10, par. ún. e na Lei de Migração (art. 4º, inc. IV).
É idoso a pessoa maior de 60 anos e deficiente a pessoa com impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.
Em resumo, possuem medidas protetivas específicas (não são todas iguais):
Mulher;
Mulher trans;
Criança (até doze anos de idade incompletos);
Adolescente (entre doze e dezoito anos de idade);
Idoso (acima de 60 anos);
Qualquer deficiente (físico, mental, intelectual ou sensorial);
Migrante.
Em termos legais, esses grupos são contemplados com medidas protetivas específicas. Os homens adultos não possuem essa proteção específica, mas é importante destacar que eles podem buscar proteção por meio das medidas cautelares do Código de Processo Penal.
Desafios para Homens Buscando Proteção:
Homem vítima de violência doméstica não tem direito às medidas protetivas da Lei Maria da Penha e nem há legislação específica. Entretanto, de acordo com o art. 129, § 9º, do Código Penal, tanto o homem quanto a mulher podem ser vítimas de violência doméstica, não fazendo a lei restrição ao sujeito passivo.
Art. 129, CP
Violência Doméstica
§9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
A vítima homem, apesar de não poder contar com medidas protetivas estabelecidas na Lei Maria da Penha, para que não fique desamparada de medidas eficazes para a sua proteção, poderá requerer a decretação das medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal, especialmente aquelas arroladas nos incisos II e III do artigo 319.
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
[…]
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
Mas, enquanto para a mulher basta procurar a Delegacia da Mulher ou a Delegacia de Polícia mais próxima, e relatar a violência sofrida, para o homem se faz necessário comprovar o que chamamos de fummus commisi delicti e o periculum libertatis como pressupostos inarredáveis para decretação de medidas cautelares no processo penal (ou mesmo na fase pré-processual). Ou seja, não militará uma presunção de violência e de necessidade da medida baseada apenas na palavra do homem, deve-se fazer uma prova cabal do argumentado. Precisa de “prova da existência do crime e indício suficiente de autoria” (requisito) ao lado do que seriam os fundamentos legais capazes de dar vazão a decretação.
Conclusão:
Apesar da evolução da Lei Maria da Penha, a ausência de amparo direto para homens em casos de violência doméstica destaca a necessidade de uma revisão abrangente nas políticas de proteção às vítimas. No caso ocorrido em BH, somente se o homem vítima se autoconsiderasse "mulher trans" caberia a aplicação da Lei Maria da Penha, caso contrário, resta socorrer-se na aplicação do CPP. Entendemos que a igualdade perante a lei é essencial para uma sociedade justa.
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