quinta-feira, 29 de março de 2012

Sustentação oral nos tribunais: algumas reflexões e dicas de A a Z








Sustentação oral nos tribunais: algumas reflexões e dicas de A a Z

José Ernesto Manzi

Elaborado em 03/2012.



Como magistrado, já participei de alguns milhares de julgamentos, dos quais em muitos houve sustentação oral. Procuro fazer algumas considerações e dar algumas dicas relativas à sustentação oral de recursos nos tribunais.



INTRODUÇÃO



Sou obrigado a confessar, inicialmente, que em minha atividade como advogado (foram apenas cerca de 03 anos), fiz uma única sustentação oral, por sorte acolhida integralmente (a causa era extremamente importante). Como magistrado já participei de alguns milhares de julgamentos, dos quais em uma parte bastante considerável, houve a sustentação oral pelos defensores ou pelo Ministério Público.



A par dessa experiência razoável de destinatário de sustentações, ainda não consegui entender bem a lógica dos advogados, na escolha dos processos em que sustentarão, nem na forma que praticam o ato.



Muitas vezes, eles tratam de temas em que a jurisprudência é absolutamente pacífica e sustentam ou no mesmo sentido, ou em sentido contrário, sem trazer qualquer nuance novo para a reflexão. É evidente que nesses casos, além de não conseguirem a atenção dos Desembargadores ou Ministros ou mesmo qualquer alteração do votos originais, lograrão um efeito contrário, que é o carimbo de sustentador inverterado que, no mínimo, acaba deixando os julgadores desatentos (mesmo quando eles vierem sustentar temas realmente relevantes), verificando seus e-mail’s ou já preocupados com o próximo julgamento.



Outras vezes, deixam de sustentar em processos com peculiaridades gritantes e desprezadas ou erros crassos de julgamento pelo juiz de 1º grau, ou ainda em processos em que a posição do Relator acerca do tema é isolada. Nesses casos, a sustentação seria especialmente indicada, não para fazer um resumo geral do processo, mas para apontar, de forma pinçada, as peculiaridades que afastam o caso de um modelo jurisprudencial ou que devem ser considerados no julgamento, principalmente com referência a julgamento dos demais juízes, em sentido contrário.



 Por fim, há as sustentações eficazes; elas, normalmente, são rápidas, pontuais, não são lidas (a oratória é um instrumento indispensável para o advogado e deveria ser ensinada desde o 1º ano de faculdade) e demonstram um profundo conhecimento do advogado acerca da questão jurídica (o advogado pode ser muito mais especialista que o juiz, sobre um determinado tema) ou das provas (ele pode ter muito mais tempo – e interesse – em passar um “pente fino” no processo), garimpando apenas “o ouro”. Já cheguei a alterar meus julgamentos por conta delas ou pedir vista do processo para ver o que Relator poderia não ter visto e advogado viu, mas, é necessário também ressaltar, é muito raro ver juiz mudando voto por conta de sustentação oral.



Procuro nas linhas abaixo, fazer algumas considerações e dar algumas dicas relativas à sustentação oral de recursos nos tribunais. Embora minha experiência seja na área trabalhista, procurei não ser tão específico nos temas, acreditando que, de alguma valia devem ter as informações, também nas sustentações orais civis, criminais e administrativas.



Não me preocupei ainda em estabelecer uma ordem lógica entre os temas, lançados conforme me recordava de temas que considero importantes. É evidente que não tenho pretensão de esgotar o assunto, se é que é possível delimitá-lo de forma metódica, o que dúvido muito, mas escolhi o abecedário como objetivo e limite, para não tornar o artigo muito cansativo, nem muito superficial.



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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES  E DICAS ESPECÍFICAS



A)                                         NÃO LUTE CONTRA A LEI OU CONTRA SÚMULA – é absolutamente inútil tentar convencer juízes de inconstitucionalidade de lei em sustentação oral, exceto em arguições de inconstitucionalidade. O tempo é curto, a matéria é complexa e, na dúvida, os juízes vão dizer que a lei é constitucional. Outro equívoco é lutar contra súmula de jurisprudência do próprio tribunal ou de tribunal superior: no caso de súmula, o ataque deve se fazer por dissociação, elogia-se a súmula, a jurisprudência etc., mas AFIRMA-SE QUE ELA NÃO SE APLICA AO CASO CONCRETO PELA RAZÃO “X”, o que abre a possibilidade dos juízes desconsiderarem a súmula no julgamento (a melhor forma de dissociar é pesquisar os precedentes que geraram a súmula e mostrar que eles são diversos do caso examinado)[1];



B)                                         NÃO ATAQUE O JUIZ, ATAQUE A DECISÃO – o espírito de corpo influencia, de algum modo os juízes, ainda que eles não percebam (basta ver que a quantidade de recursos a que se nega provimento é muito maior do que os que se dá provimento). Atacar o juiz é um erro inexcusável. Deve ser atacado o ato do juiz, inclusive ressaltando que ele costuma julgar muitíssimo bem, mas pode ter se equivocado no caso específico. Atacar então o tribunal, dizendo que sua jurisprudência está ultrapassada ou destoa das outras Cortes do país, mesmo que seja verdade, é uma temeridade e não surte qualquer efeito positivo[2]. Não há como ganhar a confiança do tribunal, sem respeito mútuo;



C)                                         NÃO ATAQUE O ADVOGADO DA PARTE ADVERSA: os ataques pessoais dão impressão imediata que você não tem razão e mais, ainda se corre o risco de criar simpatia dos juízes em relação ao advogado vitimado pelos ataques. Faça o contrário, elogie a competência do advogado “ex adverso” para, a seguir, afirmar que entende como deve ser difícil para ele defender uma tese como a dele, apesar de sua extrema competência[3];



D)                                         CRITIQUE FUNDAMENTADAMENTE: críticas retóricas não ganham julgamentos.[4] É preciso contrapor a tese oposta à prova dos autos ou à lei, indicando, na espécie, onde esta a falha do raciocínio contrário à sua tese. É preciso ser explícito indicando o que disse a decisão recorrida e o que diz a lei ou o que disse a testemunha ou o documento em que a sentença se baseou, para mostrar onde está o equívoco ou o acerto do raciocínio.



E)                                         ANCORAGEM: prepare-se para o julgamento, descubra, com antecedência, o que cada um dos membros do órgão colegiado pensa acerca do tema. Se forem referidos julgamentos anteriores em que eles votaram favoravelmente à sua tese, eles terão uma tendência a manter o posicionamento anterior. Se, nos julgamentos anteriores, eles votaram contra a sua tese, concentre-se em dissociar o julgamento atual dos casos anteriores[5];



F)                                          JUÍZES DECIDEM: não decida pelos juízes. Afirmações como: “a única resposta para essa questão é ‘x’, implica em desafiar o auditório a encontrar outra resposta (que você não quer) e mostrar a sua competência.  Na boa argumentação é preciso levar o auditório a um crescendo que implique na resposta que você pretenda que eles dêem, mas sem concluir explicitamente. É preciso que o auditório tenha a impressão de que foram eles que acharam a resposta e não você[6].



G)                                         NUNCA COMECE PELA TESE POLÊMICA: afirmam os psicólogos que uma sucessão de respostas sim, induzem uma resposta sim, para uma questão que, posta no início, induziria resposta negativa. Deste modo, começar direto pelo ponto que o colegiado dissente da sua tese, não é uma boa estratégia[7].



H)                                         USE O SILÊNCIO E O TOM DE VOZ: por vezes, é preciso pausar a fala, aumentar ou reduzir o tom de voz, para atrair a atenção dos ouvintes. A sustentação monocórdia terá poucas possibilidades de despertar a atenção, por mais boa vontade que se tenha. Imagine um Tribunal que ouvirá, num único dia, 40, 50, 60 sustentações orais... é evidente que, tanto as sustentações morosas, quanto as cansativas, perderão em receptividade. É preciso assim, não apenas destacar os pontos importantes, escolhendo os menos importantes, como também, dentro da fala, destacar, seja pelo silêncio anterior, seja pelo reforço[8].



