sexta-feira, 30 de dezembro de 2022


 




Agradecimento

 

Agradeço de público, em nome da OAB/MG - Subseção Venda Nova, a prestigiosa *Moção de Congratulação da Câmara de Vereadores de Belo Horizonte*, por iniciativa do Vereador Professor Claudiney Dulim.

 

A r. Câmara vem demonstrando profunda atenção e interesse em promover atividades conjuntas, apoiando importantes projetos (como o novo fórum de Venda Nova) e dando a importância e peso político que a região merece.

 

Sempre presente nos eventos e com rotineiras visitas, traz a segurança e participação que o brioso Advogado de Venda Nova espera.

 

Que essa moção seja o coroamento de um novo início, cujo desenvolvimento, produção e trabalho sejam sobre-humanos e calcados em nobres valores.

 

Feliz 2023 a todos!

 

BH, 30 de dezembro de 2022.

 

Warley Belo

Presidente da OAB/MG - Subseção Venda Nova






Criminalista, férias forenses suspende ou prorroga o prazo? E o recesso judicial?

Explicamos o novo artigo 798-A do CPP.

 

Warley Belo

 

Advogado Criminalista

Presidente da OAB/MG – Subseção Venda Nova

Mestre em Ciências Penais / UFMG

Warleybelo@oabmg.adv.org.br

 

1. Introdução; 2. Advogado criminalista não tinha férias; 3. Férias Forenses e Recesso Judicial; 4. Novas Regras da Lei 14.365/22: ordinária e excepcional; 5. Conclusão

 

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1. Introdução

 

            Neste artigo, debatemos a inovação trazida pela lei 10.365/22 que introduziu o conceito de férias forenses para o processo penal.

Até então, o advogado criminalista não podia gozar de férias, pois nem mesmo as resoluções do CNJ e portarias dos tribunais traziam segurança na interpretação prática das disposições.

Ainda teremos muitas interpretações sobre as consequências das férias e recesso, suspensão e prorrogação, regra e exceção nesta novíssima matéria que buscamos equalizar da maneira mais simples o nosso entendimento.

Mas, na prática, se o prazo abrir no dia 19/12? Suspende, interrompe ou se prorroga? O dia útil subsequente seria o dia 07/01 ou no dia 21/01 ou recomeçaria a contagem de onde parou?

 

2. Advogado criminalista não tinha férias

 

            Com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, os prazos processuais passaram a ser suspensos de 20 de dezembro a 20 de janeiro:

 

Art. 220. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive.

§ 1º Ressalvadas as férias individuais e os feriados instituídos por lei, os juízes, os membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública e os auxiliares da Justiça exercerão suas atribuições durante o período previsto no caput.

§ 2º Durante a suspensão do prazo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento.

 

            Tal regra também é aplicada à Justiça do Trabalho (artigo 775-A).

            Entretanto, essas regras não alcançaram o processo penal em decorrência do princípio da especialidade. Decidia-se assim:

 

HABEAS CORPUS – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ÓBICE – INEXISITÊNCIA. (...) PRAZO – RECESSO – INTERRUPÇÃO – SUSPENSÃO – AUSÊNCIA. Os prazos recursais, no processo penal, são contínuos e peremptórios, não sofrendo suspensão ou interrupção em decorrência do recesso judiciário, verificando-se a prorrogação da data de vencimento para o dia útil subsequente. (...)

 

(STF - 150718, Relator: MIN. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 18/02/2020, Data de Publicação: 09/03/2020)

 

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. RECURSO ESPECIAL. PRAZO DE 15 DIAS CORRIDOS. RECESSO FORENSE. MERA PRORROGAÇÃO DO PRAZO PARA O PRIMEIRO DIA ÚTIL SUBSEQUENTE A SEU TÉRMINO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O prazo para interposição de recurso especial em matéria penal é de 15 dias corridos (CPC, art. 994, VI, c/c os arts. 1.003, § 5º, e 1.029; CPP, art. 798). 2. Os prazos processuais penais são contínuos e peremptórios, não se interrompendo em razão de férias, domingo ou feriado (art. 798, caput e § 3º, do CPP). 3. O efeito do recesso forense e das férias coletivas nos prazos processuais penais é a mera prorrogação do vencimento para o primeiro dia útil subsequente ao término, não havendo interrupção ou suspensão. 4. Agravo regimental desprovido.

