segunda-feira, 2 de maio de 2011

Culpabilidade material em Jakobs e Roxin.

Culpabilidade material em Jakobs e Roxin. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 18, n. 221, p. 06, abr., 2011.










São muitas as teorias(1) construídas para definir o conteúdo material da culpabilidade: do poder agir de outro modo (Welzel); da atitude jurídica reprovada ou defeituosa (Wessels, Jescheck); da responsabilidade pela condução de vida (Mezger); responsabilidade pelo próprio caráter (Dohna); da atribulidade (Maurach); do dever de motivar-se pela norma (Mir Puig, Muñoz Conde); do defeito de motivação jurídica (Jakobs); da dirigibilidade normativa (Roxin).



De qualquer forma, a teoria dominante ainda é a do poder agir de outro modo de Welzel. Tal concepção leva em conta como verdadeiro o livre arbítrio, quer dizer, que o agente poderia escolher o respeito ao justo, mas não o fez.



A teoria da atitude jurídica reprovada (de Jescheck e Wessels) tem o mesmo significado da de Welzel, só mudando as palavras. A teoria da responsabilidade pelo próprio caráter (Dohna) e a teoria da responsabilidade pela condução de vida (Mezger) ligam o fato produzido como decorrente da personalidade do autor no que se denomina culpabilidade de autor.



A partir da década de 70, surge o funcionalismo, que pugna pela transição científico-dogmática para a política-criminal-empírica,(2) orientação essa que se preocupa mais com o limite da pena do que com sua legitimação, já que essa vertente dogmática se apoia em medidas político-criminais prevencionistas. São dois autores os mais debatidos no Brasil: Jakobs e Roxin.



Jakobs, a bem dizer, substituiu o conceito de culpabilidade pelo de prevenção geral positiva. Para Jakobs, a concepção material de culpabilidade seria o defeito de motivação jurídica, a culpabilidade material seria a ausência de motivação jurídica do autor. A pena serviria, assim, como um mecanismo de prevenção eminentemente geral, pois visaria à estabilização da confiança no sistema jurídico, tendo, a pena, a função de firmar a vigência da norma. Pune-se o sujeito para que haja um reforço à confiança no sistema, no ordenamento jurídico. A reprovabilidade da culpabilidade recai sobre a infidelidade do agente para com o ordenamento jurídico por não ter se motivado conforme a norma,(3) conceito eminentemente normativo. Quer dizer: o sujeito é reduzido a um meio e não a um fim do sistema. Ele importa mais como um exemplo para os outros do que como uma pessoa dotada de direitos a ser reintegrada à sociedade. Por sua característica preventiva há um enfraquecimento(4) da relevância da vontade individual. Leva-se em consideração a funcionalidade da culpabilidade segundo elementos sociais. Não por outro motivo, Günther Jakobs(5) afirma que “a culpabilidade e exigências de prevenção geral são idênticas”. Nominalmente, entretanto, Jakobs expressa que a utilidade prevencionista da pena jamais poderia se sobrepor à dignidade da pessoa humana, o que, desde logo, parece legítimo, mas totalmente inseguro, pois a culpabilidade é substituída pelo conceito de prevenção geral,(6) o que abriria caminho a um direito penal prevencionista, de cunho eminentemente autoritário. Também possibilitaria a substituição de uma culpabilidade do fato pela culpabilidade de autor ao admitir a perseguição contra a população vulnerável por mecanismos prevencionistas já que se releva a utilidade da reprovabilidade social. É dizer, Jakobs pugna por uma culpabilidade mais social, menos individual, o que atinge de morte a culpabilidade.



Para Roxin, a dirigibilidade normativa é a capacidade de comportamento igual à norma, definição essa já defendida por Liszt.