I)                                            CUIDADO COM O HUMOR E COM A IMAGEM: o ambiente judiciário é um ambiente formal; vista-se de maneira formal e discreta e verifique as regras regimentais sobre o uso da beca. Roupas ou cabelos extravagantes podem tirar a atenção dos julgadores. Cuidado também com as piadas ou com o uso de gírias ou palavras de baixo calão, somente admissíveis no contexto e com prévia licença (“peço vênia para repetir as palavras referidas pelo réu fulano ou pela testemunha sicrano...[9];



J)                                          MEMORIAIS LONGOS SÃO BONS PARA RASCUNHO: os memoriais longos são imprestáveis para qualquer fim, exceto o uso do verso como rascunho nos cartórios. Para uma visão completa do processo, só o próprio processo. Memoriais devem ser curtíssimos, contendo o essencial, de preferência com destaques ainda mais curtos e certeiros (por exemplo, se a decisão disse não haver prova do pagamento, acho que uma imagem reduzida do recibo, inserida diretamente na peça e com INDICAÇÃO DE QUE SE ENCONTRA NOS AUTOS E FOI IGNORADA valeria mais do que dez laudas falando sobre ônus da prova etc.)[10]. Os memoriais também, não podem ser confundidos com o roteiro do advogado para a sessão. Se os juízes perceberem que o advogado está lendo o memorial, perderão o interesse na sustentação.



K)                                         FAÇA UM ROTEIRO PARA A SESSÃO: o roteiro de um discurso não é o discurso. A leitura do roteiro ou do memorial na sessão é imprestável (como já referi)[11]. O roteiro tem um único destinatário, você mesmo; é para que você não se perca, se torne repetitivo sem perceber[12] . Com o tempo, o ideal é usar um roteiro memorizado, que dá uma noção de segurança do advogado (há quem use mapas mentais, imagina, por exemplo, o caminho entre a casa e o escritório e, em cada ponto importante – o bar, a padaria, a curva, o ponto de ônibus etc. – faz uma ligação mental com algum ponto a destacar no discurso).



L)                                          GESTUAL – é muitíssimo importante tomar cuidado com o gestual, ele pode tanto reforçar a fala, como desviar a atenção dos juízes sobre o que está sendo dito. É interessante mostrar energia nos gestos, mas sem exageros (que podem beirar o ridículo). Os gestos devem estar afinados com a fala, reforçando-a (deve haver correspondência entre as mensagens verbais, visuais e o tom de voz). Os gestos servem ainda para mostrar a serenidade e a desenvoltura do adogado. É importante ainda, não dirigir o olhar para apenas um dos membros do tribunal, olvidando-se dos demais, isso pode dispersá-los ou dar a impressão de que o advogado os desconsidera.[13]



M)                                         FEEDBACK: acompanhe a resposta visual que os julgadores vão lhe dando, no decorrer do discurso. Sinais de interesse (por exemplo, o inclinar do corpo em sua direção), de aprovação (balançar a cabeça verticalmente) ou de desaprovação (balançar a cabeça horizontalmente) podem indicar quais os pontos merecem reforço ou devem ser evitados para se obter sucesso. É possível ainda ver sinais de fadiga, desagrado, repulsa, na medida que a exposição vai se desenvolvendo. Um advogado experiente é capaz quase que de prever onde está a resistência à sua tese e, por exemplo, fazer referência a um posicionamento daquele juiz que possa estar no mesmo sentido que o defendido da tribuna.[14]



N)                                         FASES DO DISCURSO: É preciso fazer um exórdio, uma introdução, destinada a chamar a atenção dos julgadores, além de predispô-los não apenas a ouvi-lo, como acolher a sua fala[15]. Narração do estado do processo, de forma breve[16]. A seguir, passe para a proposição que é a parte central do seu discurso, onde você apresentará os pontos principais, de forma breve e com o máximo de clareza[17]. Argumentação sobre as razões pelas quais a sua tese deve ser acolhida (argumentar é uma arte e vale a pena aperfeiçoá-la; há cursos de argumentação jurídica excelentes, inclusive por vídeo conferência). Refutação das teses contrárias, mostrando que elas são mais fracas ou injurídicas que as suas. Conclusão com uma rápida recordação do que foi dito, ressaltando-se os pontos mais importantes;



O)                                         SEJA VERDADEIRO: é preciso oferecer o boi de piranha, por vezes, é necessário reconhecer que, efetivamente o cliente não tinha razão no ponto “x”, para que a sua irresignação quanto ao ponto “y” não seja tomada como mais um resmungo. Contra fatos, não há argumentos, não invente provas, ainda que possa colocar em dúvida uma prova existente ou reforçar o valor de uma prova fraca[18];



P)                                         ENTREGA DO MEMORIAL: um trabalho bem feito pode ser perdido e nunca chegar aos destinatários. Memoriais não são, nem devem ser protocolados. Entregá-los no gabinete ou na Secretaria do colegiado, talvez não seja a melhor forma. Sempre que possível, peça para entregar ao próprio magistrado, salientando, desde o início, que não quer tomar o seu precioso tempo, mas o caso é emblemático (já disse acima que, quem sustenta em todo o processo, não é ouvido em nenhum – sustenta apenas quando for realmente importante) e que tomou a liberdade de de preparar um memorial sobre os pontos mais importantes do processo. Se houver alguma questão crucial, você pode destacá-la mas, não tome mais que 1 ou 2 minutos para fazer ou o efeito será o contrário (o magistrado já ficará enfadado antes mesmo de ler o memorial).



Q)                                         CUIDADO COM O TEMPO: nos casos importantes, é melhor preparar a sustentação com antecedência e até encená-la para os colegas de escritório. Se não tiver tempo ou colega de escritório, é interessante cronometrar o tempo e ir cortando o supérfluo até chegar no tempo que o regimento lhe permite, menos algum lapso.[19] Cuidado para não chegar atrasado, quando o processo já foi julgado, nem chegar esbaforido e suado, bem na hora do julgamento...isso lhe fará ficar mais nervoso e que haja menos atenção à sua fala;



R)                                         ACALME-SE E OBSERVE: É interessante não fazer a primeira inscrição para sustentação, assim como é interessante não fazer na última hora. As sustenções costumam ocorrer pela ordem de inscrição e, a primeira sustentação pode pegar os juízes ainda “fora do rítmo”, sem contar que, não possibilitam ao advogado, ver como cada juiz julga, como ele se relaciona com seus pares ou, com sorte, como ele costuma apreciar o  mesmo assunto,  etc[20]. Nas últimas sustentações o nível de atenção dos juízes pode ter caído pelo cansaço, o que também pode prejudicar a eficácia de seus argumentos. No meio está a virtude, também na pauta. Observe como os juízes julgam, veja os que se guiam mais por princípios e os que são mais formalistas e prepare argumentos específicos para um e outro, mesmo que em duas ou três palavras; veja os que são mais processualistas e reforce sobre eles alguma questão formal que possa favorecer seu cliente[21].



S)                                         VOCÊ DEVE ACREDITAR: é difícil convencer alguém de algo que você mesmo não acredita. Se você não acredita naquilo que está defendendo, é provável que passe sinais não verbais que serão percebidos pelos juízes, mesmo de forma inconsciente. Nossa descrença no direito de nosso cliente poderá deixar traços na nossa forma de falar, no nosso gestual, na dedicação ao processo e até nos argumentos que utilizaremos. Se você não acredita no que vai defender, só terá dois caminhos, ou tornar-se um ator (o que é mais difícil) ou estudar muito o caso do cliente, achar os pontos favoráveis e aprofundá-los até se convencer... você é o primeiro destinatário do seu discurso[22].



T)                                          ADVOGADO NÃO É JUIZ: eu fico impressionado com a quantidade de advogados que se colocam na posição de juízes. Eles são contra qualquer pedido arrojado ou estratégia mais ousada e indeferem, mentalmente, os próprios requerimentos. O advogado tem que ser parcial, para que o juiz possa ser imparcial. O advogado que tentar fazer um discurso imparcial, não irá convencer ninguém; na verdade, passará a impressão para o tribunal de que nem o próprio advogado acredita que seu cliente tem razão.[23]



U)                                         PREVEJA: o trabalho na sustentação oral, principalmente se a parte adversa também sustentará é um jogo de xadrez. É preciso que você se coloque na posição dela e imagine todos os argumentos possíveis que ela possa utilizar para na sessão, seja ao falar depois dela, seja ao falar mesmo antes dela, criar uma disposição favorável à sua tese[24].