 

(AgRg no AREsp 1708696/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 24/11/2020, DJe 03/12/2020

 

            Em síntese, todos os benefícios de descanso, que o restante da advocacia gozava, não se aplicavam aos penalistas por literal interpretação do artigo 798, CPP:

 

Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.

 

            Não existia exceção legal no CPP e o advogado, por vezes, se escorava nos regimentos internos e portarias para se socorrer.

            No RITJMG, desde 2014, por exemplo, há o § 8º do art. 313 da Lei Complementar estadual nº 59, de 18 de janeiro de 2001:

 

§ 8° Ficam suspensos os prazos processuais no período compreendido entre os dias 7 e 20 de janeiro de cada ano, ocasião em que não haverá a realização de audiências, exceto os casos urgentes, nem sessões de julgamento, sem prejuízo do funcionamento normal dos órgãos do Poder Judiciário estadual. (Parágrafo acrescentado pelo art. 103 da Lei Complementar nº 135, de 27/6/2014. Vide art. 112 da Lei Complementar nº 135, de 27/6/2014.)

 

            Esses regimentos e portarias, por sua vez, eram específicos de cada tribunal. Se o TJMG aplicasse uma regra, por exemplo, não era certo que o TRF1 (à época) aplicasse semelhante entendimento... Isso porque a Resolução nº 244 do Conselho Nacional de Justiça, aprovada em 12 de setembro de 2016, determina, em seu artigo 1º, que:

 

Os Tribunais de Justiça dos Estados poderão suspender o expediente forense, configurando o recesso judiciário no período de 20 de dezembro a 6 de janeiro, garantindo atendimento aos casos urgentes, novos ou em curso, por meio de sistema de plantões.

 

            Assim, a regra primeira para os criminalistas era a de que, em matéria processual penal, os prazos não seriam interrompidos ou suspensos de nenhuma forma. Ou se correria o risco de discutir a tempestividade recursal pelos tribunais à fora... em síntese, o advogado criminalista não tinha como descansar se abrisse prazo antes ou eventualmente durante o recesso ou nas férias forenses... A regra para não perder prazo era sempre a de desconsiderar qualquer tipo de regimento ou portaria.

            Colecionamos um caso provindo de Minas Gerais, de 2019, no qual o advogado considerou suspenso o prazo dentro do recesso e teve seu recurso considerado intempestivo:

 

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRAZO DE 15 (QUINZE) DIAS CORRIDOS. DEFENSORIA PÚBLICA. CONTAGEM EM DOBRO. RECESSO FORENSE. SUSPENSÃO DOS PRAZOS ATÉ 20 DE JANEIRO. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 798 DO CPP. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. INTEMPESTIVIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. No processo penal, iniciado o prazo recursal, seu curso não se interrompe ou se suspende em decorrência de feriado ou suspensão de expediente forense, exceto se coincidir com o termo final, hipótese em que será prorrogado para o primeiro dia útil seguinte.2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, não se aplica o disposto no art. 220 do CPC, regulamentado pela Resolução CNJ n. 244, de 19/9/2016, nos feitos com tramitação perante a justiça criminal, ante a especialidade das disposições previstas no art. 798, caput, e § 3º, do CPP, motivo pelo qual não há falar em suspensão dos prazos entre os dias 20 de dezembro a 20 de janeiro. 3. No caso, o recurso é manifestamente intempestivo, porquanto interposto fora do prazo de 15 (quinze) dias corridos, nos termos do art. 994, VI, c/c. o art. 1.003, § 5º, do CPC, bem como do art. 798 do CPP, contados em dobro, na forma do art. 128, inciso I, da Lei Complementar Federal n. 80/1994.4. Agravo regimental não provido.