Roxin é crítico quanto a Jakobs no que tange ao abandono da função restritiva da culpabilidade. Em posição menos radical, defende que a necessidade preventiva da pena é subsidiária em relação ao princípio da culpabilidade.(7) Esse princípio continua inabalável em seu caráter limitativo. Entretanto, assim posto, esvazia o referido princípio no que tange à fundamentação da pena.(8) Roxin,(9) na verdade, ataca a função retributiva da pena - para também ressaltar a função preventiva - ao pontuar que só se poderia encontrar uma compensação entre um ato criminoso e uma pena temporal através de um “ato de fé”. Para Roxin, assim, deve-se privilegiar a prevenção especial positiva. A única função do princípio seria, pois, a de limitar essa prevenção.



O nosso sistema adota, entretanto, expressamente no art. 59 do CP, além do prevencionista, também a teoria retribucionista (Die Theorie der Vergeltung). O limite defendido por Roxin é a garantia que a culpabilidade daria aos indivíduos, impedindo que o Estado abusasse desse instrumento. O fundamento da pena, ao se apoiar exclusivamente na política criminal prevencionista, acaba por deslocar a responsabilização do sujeito para, unicamente, critérios prevencionistas de política criminal. Nesse ponto, a teoria também atinge de morte o postulado inalienável de se estabelecer uma pena proporcional à gravidade objetiva do fato e à culpabilidade do autor. Parece-nos, portanto, que não é desta vez que toda a doutrina clássica retribucionista (apoiada em Kant e Hegel) será posta em descrédito, salvo a hipótese de se descartar a culpabilidade.



A história da culpabilidade é a história de sua normatização porque a reprovação da culpabilidade não é empiricamente mensurável, a não ser pela quimérica figura do homem médio. O fato do sistema jurídico-penal pugnar por uma culpabilidade como reprovação acaba por dificultar seu conceito e encobertar fatores externos à consecução de um delito por uma pessoa, o que nos leva de volta ao ponto de onde partimos: “a culpabilidade nada mais é do que a ausência de causas de exclusão da culpabilidade”.(10)



NOTAS



(1) Ver SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 178 e ss.; SPOSATO, Karyna Batista. Culpa e castigo: modernas teorias da culpabilidade e os limites ao poder de punir. In RBCCRIM, ano 13, n. 56, set.-out./2005, São Paulo: RT, 2005, p. 33; BRUNONI, Nivaldo. Princípio de culpabilidade: considerações: fundamento, teoria e consequências. Curitiba: Juruá, 2008, p. 168 e ss.



(2) HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. Porto Alegre: Safe, 2005, p. 303.



(3) JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte general. Madrid: Marcial Pons, 1995, p. 566.



(4) Mas não extirpação.



(5) Ver ROXIN, Claus. A culpabilidade e sua exclusão no Direito Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 46, 2004, p. 56.



(6) QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 215, item 4.



(7) ROXIN, Claus. Derecho penal. Madrid: Civitas, 1997, p. 793.



(8) Ver ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en Derecho penal. IER: Madrid, 1981.



(9) “A teoria da retribuição tampouco é aceitável, porque sua premissa de que o injusto cometido pelo agente é compensado e saldado pela pena retributiva é irracional e incompatível com os fundamentos ético-estatais da Democracia. Ou seja, que um mal (o fato punível) possa ser anulado pelo fato de que agregue um segundo mal (a pena), é uma suposição metafísica que somente pode-se fazer plausível por um ato de fé... uma teoria da pena que considera como essência da mesma o ‘irrogar um mal’, não conduz a nenhum caminho para uma execução moderna da pena que sirva a uma efetiva prevenção do delito. A execução da pena só pode ter êxito enquanto procure corrigir as atitudes sociais deficientes que levaram o condenado ao delito; ou seja, quando está estruturada como uma execução ressocializadora preventiva especial” (ROXIN, Claus. A culpabilidade como critério limitativo da pena, in Revista de Direito Penal, n. 11-12, jul.-dez./1973, p. 8-9).



(10) HASSEMER, Winfried. Op. cit., p. 322.



Warley Belo

Mestre em Ciências Penais/UFMG.

Professor Titular de Direito Penal da Faculdade de Ciências Jurídicas.

Professor Alberto Deodato em BH/MG.

Professor Convidado de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG.

Advogado criminalista.