V)                                         MUDE O FOCO: a fala do advogado no processo não é imparcial (disto já tratamos); é preciso colocar luz sobre os pontos que favorecem o seu cliente (na prova, na lei, na jurisprudência etc.) e colocar sombra sobre o que pode prejudicá-lo. Por vezes, o advogado fala tanto no ponto desfavorável que acaba convencendo até os juízes que iriam acolher a sua tese, a votar contrariamente (eu também já vi isso)[25];



W)                                        CUIDADO COM O PORTUGUÊS: erros graves de português podem deixar a impressão de que o advogado é ruim também como jurista. Uma tese jurídica defensável, defendida em mal português, pode ser inacolhida pela palavra e não pelo conteúdo. O advogado precisar cultivar o idioma e buscar escrever ou falar o mais corretamente possível. Nervosismo combinado com uma mania de falar gírias e palavrões, ou mesmo cacoetes, no mínimo distraem a atenção, mas podem resultar em tragédia no púlpito.[26]  Não queira falar difícil ou bonito, queira ser entendido, seja claro, preciso e conciso. Evite o latinorum e a pedância (é melhor dizer “papo pra boi dormir” do que “conversas monótonas para acalentar bovinos”).



X)                                         CUIDADO COM A DICÇÃO E COM OS REGIONALISMOS: quem tem algum problema de linguagem tem duas opções, ou não sustenta oralmente  (substabelecendo) ou busca tratamento. Falar  com a lingua presa ou com um acento incompreendido no tribunal pode ser trágico.



Y)                                         SE NÃO TIVER PREPARADO: se você não se sente preparado para sustentar oralmente, é melhor ir se preparando e, enquanto isso, verificar quais os escritórios que costumam sustentar em determinada Corte (há escritórios especializados em atuação recursal) e substabelecer ou então, preparar um belíssimo memorial e apenas acompanhar o julgamento, sem sustentar (pode-se, inclusive, afirmar que, dada a simplicidade da matéria e o memorial enviado, requer-se apenas o registro da presença).[27] Não vá queimar o seu filme com uma sustentação mal feita.



Z)                                          APREENDA A ARGUMENTAR: Muitos operadores jurídicos acham que não têm que convencer ninguém senão a si mesmos[28], atuam mecanicamente e com resultados correspondentes à sua atuação. É preciso conhecer um mínimo de técnica argumentativa para tentar convencer juízes. O copia e cola da informática relegou essa arte ao esquecimento, mas, nas sustentações orais, a falta de técnica pode ser fatal. É preciso conhecer argumentação e também técnicas de oratória (e há livros e cursos sobre esse tema em abundância). Este artigo não tem esse objeto (há tratados sobre esses temas), mas, de transmitir a consciência de que, o direito por si só não basta e que,  sem conhecer argumentação, não é possível nem argumentar, nem combater argumentos contrários.[29]



CONCLUSÃO



Não tive a pretensão de escrever um artigo científico. Sei que muito do que disse aqui será objeto de vigorosa contestação por advogados experientes ou mesmo por magistrados ou professores; dirão que não é ciência jurídica e sim senso comum o que busquei repassar e que, na prática, as coisas ocorrem de maneira oposta e talvez estejam certos.



Entretanto, peço aos advogados, principalmente aos jovens,  que tentem aplicar algumas das técnicas que indiquei acima e que não são criação minha[30] e que, se possível, me dêem um “feedback” dos resultados, ou seja, se passaram a ter maior ou pior sucesso em suas sustentações orais.



Não olvidem contudo que, o agir ético é que garante o sucesso das sustentações por longo prazo. Preocupar-se em convencer por convencer ou tratar o processo judicial como um jogo, pode trazer resultados favoráveis a curto prazo, mas implica no descrédito, mais cedo, ou mais tarde.



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Notas



[1] - As súmulas nem sempre são bem construídas. Os tribunais querem que elas sejam suficiente abstratas para terem aplicação mais ampla, mas na redação respectiva, por vezes o ponto central que levou à edição, acaba ficando de fora. O exame de todos os acórdãos que levaram à edição da súmula, indicará quais os casos concretos cogitados nas decisões, o que, não raro, apresentam peculiaridades completamente diversas daquele em que o juízo recorrido aplicou a súmula. Com a dissociação, a possibilidade de inaplicação da súmula desfavorável ao seu caso, será bastante grande.



[2] Acreditem, já vi advogado que gastou todo tempo da sustentação, até ter a palavra cassada, sem uma única palavra para o caso concreto, apenas para atacar o tribunal e os concursos para juiz substituto, até ter a palavra cassada e retirar-se da sala de sessões chispando faíscas; perdeu a viagem, atraiu a antipatia para seu cliente e também para si mesmo (não o vi mais sustentando, mas, dificilmente a antipatia que ele gerou seria esquecida pelos mesmos juízes, só com alteração da composição).





[3] O  advogado da parte adversa é seu colega; você poderia estar exatamente na posição dele, caso o cliente dele o tivesse procurado, pense nisso. Se você desconfiar que alguma coisa de pessoal ficou após uma sustentação, não deixe que ela crie vulto, convide o colega adversário para um cafézinho e mostre que não há nada de pessoal (aliás, nem sempre isso fica claro, o que leva a uma antipatia crescente). Aliás, não perdoe nada da parte adversa, mas tudo de seu advogado, inclusive um pequeno atraso..., um pedido de adiamento de audiência etc., amanhã, pode ser você. O mesmo se diga com relação ao juiz, se desconfiar que algo de pessoal pode ter ficado do processo, tente conversar com o juiz, mostrar a sua admiração (verdadeira ou não por ele) e acabar com qualquer mal entendido; não é uma questão de subserviência, mas de inteligência, na medida que a antipatia do juiz pelo advogado, pode prejudicar o cliente, mesmo que inconscientemente.



[4] - afirmar que a sentença é injusta, que a empresa quebrará, que o autor está em estado de miséria ou que o Estado não garante a dignidade etc. são argumentos imprestáveis em uma sustentação oral (e olha que já tive advogado que disse que não sustentaria, que só leria a carta do cliente, chorou na leitura e teve julgamento desfavorável).



[5] - Exemplo: fico aliviado em verificar que o Exmo. Desembargador Fulano compõe o colegiado, seja por sua competência, seja porque nos julgamentos dos processos “x”, “y” e “z” ele decidiu assim: peça vênia e leia  trecho decisivamente favorável à sua tese, na decisão anterior. Se mais de um juiz tiver participado do julgamento anterior, é importante referir quem participou e que também votou no mesmo sentido. Se algum juiz votou contra a sua tese, ele deve ser respeitosamente esquecido, para exercer o direito de mudar de idéia.



[6] - Há advogados que dão a impressão que querem ensinar os juízes a julgar. Acham que estão usando frases de efeito quando dizem, com destaque, “ASSIM, VOSSAS EXCELÊNCIAS DEVERÃO DAR PROVIMENTO AO RECURSO ou então, DEVERÃO DESATENDER O PLEITO DA PARTE ADVERSA...” O melhor é afirmar que, “DIANTE DO QUADRO, parece-me que a solução mais adequada ao caso concreto, seja dar provimento ao recurso...” .



[7]  - quando eu era pequeno, fui ver a apresentação do palhaço Arrelia. Ele fazia várias perguntas que a resposta era SIM (quem é criança, quem é bonito, quem é inteligente, quem ama mamãe etc. etc.), quando perguntava, quem faz xixi na cama, eram muitos os que respondiam sim também. O exemplo é tosco, mas serve para mostrar que existe uma técnica chamada erística do convencimento e que ela não pode ser desprezada pelos operadores jurídicos.



[8] - o uso das variações no tom de voz é uma arma pouco utilizada. Se a sua tese é radical, fale pausadamente e em voz baixa, para não reforçar essa radicalidade. Se a sua tese é fraca, a elevação discreta da voz nos pontos relevantes pode fortalecê-la. Se os juízes tiverem a atenção dispersa, uma elevação súbita da voz (sem exageros) ou o silêncio, pode recuperar a atenção perdida, assim como uma pergunta retórica. Uma pausa inicial, até que os juízes dirijam o olhar é interessante, o mesmo se dizendo de uma pausa ao final, antes do arremate, o resumo da fala.



[9]  - uma piada mal colocada pode ser interpretada como sinal de desrespeito pelo juiz, parte contrária, advogado, ministério público ou servidores. O humor só deve ser admitido com inteligência, para aliviar um ambiente tenso, mas é difícil conhecer a medida da leveza. O melhor é falar, por exemplo, como gosta de sustentar naquele tribunal, alguma coisa que ocorreu durante a viagem etc., apenas se isso for indispensável para quebrar um ambiente tenso ou atrair a atenção... não se esqueça que isso conta no tempo da sustentação. Anedotas somente se justificam se servirem para ilustrar um argumento, é preciso muito cuidado para elas não fulminarem a qualidade da sustentação.



[10] - um scanner barato faria isso com extrema facilidade. O mesmo se pode utilizar para, ao invés de citar a sentença, a inicial ou a defesa, colocar a imagem da frase crucial, que terá muito mais eficácia que a mera referência...