 

(STJ, AgRg no REsp 1828089/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 08/10/2019)

 

            O retrato da insegurança jurídica uma vez que o regimento interno e portarias não especificavam quais casos urgentes ou excepcionavam os processos criminais, estivessem ou não com réu preso...

            Observe-se, no ponto, o fundamento da decisão retro, baseada na Resolução de nº 244 de 12/09/2016 do CNJ:

 

Art. 1º Os Tribunais de Justiça dos Estados poderão suspender o expediente forense, configurando o recesso judiciário no período de 20 de dezembro a 6 de janeiro, garantindo atendimento aos casos urgentes, novos ou em curso, por meio de sistema de plantões.

Parágrafo único. Os tribunais regulamentarão o funcionamento de plantões judiciários, de modo a garantir o caráter ininterrupto da atividade jurisdicional, com ampla divulgação e fiscalização pelos canais competentes, observados os termos da Resolução CNJ 71, de 31 de março de 2005.

Art. 2º O recesso judiciário importa em suspensão não apenas do expediente forense, mas, igualmente, dos prazos processuais e da publicação de acórdãos, sentenças e decisões, bem como da intimação de partes ou de advogados, na primeira e segunda instâncias, exceto com relação às medidas consideradas urgentes.

§ 1º O período equivalente ao recesso para os órgãos do Poder Judiciário da União corresponde ao feriado previsto no inciso I do art. 62 da Lei 5.010/66, devendo também ser observado o sistema de plantão.

§ 2º A suspensão prevista no caput não obsta a prática de ato processual necessário à preservação de direitos e de natureza urgente.

Art. 3º Será suspensa a contagem dos prazos processuais em todos os órgãos do Poder Judiciário, inclusive da União, entre 20 de dezembro a 20 de janeiro, período no qual não serão realizadas audiências e sessões de julgamento, como previsto no art. 220 do Código de Processo Civil, independentemente da fixação ou não do recesso judiciário previsto no artigo 1º desta Resolução.

Parágrafo único. O expediente forense será executado normalmente no período de 7 a 20 de janeiro, inclusive, mesmo com a suspensão de prazos, audiências e sessões, com o exercício, por magistrados e servidores, de suas atribuições regulares, ressalvadas férias individuais e feriados, a teor do § 2º do art. 220 do Código de Processo Civil.

 

            Em síntese, o período de recesso e férias forenses de 20 de dezembro a 20 de janeiro poderia se sujeitar a alguma deliberação de cada Tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça que não traria nenhuma paz para o Criminalista...

 

3. Férias Forenses e Recesso Judicial

 

            Férias forenses é o período compreendido entre 20 de dezembro e 20 de janeiro. A partir de 2022 no processo penal, somente serão realizados atos judiciais urgentes (artigos 300, 301, 303 e 305 do CPC e incisos do artigo 798-A, CPP).

            O recesso ocorre de 20 de dezembro a 6 de janeiro é, por assim dizer, o período de “férias” do Judiciário e o tribunal determina através de portaria, análogo a um feriado (por exemplo, Portaria Conjunta Nº 1420/Pr/2022 do TJMG e Portaria 82/2022 do TRF6).

            Antigamente, somente esse prazo do recesso judiciário era prorrogado (artigo 798, § 3º, CPP) quando considerado feriado pelo tribunal. Mesmo assim, não se descura a comprovação, juntando o documento comprobatório na interposição do recurso:

 

A ocorrência de feriado local, recesso, paralisação ou interrupção do expediente forense deve ser demonstrada por documento idôneo, no ato da interposição do recurso que se pretende seja conhecido.

 

(AgRg no AREsp n. 864.072/SC, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/5/2017, DJe 30/5/2017).

 

            Devido a múltiplas interpretações (e também às múltiplas portarias dos Tribunais, cada um com uma disposição...) foi que a Lei 14.365/2022 buscou estabelecer regras no artigo 798-A do CPP para aclarar a resposta da nossa indagação inicial.

 

4. Novas Regras da Lei 14.365/22: ordinária e excepcional

 

            O artigo 798-A, CPP regula os prazos processuais criminais durante o período de 20/12 a 20/01. A novatio legis foi publicada no Diário Oficial da União em 03/06/2022 e, em seu art. 5º, especificou vigência imediata, quer dizer, esse ano de 2022/2023 será o primeiro de sua vigência. Do dispositivo principal, se extrai o seguinte, literis:

 

Art. 798-A. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive, salvo nos seguintes casos:

I - que envolvam réus presos, nos processos vinculados a essas prisões;

II - nos procedimentos regidos pela Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha);

III - nas medidas consideradas urgentes, mediante despacho fundamentado do juízo competente.

Parágrafo único. Durante o período a que se refere o caput deste artigo, fica vedada a realização de audiências e de sessões de julgamento, salvo nas hipóteses dos incisos I, II e III do caput deste artigo.

 

            O artigo poderia ter sido melhor redigido abrangendo diferencialmente as férias forenses, o recesso forense, os pressupostos do que seria urgente ou não, assim como quando se daria a suspensão ou seria prorrogado o prazo. O Legislador foi muito econômico do que decorrerá problemas ainda a serem sanados na lida forense, mas, desta feita, ao alto preço das liberdades pessoais.

O art. 798-A não alterou todas as regras de contagem dos prazos processuais no CPP, como se observa. Com a adição do artigo referido mudou-se apenas a “verdade absoluta”, outrora exposta pelos tribunais, de que os prazos processuais penais eram sempre contínuos e peremptórios, inclusive durante o recesso judiciário e as férias coletivas estabelecidas pelo CPC, regimentos internos e portarias.

            Não mudou também a confusão entre suspensão (art. 216 c/c 219, CPC), interrupção ou prorrogação (art. 224, §1º, CPC). A suspensão congela a contagem, a interrupção zera a contagem e a prorrogação faz o prazo terminar no primeiro dia útil subsequente. Nenhuma dessas discussões aqui se interrompe o prazo, todavia. O que poderá acontecer é a suspensão (congelamento da contagem) ou o prazo terminar imediatamente no dia após o período de recesso ou férias (prorrogação).

            Na verdade, pontuamos serem duas as regras: a ordinária e a excepcional. Na ordinária, o prazo suspende de 20 de dezembro a 20 de janeiro. Na excepcional (nos casos elencados nos incisos do artigo 798-A), o prazo prorroga.

            Como regra geral, então, os prazos do Processo Penal passam a ser suspensos a partir deste 2022 durante o período de 20/12 a 20/01 pelo disposto no caput artigo 798-A do CPP.

 

5. Conclusão

 

            Respondendo, o prazo aberto dia 19 de dezembro, a contagem ordinária se iniciaria no dia 20 de dezembro. Todavia, por força do artigo 798-A, o prazo estará suspenso por ser férias forenses.

Começa quando? Dia 07 ou 21 de janeiro?

            Dia 07 estará ainda no período denominado de férias forenses que vai até o dia 20 de janeiro, também por força do artigo 798-A, CPP. Então, a contagem abre somente no dia 21 de janeiro, atento às peculiaridades, como por exemplo, ser um domingo, quando se prorrogaria mais uma vez por motivo de ser dia não útil.

Se a contagem iniciar, por exemplo, dia 18 de dezembro, dia útil para fins deste estudo, começa a contagem no dia 19 e fica suspenso do dia 20 de dezembro até 20 de janeiro, quando retoma a recontagem no dia 21 de janeiro, no caso seria o dia 2 do prazo.