[11] - o art. 476 do Regimento Interno do TJSP proíbe, expressamente, a leitura do memorial como sucedâneo de sustentação oral.



[12] A repetição de algum tema, principalmente como fecho, pode ser uma técnica de argumentação: “Para terminar, gostaria de lembrar, desculpem a insistência,  que o recibo encontra-se à fl. 37 e não foi impugnado pela parte adversa...”



[13] Mudanças rápidas de postura, indicam nervosismo, assim como a postura de estátua. Segurar o púlpito fortemente dá impressão de insegurança. É importante ainda, acertar a posição do microfone, para que ele não distorça a voz (esse gesto simples, costuma demonstrar segurança, estar o advogado em um terreno conhecido).



[14] - o discurso não é uma via de mão única, mas de mão dupla. O nervosismo e a falta de preparo fazem com que o advogado se concentre apenas em ler ou em tentar lembrar o que deve dizer, sem se preocupar com a forma como as suas palavras estão sendo absorvidas pelo auditório (os juízes). Quando o advogado consegue intepretar os sinais não verbais manifestados pelos juízes, na maioria das vezes de forma inconsciente e, a partir deles, vai customizando (fazer com que algo seja adequado àquele juiz, em específico) o seu discurso, o monólogo passa a ser um diálogo, ainda que apenas um dos lados use a linguagem verbal, com vantagens evidentes.



[15] - Espere que os juízes olhem para você; faça uma saudação aos magistrados e aos colegas (se houver acadêmicos ou público, inclua-os na saudação, para não parecer antipático), faça um resumo rápido e genérico dos pontos que vai tratar e coloque os juízes em posição de escutá-lo. Faça uma nova pausa...



[16] - a ação foi julgada procedente em parte, tratarei aqui apenas dos temas “x”, “y” e “z”, por merecerem destaque (nos temas em que a sustentação for inócua, por não haver chance de obter julgamento favorável, é melhor aproveitar o tempo para tratar daquilo em que pode haver sucesso). Um erro comum é perder tempo com o que não há a menor chance de mudar a opinião dos julgadores.



[17]  - O que pretendo aqui, é demonstrar que a r. sentença não considerou o depoimento das testemunhas fulano ou sicrano e que seriam, por si só, suficientes para afetar o resultado do julgamento.



[18]  - já vi advogado fazer referência a documento inexistente e, requisitando o Relator ao Secretário os autos do processo, desmascará-lo e ainda condenar o cliente como litigante de má-fé. Garanto que os prejuízos não se encerraram ali, cada vez que esse advogado sustentou, foi visto com desconfiança e os juízes lembravam do episódio.



[19] - Já vi advogados morrerem na praia, chegarem ao ponto culminante do discurso, no momento em que o Presidente da Turma comunicava que o tempo estava esgotado. É preciso privilegiar o importante e cortar o supérfluo. Se você perceber que o número de sustentações é muito grande, pode, no EXÓRDIO, dizer que teria muito mais a dizer, mas que, por respeito aos demais colegas e também aos juízes, dada a quantidade de sustentações, destacará os pontos mais importantes. Faça a seguir, uma sustentação rápida, mesmo ciente que, se for até o final do tempo regimental, será compreendido. O QUE NÃO SE PODE É prejudicar o interesse do cliente, apenas para que a sessão termine mais cedo ou para agradar os juízes. O abreviar deve ser utilizado quando ele favorecer o seu cliente, por criar maior receptividade nos juízes e não o contrário. Faça um relação contendo os argumentos em ordem decrescente, assim, se não tiver tempo para sustentar todos os relacionados, os principais terão sido postos.



[20] - é possível utilizar, por exemplo, uma animosidade evidente entre dois juízes, a seu favor embora, como regra geral, isso não influencia de forma alguma nos julgamentos, pode haver casos em que essa influência ocorrerá, mesmo de forma inconsciente.  Nesse caso, se o Relator é contrário à minha tese, concentrar-se no juiz que mostrou-se pouco amigo dele, pode levar à obtenção de um voto favorável. É possível ainda explorar essa animosidade em sentido contrário, afirmando que, mesmo os juristas que geralmente comungam teses divergentes, diante da clareza do direito do cliente, verão que... (e aí exponha, solte o verbo)... É LÓGICO QUE ISSO É A EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO, SENDO QUE, OS SENTIMENTOS PESSOAIS, COMO REGRA, NÃO CONTAMINAM JULGAMENTOS.



[21] - por exemplo para que uma prova que iria prejudicá-lo seja deconsiderada ou considerada inferior a outra que o beneficia.



[22]  - a beleza do direito é que toda questão possui mais de um foco, daí porque, não sendo uma ciência exata, admite mais de uma resposta “correta” (com perdão a Hart), o que leva às divergências jurisprudenciais e doutrinárias. Sempre será possível encontrar uma jurisprudência que favoreça a sua tese; se você não encontrou, é porque não pesquisou bastante.



[23] - Há advogados que, com sua ousadia, com seu estudo, com seu discurso, com sua autoridade derivada do análise aprofundada de todos os nuances do processo e das normas aplicáveis ao caso, do saciar-se na doutrina mais atualizada, conseguem fazer a jurisprudência mudar, o direito avançar. Há advogados contudo, que diante de uma jurisprudência desfavorável, sequer fazem o pedido, para não correr o risco do indeferimento. O advogado tem que arriscar, já que ao juiz, não é dado fazê-lo.



[24] - O advogado não precisa ter uma bola de cristal para isso... se analisar as peças que a parte contrária aportou ao processo em cotejo com a decisão recorrida, será mais do que fácil concluir sobre o tema da sustentação, já que, em sede recursal, NÃO SE PODE INOVAR.



[25] - se a sustentação do advogado da parte contrária centrou num ponto desfavorável para seu cliente e, realmente, o ponto é irrefutável, então relativize a razão do opoente, salientando vários pontos favoráveis ao seu cliente, mesmo que, na realidade, eles sejam de muito menor importância. Se o seu opoente for falar depois, vacine o auditório contra a sua fala (eu sei que ele falará isso e isso, o que realmente é razoável, importante etc., mas, seguramente, ele não gostaria que vocês se lembrassem de a, b, c, d, e... etc.



[26] - já vi um advogado que, não apenas inventou uma palavra inexistente, como a utiliza em todas as suas sustentações. Os juízes, mal ele começa a falar, começam a trocar mensagens no comunicador, com a dita palavra.



[27]  - a preparação começa bem antes, na análise do regimento interno e do processo, da estimativa das despesas necessárias ao deslocamento (ou à contratação de um escritório especializado), na elaboração de um roteiro



[28] - em verdade é uma burrice; quando nos esmeramos em argumentar para convencer alguém, a primeira pessoa que convencemos é a nós mesmos.



[29] - argumentos como “ad pietatem” por exemplo, em que se busca convencer não pelo direito, mas por dó, argumentos de terrorismo (se for deferida a pretensão, a empresa ré irá quebrar) são exemplos de argumentação que é utilizada indevidamente no direito e que, por vezes, por falta de conhecimento do opositor, podem acabar colando... Argumentos de autoridade por exemplo, podem ser facilmente afastados, seja pela ausência de conhecimento específico, seja pela ausência de isenção (e aqui entram os longos pareceres de grandes e respeitados juristas que, quando estão a soldo, entendem o que o cliente quer que entendam, com todo o respeito). Quem sabe argumentar bem, consegue não apenas que alguém concorde consigo, mas que pense como ele; a diferença é que passará a advogar a mesma tese (imagine se for o relator do processo do seu cliente ?).



[30] - na Europa esses temas são muito tratados, no Brasil qualquer análise interdisciplinar é vista ainda como esquisitice.





Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/21381/sustentacao-oral-nos-tribunais-algumas-reflexoes-e-dicas-de-a-a-z/2#ixzz1qVhIJY8Q









Qual é a utilidade da sustentação oral nos tribunais?