            Se estivermos diante de uma exceção, pelas disposições dos incisos do artigo 798-A, CPP, o prazo não será suspenso, mas prorrogado. Só irá interferir no recesso forense e não haverá a suspensão das férias forenses.

            Como se observa, parece simples, mas, nessa matéria, recomenda-se firmemente que se observe sempre as últimas portarias e resoluções dos tribunais e do CNJ. O recesso é tido como feriado para fins de contagem de prazo e as férias não suspendem os prazos se for caso urgente, cujo conceito permanece aberto a desafiar interpretações dos tribunais.  








 

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Direito ao ponto: Intimação pessoal da sentença condenatória

 






Intimação pessoal da sentença condenatória: Necessário?

 

Warley Belo

Advogado Criminalista

Presidente da OAB/MG Subseção Venda Nova

Mestre em Ciências Penais UFMG

 

O réu é condenado. Há a necessidade de se intimá-lo pessoalmente?

A jurisprudência dispunha sobre a necessidade de intimação de ambos, advogado e réu, mesmo que esse estivesse solto, in verbis:

 

Habeas Corpus. 2. Alegação de nulidade, ao argumento de que o réu deve ser intimado pessoalmente da sentença condenatória, sob pena de nulidade. Ocorrência. 3. Jurisprudência reiterada deste Tribunal no sentido de que a intimação da sentença condenatória deve ser feita tanto ao condenado quanto ao seu defensor. 4. Ordem concedida para anular o trânsito em julgado da decisão que reputou intempestiva a apelação interposta pela defesa, com a consequente reabertura do prazo para interposição do pertinente recurso, devendo, para tanto, serem devidamente intimados paciente e defensor. (STF - HC 108563, Relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 06/09/2011, Processo Eletrônico DJe-183 Divulg. 22-09-2011 Public. 23- 09- 2011).

 

 Contudo, em julgados mais recentes houve alteração de entendimento tanto do STJ quanto do STF. Do Superior Tribunal de Justiça colecionamos as seguintes decisões (arestos em ordem descrente de data):

 

(…) 1. Consoante o disposto no art. 392, II, do CPP, tratando-se de réu solto, é suficiente a intimação do defensor constituído, através da publicação no órgão de imprensa oficial, acerca da sentença condenatória. Precedentes. 2. A inércia recursal do advogado constituído não caracteriza, por si só, vício ensejador do reconhecimento de nulidade processual, pois vige entre nós o princípio da voluntariedade recursal (art. 574 do Código de Processo Penal) – (AgRg no HC n. 717.898/ES, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 25/3/2022); de modo que a manifestação da parte externando seu desejo de recorrer às instâncias superiores não tem o condão de desqualificar o trânsito em julgado já operado, muito menos promover a reabertura de prazo recursal. (…) (HC n. 748.704/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 23/8/2022, DJe de 29/8/2022).


[…] Tendo sido o defensor dativo devidamente intimado acerca do acórdão que confirmou a sentença penal condenatória, inexiste a obrigatoriedade de intimação pessoal do réu, uma vez que, consoante o art. 392, inciso I, do Código de Processo Penal, a intimação pessoal somente é exigida da sentença que condena o réu preso, não se aplicando aos demais julgados. […] (Habeas Corpus n. 617.116-ES, STJ, 5ª Turma, unânime, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13.10.2020, publicado no DJ em 20.10.2020).


[…] Em se tratando de ré solta, é suficiente a intimação de seu advogado acerca da sentença condenatória, procedimento que garante a observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório. Precedentes. […] (Agravo Regimental no Agravo em Recuso Especial n. 1.410.691-SP, STJ, 5ª Turma, unânime, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 27.8.2019, publicado no DJ em 4.9.2019).


[…] 2. Penal e Processual Penal. 3. Fraude a licitação. 4. Ausência de intimação pessoal da sentença condenatória. Réu solto. Prescindibilidade. Defensor constituído devidamente intimado. Precedentes. […] (Agravo Regimental no Habeas Corpus n.o 154.904-PE, STF, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em sessão virtual de 24.5.2019 a 30.5.2019, publicado no DJ em 14.6.2019).


I - Consoante o disposto no art. 392, inciso II, do CPP, tratando-se de réu solto, mostra-se suficiente a intimação do defensor constituído acerca da r. sentença condenatória. Precedentes. II - In casu, a intimação da sentença foi feita mediante publicação no Diário da Justiça, em nome da advogada por ele constituída. Não se vislumbra, portanto, a nulidade sustentada nas razões do presente recurso. (STJ- RHC 96.250/AL, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 12/06/2018, DJe 15/06/2018).

 

O Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido, verbis:

 

a 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se sustentava a necessidade de dupla intimação da sentença condenatória: a do réu militar e a do advogado por ele constituído — v. Informativos 603 e 627. Assentou-se que: a) essa regra aplicar-se-ia à decisão de 1º grau, mas não à de 2º, que seria a hipótese dos autos; e b) apenas haveria obrigatoriedade de intimação pessoal do réu em relação ao julgamento do acórdão, quando ele estivesse preso (CPPM, artigos 288, § 2º, e 537) Ressaltou-se que houvera a intimação do defensor e que, por estar o paciente solto no curso da ação penal, sua intimação pessoal não seria imprescindível, motivo por que teria havido o regular trânsito em julgado do processo. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Luiz Fux, que concediam a ordem para declarar insubsistente a certidão alusiva ao trânsito em julgado, por entenderem indispensável tanto a intimação do advogado como a do réu. Consignavam que, em face do critério da especialidade, não se aplicaria o Código de Processo Penal comum — que apenas exigiria a comunicação oficial do ato a ambos quando o réu estivesse sob a custódia do Estado — e sim, o Militar, a partir da interpretação sistemática dos seus artigos 288, 443, 445, 446 e 537. HC 99109/RJ, rel. Orig. Min. Marco Aurélio, red. P/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 27.3.2012. (HC-99109)

 

(...) 6. Advogado devidamente constituído, intimado da condenação por sua publicação. 7. Intimação pessoal do réu, desnecessidade nos termos do artigo 392, inciso II, do Código Processual Penal. Desconhecimento de alteração, por iniciativa da União, do referido dispositivo. 8. Precedentes de ambas as Turmas. 9. Nulidade inexistente. 10. Agravo regimental desprovido. (STF- HC 144735 AgR, Relator: Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 04/04/2018, Processo Eletrônico Dje-077 Divulg. 20-04-2018 Public. 23-04- 2018).

 

O fundamento legal parte do artigo 392, II, CPP, literis­­:

 

Art. 392.  A intimação da sentença será feita:

(…)

II – ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou, sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança;

 

A obrigação de se intimar pessoalmente o réu recairia somente quando estivesse preso.

Contrario sensu, os tribunais têm entendido que esse dispositivo não impõe a intimação pessoal da sentença condenatória em caso de réu solto. Basta a intimação de seu defensor. Quer dizer, a contagem do prazo processual começa a contar dessa intimação. Tal posicionamento impediria, segundo os tribunais, de se entender cerceada a defesa, pois o advogado é o representante legal apto a manejar eventual recurso. Nem mesmo em casos nos quais o advogado nenhum recurso apresentou, os tribunais têm se posicionado de maneira divergente.

Direto ao ponto: O entendimento mais moderno dos Tribunais Superiores é no sentido da não obrigatoriedade da intimação pessoal da sentença condenatória em caso de réu solto, bastando que seja intimado o seu defensor.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Dia 2 de dezembro: Dia do Advogado Criminalista

Dia 2 de dezembro: Dia do Advogado Criminalista



ÉTICA E ADVOCACIA CRIMINAL

 

 

 

Warley Belo

Advogado Criminalista

 





A lei é um sistema imperfeito, não há como se assegurar uma “Justiça” mesmo porque não existe perfeição, nem mesmo conceitual, do que seja Justiça. Mas, nós, advogados criminalistas, sabemos muito bem o que é a injustiça.