(Site Consultor Jurídico, 10-02-2014)


Em setembro de 2011, enquanto esperava o início de sessão do Supremo Tribunal Federal em que faria uma sustentação oral, fui apresentado a um juiz da Corte de Apelação do 9º Circuito dos Estados Unidos, que visitava o tribunal na companhia da ministra Ellen Gracie. Iniciados os julgamentos da tarde e tendo o juiz Clifford Wallace ao meu lado, passei a explicar ao visitante os procedimentos do STF e o teor das discussões travadas em idioma que lhe era incompreensível.
Surpreendeu especialmente ao magistrado americano o modo como decidia o Supremo, com a apresentação do sumário da causa e do voto pelo relator, seguida da imediata e pública discussão, com a consequente formação de uma decisão por parte dos ministros.
Em seguida, tendo vestido a beca, perguntou-me se eu iria “discutir um caso” — argue a case — no tribunal, ao que respondi que no sistema brasileiro não se trata verdadeiramente de uma oral argumentnos moldes americanos, pois não se tem um diálogo com a corte, mas uma simples exposição dos argumentos do cliente por parte do advogado, sem que os ministros formulem perguntas ao expositor.
Nesse momento, juntando a informação que há pouco tivera de que os relatores trazem seus votos prontos para o Plenário com a minha explicação sobre as sustentações orais, o juiz Wallace fez uma pergunta que, ao mesmo tempo, mostrou sua surpresa e trouxe uma crítica ao modelo que naquele momento conhecia: “Qual a utilidade disso?”
Esse tema da utilidade da sustentação oral num sistema de julgamento como o desenvolvido nos tribunais brasileiros e, em especial, no Supremo Tribunal Federal, quando do exercício da jurisdição constitucional, tem, desde então, suscitado minha reflexão. É impossível não subir a uma tribuna sem que venham à mente as palavras do juiz Wallace: “Qual a utilidade disso?”
Do ponto de vista do advogado, as utilidades práticas são reconhecidamente muitas. Como os relatórios são cada vez mais sucintos, a sustentação é o meio pelo qual se dá a conhecer ao colegiado os aspectos mais importantes da causa. Também por meio da sustentação se pode, ainda que o voto do relator venha pronto para a sessão de julgamento, levantar dúvidas que levam a um pedido de vista ou mesmo à abertura de uma divergência.
Entretanto, do ponto de vista da efetiva contribuição da sustentação para a deliberação que se desenvolve no tribunal, essa resposta não é tão simples. E é este o ponto a ser explorado na coluna de hoje, na qual se retoma o tema da deliberação, analisado na coluna de 17 de novembro de 2013. Naquela ocasião, foram examinados aspectos internos do STF, que contribuiriam para o incremento da deliberação no exercício da jurisdição constitucional brasileira, auxiliando seus ministros na formação de consensos.
Agora, por sua vez, será analisada a contribuição de elementos externos à deliberação do tribunal, em especial aquela trazida pelos personagens externos mais relevantes: os advogados que atuam perante a Suprema Corte. Nesse contexto, a pergunta que se pode adaptar a partir do questionamento do juiz Wallace é a seguinte: no que um monólogo de 15 minutos — ou de poucos minutos, como nos casos em que diversos amici curiae se manifestam no mesmo feito — contribui para a formação da decisão da corte? No que as sustentações orais, tal como definidas na legislação brasileira, afetam a deliberação na jurisdição constitucional?
Esse exame pode ser ilustrado pela referência que ensejou a pergunta que se busca responder, qual seja, a do modelo norte-americano. No sistema judicial americano, seja na Suprema Corte ou em tribunais de apelação, a discussão dos casos sub judice se dá em sessões fechadas das quais participam somente os juízes, as chamadas conferências. Nelas não são admitidos nem mesmo assessores ou garçons, sendo que, na Suprema Corte, cabe ao associate justice mais moderno a pitoresca tarefa de servir água para os colegas, abrir a porta da sala de conferências e atender ao telefone.[1]
Antes das conferências, porém, e após a distribuição de memoriais — briefs —ocorre a única parte pública do processo decisório da Suprema Corte americana, consistente nos oral arguments, em que os advogados das partes são chamados a apresentar suas razões perante o tribunal. Nessa ocasião, são questionados pelos juízes acerca dos pontos controversos da demanda, estabelecendo-se, assim, um debate efetivo sobre o tema em análise.
O falecido chief justice Rehnquist assim descrevia os oral arguments levados a cabo na Suprema Corte americana:
“A única parte publicamente visível do processo de decisão da Suprema Corte é a discussão oral. Trata-se do tempo destinado aos advogados de ambos os lados para apresentar suas posições aos juízes que decidirão seus casos. Em nossa corte, ocorrem na sala de sessões do prédio da Suprema Corte, ao longo de quatorze semanas a cada ano, duas semanas em cada um dos meses de outubro a abril. Durante as semanas de discussão oral, a corte tem sessões de 10h às 12h nas segundas, terças e quartas-feiras. Em cada um desses dias, são apresentados quatro casos, sendo destinados 30 minutos para os advogados de cada um dos lados. As discussões orais são abertas ao público e se pode geralmente encontrar nos jornais quais os casos que serão debatidos em determinado dia.
(...)
Advogados muitas vezes me perguntam se as discussões orais ‘realmente fazem alguma diferença’. Geralmente a pergunta é feito com um tom de ceticismo, ou mesmo cinismo, indicando que os juízes já se convenceram antes de iniciar a sessão e que as discussões orais são mera formalidade.
(...)
Há mais numa discussão oral do que se pode ver — ou ouvir. Nominalmente, é a hora que os advogados oponentes têm para apresentar seus respectivos argumentos para os juízes que decidirão o caso. Mesmo que fosse, de fato, em muito uma formalidade, considero que ainda assim teria a utilidade que muitas cerimônias públicas têm: forçar os juízes que decidirão o caso e os advogados que representam os clientes cujos destinos serão afetados pelo resultado do julgamento a ser olhar por uma hora e discutir como o caso será decidido.
Mas se um advogado é efetivo, o modo como ele apresenta sua posição durante a discussão oral terá relação com o modo como o caso é decidido. A maioria dos juízes tem concepções preliminares acerca dos casos quando vem para a sessão, e seria estranho se não as tivessem. Um juiz terá lido os memoriais apresentados pelas partes, e provavelmente terá conversado com algum de seus assessores sobre o caso, ou mesmo recebido um memorando escrito elaborado por um assessor. Um juiz que não se preparou de modo algum para uma discussão oral pode estar de mente mais aberta, mas essa abertura será decorrência da ignorância, não da imparcialidade”.[2]
No modelo norte-americano, pois, a participação dos advogados tende a ser mais profícua, uma vez que falam para juízes que são homogeneamente conhecedores da demanda e que podem, com base nesse conhecimento, com eles interagir para tirar dúvidas ou reforçar pontos de vista.
É verdade, também, que esse sistema tem suas falhas e nem sempre se pode afirmar, com absoluta certeza, que os juízes são, de algum modo, influenciados pelas discussões. O célebre chief justiceMarshall, por exemplo, comentando tais sessões, afirmou que “a culminância da excelência judicial se tem na habilidade de olhar um advogado nos olhos por duas horas e não ouvir nem mesmo uma maldita palavra do que ele fala”.[3]
 Há casos de juízes que não se interessam por essas discussões, deixando de fazer perguntas aos advogados — como é o caso de Clarence Thomas, na Suprema Corte, que ficou quase sete anos sem pronunciar uma única palavra, sendo ainda incerto o teor de seu breve comentário em janeiro de 2013[4] —, assim como há situações em que os juízes pouco espaço deixam para os advogados, transformando perguntas e comentários em debates indiretos entre eles.
Essa última realidade é igualmente descrita por William Rehnquist, nos seguintes termos:
“Mas uma segunda função importante das discussões orais pode ser percebida a partir do fato de que esse é o único momento anterior aos debates nas conferências em que os juízes são obrigados a se reunir e a concentrar a atenção em um caso particular. As perguntas dos juízes, ainda que dirigidas nominalmente ao advogado sustentando o caso, podem ser de fato dirigidas a seus colegas. Um bom advogado reconhecerá esse fato e fará uso dele em sua apresentação. Perguntas podem revelar que um específico juiz tenha uma compreensão equivocada de um fato importante, ou talvez leia um determinado precedente de modo diverso daquele que o advogado pensa ser o correto. Se o juiz somente ficasse silente durante a discussão, não haveria oportunidade para que o advogado corrigisse a incompreensão fática ou para asseverar suas razões para interpretar o caso de modo como o compreende.”
Entretanto, apesar de ser possível a total falta de interação com o advogado ou mesmo a utilização da discussão como meio de debate interno, é inegável que esse modelo permite, em tese, efetiva interlocução entre as partes — representadas pelos advogados — e os juízes, tendo maior potencialidade de auxiliar na deliberação dos tribunais.
Realidade distinta é a que se tem no Brasil. Ainda que seja possível aos membros do colegiado ter conhecimento dos processos em pauta, a compreensão dos detalhes da causa é rara para além do relator, o que é até mesmo justificável ante o volume de demandas nos tribunais, do que não é exceção o Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, o relator já chega ao julgamento com seu voto escrito, baseado na visão singular que teve das manifestações juntadas aos autos pelas partes, sem que tenha tido, contudo, oportunidade de esclarecer qualquer aspecto com o advogado.
Nesse quadro, o monólogo de poucos minutos da sustentação oral em pouca coisa contribui para o processo de deliberação, ainda que — formalmente — anteceda o momento da decisão. Não há tempo para que se tenha uma maturação dos argumentos levantados da tribuna, que não chegam, assim, a ser adequadamente considerados. Não se estabelece a possibilidade de diálogo com os juízes para superação de dúvidas, a não ser por meio de esclarecimentos de fato ou questões de ordem, cada vez recebidas com menos paciência e atenção.
Em suma, voltando à questão do juiz Wallace, a utilidade da sustentação oral, nessa perspectiva, é praticamente nula. E sua falta de importância acaba tendo reflexo em outros aspectos do funcionamento dos tribunais, em especial do Supremo Tribunal Federal. Isso porque, sem um momento apropriado de interação com os juízes no processo deliberativo, buscam os advogados meios alternativos de apresentar seus argumentos oportunamente, ou seja, antes da formação da convicção definitiva pelo julgador.
Exemplo de consequência impensada da inutilidade das sustentações orais é a prática das audiências privadas, que os advogados buscam junto aos magistrados. Nada mais são do que uma tentativa de discutir os casos, tirar dúvidas, antes da cristalização do juízo de mérito do julgador. Tais audiências, deploradas por alguns magistrados e desconhecidas em muitas realidades estrangeiras, são legítimo sucedâneo de uma adequada sustentação oral. Se houvesse um momento em que magistrados e advogados pudessem, em público, discutir os casos, para que estes auxiliassem na deliberação daqueles, não haveria necessidade de audiências individuais.
Outra conseqüência do esvaziamento das sustentações que se verifica hoje, no Supremo Tribunal Federal, é certa deturpação do instituto das audiências públicas, de que trata o parágrafo 1º do artigo 9º da Lei 9.868/99. Segundo esse dispositivo, pode o relator, “em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos”, determinar a realização de audiência pública para “ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria”.
Muitas dessas audiências têm se realizado no STF desde que o ministro Carlos Ayres Britto utilizou o instituto pela primeira vez, no caso das células-tronco embrionárias.[5] Entretanto, cada vez mais as manifestações se assemelham a sustentações orais, não só em sua duração, mas especialmente em seu teor. Cada vez mais são advogados os participantes das audiências públicas, o que coloca em xeque a sua função de esclarecer aspectos específicos das controvérsias, por meio de depoimentos de especialistas. Chegou-se já à situação de manifestações na audiência pública serem praticamente repetidas da tribuna do STF, na forma de sustentação oral, quando do julgamento da causa, como se deu na ADI 4.650, relativa ao financiamento de campanhas eleitorais por pessoas jurídicas.
Não se pretende, aqui, examinar a fundo essa questão, até mesmo por que as audiências públicas e osamici curiae são aspectos da jurisdição constitucional que estão a demandar análise mais detida e profunda. O que se pretende, sim, é indicar que as audiências públicas fazem, muitas vezes, a função da sustentação oral, permitindo a apresentação de argumentos antes da formação mais sedimentada de um juízo por parte do magistrado.
Essas duas realidades — a necessidade de audiências privadas e o desvirtuamento das audiências públicas — apontam para a disfunção da sustentação oral, que merece passar por reformas, as quais somente poderão advir de um amplo debate, entre juízes e advogados, acerca da natureza da jurisdição constitucional e do modo como podem esses atores contribuir para o incremento de sua densidade deliberativa.