No escritório; prestes a fazer sustentação oral no pleno do TJMG;
Num júri no interior de Minas; No Tribunal de Milão / Itália. 





  

 

O recém-formado advogado encontra uma barreira muito difícil de ser rompida. É a barreira que divide os bancos escolares dos balcões do fórum. Não há dúvidas de que os livros de prática que temos no mercado são importantes instrumentos para o advogado que inicia sua vida forense. Entretanto, os modelos ali apresentados são arcabouços, bases para que o profissional possa, a partir deles, lançar mão de sua experiência para alcançar sucesso em suas petições. Essa experiência, muitas vezes, é inalcançável para aquele que inicia na prática e mesmo para os mais escolados que necessitam de uma abordagem mais aprofundada em fatos reais. Deste modo, a educação de um advogado ultrapassa em muito os portões das faculdades de Direito. Nenhuma faculdade de Direito por melhor que seja é capaz de, por si só, formar bons advogados. É a constatação de uma “pequena lacuna metódica”1. Já me deparei com doutores em Direito que não sabiam redigir uma procuração sem pegar um modelo, outros que opuseram Embargos Infringentes em decisão de Habeas Corpus, outros ainda que, como advogados de defesa, fizeram todo o trabalho da acusação em audiência de instrução, ou seja, a formação teórica é essencial, mas só ela não é capaz de descortinar todo o universo da prática porque se aprende mesmo é praticando. O ideal seria unir o conhecimento teórico e filosófico profundo com a prática amadurecida. Lembrando Eça de Queirós2,"é necessário aproveitar o que a experiência pode aconselhar, mas seguir o que a ciência ensina." Esse é o objetivo de muitos. Mas tal intento só será alcançado no limiar da vida, quando o advogado já ultrapassou os umbrais tortuosos que a labuta forense lhe impôs. O que quero dizer é que somente o que a “ciência ensina” não lhe traz, evidentemente, uma experiência prática. Pode-se ser um excelente professor teórico, mas a prática só se aprende praticando. Do mesmo modo que um prático não seria capaz de explicar com simplicidade o que é uma ação penal e nem um juiz ou promotor teriam a habilidade inata de pensar uma defesa como um advogado. Foi Calamandrei3 quem lembrou do caso do ex-magistrado que foi advogar e enlouqueceu. É necessária uma interação entre a classe de aula, fórum e escritório de advocacia. Pode-se dar uma direção, mas o traquejo de abrir um processo e encontrar soluções ou a arte de inquirir testemunhas em plenário do júri é só com o tempo e a experiência da advocacia. Como dizem, só quando a beca estiver surrada4. Nenhum livro de processo penal irá dizer para – via de regra - não fazer perguntas às testemunhas (de defesa ou acusação) se você não souber qual a resposta provável que esta lhe dará, seja para utilizá-la a favor ou demonstrar que a testemunha mente. Dentre as possibilidades de resposta de uma testemunha, você precisa saber – antecipadamente – o que fará, deve calcular os riscos de uma resposta5. Se não sabe o que ela vai responder, não pergunte. É claro que se o caso está perdido por completo é válido arriscar, mas nem sempre esta é a melhor estratégia. Isso não se encontra nos livros, se aprende na prática. Você pode até fazer um esboço dessas atividades, mas só a experiência dará a verdadeira chave para advogar com excelência. E experiência ou você adquire através de vivência, o que leva anos e é trabalho interminável, ou você aproveita a experiência dos outros. A experiência dos outros você precisa conhecê-los e ter a chance e boa vontade de fazê-los lhe ensinar o que sabem, o que nem sempre é possível. Outro caminho é através da leitura das peças práticas desses advogados, o que também está limitado a quem tem acesso ou quer pesquisar os inúmeros processos nos tribunais e fóruns. Mesmo assim, a leitura das peças ou oitiva de sustentações não permite avaliar toda a profundidade da estratégia construída até aquele ponto derradeiro.