[1] John Paul Stevens. Five chiefs. A Supreme Court memoir. New York: Back Bay Books, 2011.
[2] William H. Rehnquist. The Supreme Court, New York: Vintage Books, 2001, Capítulo 13.
[3] Albert J. Beveridge. The life of John Marshall. Building of the nation 1815-1835, vol. IV, Washington: Beard Books, 2000, p. 82-83: “Marshall said and did things that interested other people and caused them to talk about him. He was noted for his quick wit, and the bar was fond of repeat anecdotes about him. ‘Did you hear what the Chief Justice said another day?’ – and then the story would be told of a bright saying, a quick repartee, a picturesque incident. Chief Justice Gibson of Pennsylvania, when a young man, went to Marshall for advice as to whether he should accept a position offered him on the State bench. The young attorney, thinking to flatter him, remarked that the Chief Justice had ‘reached the acme of judicial distinction’. ‘Let me tell you what that means, young man’, broke in Marshall. ‘The acme of judicial distinction means the ability to look a lawyer straight in the eyes for two hours and not hear a word he says’”.
[4] Robert Barnes. “Clarence Thomas breaks long silence during Supreme Court oral arguments”. The Washington Post, edição de 14.01.2013: http://www.washingtonpost.com/politics/clarence-thomas-breaks-long-silence-during-supreme-court-oral-arguments/2013/01/14/a7c6023c-5e7a-11e2-9940-6fc488f3fecd_story.html
[5] Sobre essa primeira audiência pública realizada no STF, interessante a análise de Fabrício Juliano Mendes Medeiros, que – na qualidade de Assessor de Ministro – foi responsável por sua organização: “O Supremo Tribunal Federal e a primeira audiência pública de sua história”. Revista Jurídica da Presidência da República, Brasília, v. 9, n. 84, abr./maio 2007, p. 41-48, disponível emhttp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_84/Artigos/PDF/FabricioJuliano_rev84.pdf 


Mais algumas dicas:

1) Assista julgamentos dos Tribunais onde irá sustentar. Observe tom de voz, localização dos desembargadores, Ministério Público, tribuna, becas etc;

2) Estude as decisões anteriores dos desembargadores / ministros; 

3) Jamais aceite fazer uma sustentação oral a pedido de um colega para substitui-lo em cima da hora. É necessário conhecer os autos, os desembargadores / ministros podem fazer perguntas;

4) Utilize a saudação, mas não se prolongue, seja objetivo e inteligente. A saudação serve também para que o advogado alivie um pouco da tensão e/ou o nervosismo deste momento;

5) Leia o Regimento Interno do Tribunal para ter ciência dos detalhes da sessão;

6) Ao final da sustentação oral, agradeça a oportunidade de terem lhe ouvido;

7) Acompanhe os votos de onde proferiu a sustentação. A questão de ordem poderá ser requerida a todo instante para esclarecer fato;

8) Independente do resultado, após a proclamação, despeça-se rapidamente.



terça-feira, 27 de março de 2012

MODELO HABEAS CORPUS - REVOGAÇÃO PREVENTIVA

MODELO HABEAS CORPUS - REVOGAÇÃO PREVENTIVA

Lembramos que esta peça destina-se a ser um modelo ao profissional, devendo ser adaptada ao seu caso concreto. Este modelo foi redigido por mim, aplicado na prática (antes da lei 12.403/10) com o pedido deferido e foi publicado no DVD Juris Plenum Ouro no. 24 de Março de 2012.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE _______ – UF;


O Advogado WARLEY RODRIGUES BELO, brasileiro, solteiro, inscrito nos quadros da ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO _______, sob o n.º 71.877, respeitosamente, vem à elevada presença de Vossa Excelência impetrar
ORDEM DE HABEAS CORPUS, com pedido de LIMINAR
em favor de ____, brasileiro, comerciante, casado, residente na Rua, nesta capital (documento anexo), por estar sofrendo constrangimento ilegal da parte do r. Juízo do I Tribunal do Júri desta Capital (art. 121, CP), que decretou e não revogou ordem de prisão preventiva no processo de origem autos n., mantendo em aberto mandado de prisão contra o paciente por fato cujos indícios de autoria são absolutamente insuficientes e cujos fundamentos são inidôneos a se manter a constrição cautelar.
A presente impetração arrima-se no disposto no artigo 5º, incisos LIV, LVII, LXI, LXV, LXVI, LXVIII, da Constituição Federal, e nos artigos 312 c/c 647 e 648, inciso I, Código de Processo Penal, bem como nos relevantes motivos de fato e de direito adiante articulados.
Nesses termos, do processamento,
Pede deferimento.
____________, ___ de __________ de 20__.
WARLEY RODRIGUES BELO
OAB/MG n.º 71.877
EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE _______:
PRECLARA TURMA:
DOUTA PROCURADORIA DE JUSTIÇA:
Ementa do pedido:
1. Juiz de direito que decreta prisão preventiva ao aviso de ser o réu perigoso e que, por isso, traria perigo à ordem pública e à aplicação da lei penal (fls. 137);
2. Elementos subjetivos referentes ao paciente inexistentes nos autos e inidôneos a fundamentar, por si só, a extrema medida vexatória;
3. Ausência de elementos suficientes de autoria (art. 312, CPP);
4. Juiz de direito que, laconicamente, indefere pedido de revogação da prisão preventiva alegando a não apresentação de "fatos que autorizam a revogação do decreto de prisão preventiva" (fls. 211). Infringência ao art. 93, IX, CF.
5. Inversão da ordem constitucional. Fundamentação inexistente.  Constrangimento ilegal evidenciado.
6. TJMG-029557) HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - CARÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO - AUSÊNCIA DE RAZÕES OBJETIVAS. É imperativo constitucional, expresso no art. 93, inc. IX, da CF, que as decisões emanadas do Poder Judiciário devem ser fundamentadas, sob pena de invalidade dos pronunciamentos judiciais. A simples repetição das causas autorizativas previstas no art. 312 do CPP não é suficiente para ensejar o decreto de prisão preventiva, que deve estar justificadamente fundamentado em elementos fáticos probatórios, pois quem sofre restrição à sua liberdade tem o direito indeclinável de conhecer os respectivos motivos. Súmula 32 da Jurisprudência Criminal do TJMG. Ordem concedida. (Habeas Corpus nº 1.0000.05.418503-8/000, 1ª Câmara Criminal do TJMG, Montes Claros, Rel. Gudesteu Biber. j. 12.04.2005, unânime, Publ. 19.04.2005). (Gf)
1) Do constrangimento ilegal
1.1) Dos fatos
O paciente forneceu carona à vítima que foi executada por terceiros dentro do veículo do paciente que, inclusive, levou um tiro de raspão (fls. 10, 11, 31, 34, 74, 75).
O Ministério Público o denuncia por ter recebido dinheiro para levar a vítima ao local dos fatos, todavia, não consta quem teria visto ou dito tal fato, não passando de boato, não havendo indícios de autoria, muito menos suficientes (art. 312, caput, CPP). O douto Juízo a quo apoia sua decisão em elementos inexistentes.
Contra tal mister, a jurisprudência do Colendo STJ vem se manifestando, sistematicamente, do seguinte modo:
(STJ-170096) CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA OU DA NÃO CULPABILIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DOS REQUISITOS. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVA DA MATERIALIDADE. GRAVIDADE DO DELITO. CIRCUNSTÂNCIAS SUBSUMIDAS NO TIPO. PERICULOSIDADE DO RÉU. NATUREZA HEDIONDA DA PRÁTICA, EM TESE, CRIMINOSA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA A RESPALDAR A CUSTÓDIA. POSSIBILIDADE DE FUGA E DE INFLUÊNCIA A TESTEMUNHAS. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. MERAS CONJECTURAS E PROBABILIDADES. SUPOSTA FUGA. IMPOSSIBILIDADE DE EMBASAR O DECRETO. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM CONCEDIDA. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação. Cabe ao Julgador, ao avaliar a necessidade de decretação da custódia cautelar, interpretar restritivamente os pressupostos do art. 312 do Código de Processo Penal, fazendo-se mister a configuração empírica dos referidos requisitos. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica dos delitos imputados ao paciente, a existência de prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria, a suposta agressividade e periculosidade do réu, a natureza hedionda da prática, em tese, criminosa não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto. Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da prisão preventiva. As afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos já subsumidos no próprio tipo penal. Conclusões vagas e abstratas tais como a preocupação de que empreenda fuga ou influencie testemunhas, sem vínculo com situação fática concreta, efetivamente existente, consistem meras probabilidades, conjecturas e elucubrações a respeito do que o acusado poderá vir a fazer, caso permaneça solto, motivo pelo qual não podem respaldar a medida constritiva para conveniência da instrução criminal. Precedentes do STF e do STJ. O decreto prisional carente de adequada e legal fundamentação não pode legitimar-se com a posterior fuga do paciente, o qual não deve suportar, por esse motivo, o ônus de se recolher à prisão para impugnar a medida constritiva. Ainda que verdadeira a condição do paciente, no momento de sua prisão, de foragido da Justiça, não pode o Tribunal a quo suprir a deficiência de fundamentação da decisão monocrática, se a verificação concreta de evasão do réu não constituiu motivação do decreto prisional no momento em que foi prolatado. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como o decreto prisional, para revogar a prisão preventiva do paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (Habeas Corpus nº 57534/PA (2006/0078668-6), 5ª Turma do STJ, Rel. Gilson Dipp. j. 26.09.2006, unânime, DJ 23.10.2006). (Gf)
O paciente é casado, tem 03 filhos, trabalha como vendedor autônomo e tem residência fixa e certa (documentos anexos). Possui sérios problemas psicológicos e nas pernas vencendo na vida com extrema dificuldade (documentos anexos). A folha de antecedentes de ____ (fls. 14 e ss.) dá conta de que o mesmo, já com mais de 47 anos, nunca se envolveu com crime. Consta um acidente de veículos há 17 anos. Nada mais.
Nenhum dos acusados pelo Ministério Público conhece o paciente.
2) Dos elementos fático-jurídicos
2.1) Do histórico das prisões cautelares (temporária e preventiva)
Consta nos autos que a prisão temporária e preventiva do paciente não foram requeridas pelo Delegado de Polícia (fls. 56), o Ministério Público, na mesma linha, também não requereu a prisão temporária (fls. 64)
O Delegado de Polícia afirma, às folhas 95, que
"Ressalve-se que não foi possível encerrar as investigações quanto à possível participação / coautoria de ____ pelo fato da concessionária de serviços de telecomunicações não ter respondido nossos dois ofícios a ela direcionados."
Às folhas 101 afirma:
"Foram erigidas suspeitas de coautoria contra ____ que exigem melhor perscrutação." (grifamos)
Mais à frente conclui (fls. 102):
"O que resta a aclarar no presente no entanto é a ventilada coautoria daquele que fora citado como vítima ____ (...) levou esta autoridade a desmembrar o presente feito e deixar aos autos suplementares a incumbência de aclarar esta participação / coautoria (...)". (Gf)
É dizer: há, ainda, investigação a saber se houve ou não a participação do paciente. Esses elementos só podem levar a crer que não existem provas suficiente da autoria do paciente no evento.
2.2) Ausência de elementos suficientes de autoria
É de se perguntar: Há indícios SUFICIENTES (art. 312, CPP) para decretar a prisão preventiva do peticionário diante da necessidade requerida pela polícia e pelo próprio Ministério Público?
O Ministério Público, na mesma página que pede a decretação da preventiva do paciente, também requer maiores investigações para saber da participação do paciente (fls. 114).
Há limites constitucionais para se requerer uma preventiva e, no caso, falta o mínimo necessário para essa decretação, pois nem a Polícia e nem o Ministério Público têm a certeza da suposta participação de ____ no evento, tanto que tem investigação paralela e pedidos de maiores investigações.
 O Egrégio TJMG tem decidido desta maneira:
TAMG-002851) HABEAS CORPUS - ROUBO MAJORADO - PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA - INOCORRÊNCIA - INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - INEXISTÊNCIA - ORDEM CONCEDIDA - LIMINAR MANTIDA - INTELIGÊNCIA DO ART. 312, CPP. Estando ausente um dos pressupostos básicos para a decretação da custódia cautelar, qual seja, o indício suficiente de autoria, a manutenção da liberdade do paciente é medida de caráter determinante. Ordem concedida. (Habeas Corpus nº 489.621-7, 2ª Câmara Mista do TAMG, Belo Horizonte, Rel. Hélcio Valentim. j. 22.02.2005, unânime). (Gf)
O STJ se manifesta desta forma:
STJ-165269) CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TENTATIVA. PRISÃO PREVENTIVA. PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. CONCLUSÃO VAGA E GENÉRICA A RESPEITO DA CONDUTA DO RÉU. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA A RESPALDAR A CUSTÓDIA. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA. CARÊNCIA QUE NÃO PODE SER SUPRIDA EM 2º GRAU DE JURISDIÇÃO. SITUAÇÃO PECULIAR DO PACIENTE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Aspectos relacionados à existência de indícios de autoria e prova da materialidade não são suficientes para respaldar a prisão preventiva, se desvinculados dos pressupostos legais indispensáveis. 2. Afirmação vaga e genérica a respeito da conduta do réu, sem vínculo com situação fática concreta referente à ocorrência de fuga, e tampouco sem a explicitação de circunstâncias relativas ao envolvimento de cada acusado, não se presta como justificativa adequada à manutenção da custódia. Precedentes do STF e do STJ. 3. O Tribunal não pode suprir a carência de fundamentação do decreto prisional monocrático. A situação peculiar do paciente não pode ser desconsiderada, pois compareceu em Juízo, por duas oportunidades, para ser interrogado, ainda que sob o manto da expedição de salvo-conduto pelo Tribunal a quo, e juntou petição declinando endereço para intimações e comunicações da Justiça. 4. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como o decreto prisional, para revogar a prisão preventiva do paciente, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta. 5. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (Habeas Corpus nº 43715/MA (2005/0070186-1), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Gilson Dipp. j. 23.08.2005, unânime, DJ 19.09.2005).
2.3) Ausência do periculum libertatis
A legitimidade da prisão preventiva exige fundamentação que indique, com fulcro nos autos, além da existência do crime e indícios suficientes de autoria, a necessidade de sua decretação pela verificação de pelo menos uma das circunstâncias contidas no caput do art. 312 do CPP. Vale dizer, a prisão deve ser necessária ou para garantir a ordem pública, ou porque convém à instrução criminal ou, ainda, para assegurar a aplicação da lei penal.
Todavia, o que se constata dos autos é que o fundamento da preventiva baseia-se no fato de que o paciente seria perigoso (fls. 138) para, daí, lançar conclusão que poria em risco a ordem pública e a aplicação da lei penal.
Deste modo, labora em equívoco fático e jurídico o Juízo a quo: O Juízo impetrado não declinou um único elemento objetivo que indicasse a necessidade da custódia cautelar do paciente. Deve estar lastreada em fatos concretos, que conduzam a fundadas probabilidades e não em meras presunções sobre possíveis atitudes do acusado, caso seja posto em liberdade. Ao Juiz cabe sempre demonstrar in concreto, a existência de atos inequívocos que indiquem a necessidade incontrastável da medida, o que não ocorreu. O paciente não possui uma só linha escrita contrária à sua personalidade. Trata-se de senhor de 47 anos, pai de família e residência fixa. Ademais, o fato subjetivo apontado pelo Juízo a quo não é elemento idôneo à decretação da cautelar.
O ato que determinou a expedição de mandado de prisão - oriundo do Juízo – desta forma, não está devidamente fundamentado por dois fatores:
a) o paciente não é perigoso;
b) mesmo se fosse, esse motivo é inidôneo a fundamentar a preventiva.
A decretação da prisão preventiva deve, necessariamente, estar amparada em um dos motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força do art. 5º, XLI e 93, IX, da Constituição da República, o magistrado está obrigado a apontar os elementos concretos ensejadores da medida.
Além do mais:
a) Não há indícios suficientes de autoria do delito;
b) Não há provas nos autos de ser o paciente perigoso;.
c) O fato subjetivo de ser alguém “perigoso” (o que não ocorre no caso) não é fundamento a ensejar a circunstância da garantia da ordem pública;
d) Não há risco para aplicação da lei penal, pois o paciente possui residência fixa e é primário de bons antecedentes.
No ordenamento constitucional vigente, a liberdade é regra, excetuada apenas quando concretamente se comprovar, em relação ao indiciado ou réu, a existência de periculum libertatis.
2.4. Da presunção de inocência
Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico.
Os princípios constitucionais do Estado de Inocência e da Liberdade Provisória não podem ser elididos por normas infraconstitucionais que estejam em desarmonia com os princípios e garantias individuais fundamentais.
A garantia da ordem pública deve fundar-se em fatos concretos, que demonstrem que a liberdade do agente representa perigo real para o andamento do processo criminal, sob pena de consagrar-se a "presunção de reiteração criminosa" em detrimento da presunção de inocência.
Ainda que o delito apurado em processo criminal seja catalogado como hediondo ou equiparado, o magistrado estaria obrigado a fundamentar a decisão que denega a liberdade a partir dos motivos que autorizam a prisão preventiva, dada a natureza cautelar da prisão
Nossa Excelsa Corte vem proclamando, a propósito, que:
"A prerrogativa jurídica da liberdade ___ que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) ___ não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada" (HC 80.379/SP, 2ª Turma, rel. Min. Celso de Mello, DJ 25/05/01).
Com efeito, a autoridade policial não requereu a prisão temporária e nem a preventiva do peticionário estribando-se, para reconhecer a impropriedade da prisão antecipada do réu, a necessidade de maiores investigações.
3) Da liminar
É o caso de liminar. Demonstrado o fumus boni juris por toda a argumentação acima expendida, o periculum in mora reside no fato da instrução estar em andamento com audiência de interrogatório para a próxima semana e mandado de prisão em aberto.
Sendo assim, requer-se, liminar e alternativamente,
a) a expedição de salvo-conduto a fim de que o réu possa comparecer a audiência de interrogatório, prestar depoimento e ter o direito de ir e vir sem ser preso até o julgamento do presente writ, ou
b) a suspensão da audiência de interrogatório determinada para o dia __/__/__, conforme consta nos autos (fls. 169) até o julgamento do presente writ.
Observa-se que a concessão da medida liminar, em ambos os casos, não trará qualquer prejuízo ao andamento da ação penal.
Já o inverso não é verdadeiro: caso o Paciente se veja obrigado a comparecer à audiência, será preso preventivamente.
Ademais, observa-se que o Douto Juízo a quo, verdadeiramente, não fundamentou, de nenhum modo, a revogação da preventiva (fls. 42, autos 202-0). O Egrégio TJMG, nesse sentido, tem deferido a liminar, ex vi:
(TJMG-030804) HABEAS CORPUS - FURTO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS EM CONTINUIDADE DELITIVA, E CORRUPÇÃO DE MENORES - PRISÃO PREVENTIVA - DECRETO COM FUNDAMENTAÇÃO PRECÁRIA. Afronta ao princípio constitucional do artigo 93, IX - Ausência de requisitos concretos para a sua decretação - Menoridade do paciente à época do crime não reconhecida - Liminar deferida - Ordem concedida. (Habeas Corpus nº 1.0000.05.418730-7/000, 2ª Câmara Criminal do TJMG, Pouso Alegre, Rel. Reynaldo Ximenes Carneiro. j. 12.05.2005, unânime, Publ. 21.05.2005). (Gf)
O Colendo STJ também tem deferido liminar em casos análogos:
(STJ-170073) CRIMINAL. HC. LATROCÍNIO. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. GRAVIDADE DO DELITO. CIRCUNSTÂNCIA SUBSUMIDA NO TIPO. PROVA DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA A RESPALDAR A CUSTÓDIA. NECESSIDADE DA SEGREGAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. EXCESSO DE PRAZO. ARGUMENTO PREJUDICADO. ORDEM CONCEDIDA. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao paciente, bem como a existência de indícios da autoria e prova da materialidade dos crimes e a suposta periculosidade do agente não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto que não a própria prática, em tese, criminosa. Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da prisão preventiva, mormente para garantia da ordem pública, pois desprovidos de propósito cautelar, com o fim de resguardar o resultado final do processo. As afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos já subsumidos no próprio tipo penal. Ilações acerca da necessidade da prisão para resguardar o andamento da instrução e a aplicação da lei penal, quando não relacionadas a circunstâncias concretas, são insuficientes para a decretação da custódia cautelar. Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional. Deve ser concedida a ordem para, confirmando-se a liminar anteriormente deferida, revogar a prisão cautelar efetivada contra F. G. D. da S. por ausência de motivação, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta. Alegação de excesso de prazo que resta prejudicada. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. (Habeas Corpus nº 61018/PE (2006/0129153-6), 5ª Turma do STJ, Rel. Gilson Dipp. j. 03.10.2006, unânime, DJ 30.10.2006).
Nessa conformidade, requer-se seja concedida a liminar para suspender a ordem de prisão preventiva ou suspender a audiência de interrogatório que se avizinha até o julgamento deste writ.
4) Do pedido
Ao final, pede-se a concessão da ordem para revogar o decreto de prisão preventiva expedido contra o paciente, reconhecendo-se a ausência de indícios suficientes de autoria e ausência de fundamentação da prisão preventiva. Para tanto, requer intimação prévia para a realização de defesa durante a sessão em que o habeas corpus for apreciado.
Decidindo desta maneira, Vossas Excelências, como é costumeiro, estarão realizando a melhor
JUSTIÇA!
Nesses termos, do processamento,
Pede deferimento.
____________, ___ de __________ de 20__.
WARLEY RODRIGUES BELO
OAB/MG n.º 71.877
(Modelo cedido e autorizado pelo Sr. Dr. Warley Rodrigues Belo - Advogado).