 

Observa-se que dificilmente se vence um caso dentro do escritório. A advocacia exige que se vá ao campo dos acontecimentos, converse com pessoas, agentes policiais, com os juízes, investigue por conta própria, contratem-se pessoas especializadas para ajudar. É um complexo trabalho entre escritório e mundo externo.

 

Às vezes será necessário ir aos locais dos crimes, conversar com as testemunhas e não se encontram somente anjos nos umbrais. Por isso, advogados criminalistas tendem a ser heróis-malditos. Talvez pelo terreno perigoso que caminham, cuja ética não está muito ligada à Justiça em si6, mas aos interesses da parte que lhe contrata. É claro que o advogado deve sempre trabalhar dentro da lei, buscando o melhor Direito e lançando mão dos instrumentos do sistema para fazer o melhor pelo seu constituinte. Só assim a balança da Justiça pode ser funcional. Somente a Acusação, sem a força da Defesa, não é Justiça, é um massacre processual, uma inquisição. Mesmo que a Defesa tenha todos os instrumentos à sua disposição, mesmo assim, sabemos que inúmeros réus inocentes poderão ser condenados injustamente. A lei é um sistema imperfeito, não há como se assegurar uma “Justiça” mesmo porque não existe perfeição, nem mesmo conceitual, do que seja Justiça. Mas, nós, advogados criminalistas, sabemos muito bem o que é a injustiça7. Por vários motivos e razões. Sabemos que existe corrupção em todos os lados, policiais que mentem em juízo acreditando que estão fazendo um bem para a sociedade, juízes que percebem que os policiais estão mentindo, mas fazem “vista-grossa” e condenam o réu com esses depoimentos porque os “fins justificam os meios”. Juízes que prejudicam o réu tentando atingir os advogados porque não gostam deles. Juízes amigos da acusação, amigos do pai de uma das partes, interessados em outras questões paralelas, já presenciei muitas coisas. Ainda é comum a imprensa pré- julgar o réu e o Poder Judiciário se sentir coagido. Assim, esse, influenciado pela mídia, condena ou não concede uma liberdade provisória a um cidadão que teria este direito. E quando absolvem se sentem culpados e pressionados por aplicarem a lei. Já ouvi juiz dizer que a Constituição é uma “carta de intenções” para não aplicar a ampla defesa e o contraditório. Todo advogado tem uma história triste para contar. Paro por aqui as lamentações para aconselhar, se posso, a fazer o melhor que pudermos. Sermos o mais diligente e estudioso caso a caso porque a nossa Justiça começa com a primeira leitura do processo que se faz não só com a cabeça, mas com o coração também.

 

Isso porque não é possível ser advogado criminalista sem paixão. O terreno já é

 

árido demais para ser somente técnico. Dia após dia, ficará insustentável o estudo, a vivência com o acusado, com a família do acusado ou com a vítima. É muito choro, muita dor todos os dias do outro lado da mesa. A paixão não é um sentimento dispensável para o advogado criminalista. Sem esse sentimento, não se conseguiria muitas vezes ficar calado – ao invés de falar – somente para beneficiar o cliente. Como num jogo de xadrez, às vezes é necessário deixar de mover uma peça para alcançar o xeque-mate à frente. Ficamos mais tempo em nossos escritórios lendo processos do que com a família, do que com a namorada ou esposa ou se divertindo no cinema. Se não nos apaixonarmos pela advocacia criminal, não haverá motivação suficiente para passar finais de semana na frente de uma tela de computador quando seus amigos estão se divertindo. Os nossos oponentes ou inimigos estarão se preparando para o embate. Isso significa que a família e a vida social será prejudicada. Só nós poderemos estabelecer um balanço entre os nossos objetivos profissionais e sociais. Se houver erro da dosagem, e todos nós erramos, exageramos em uma ou noutra medida, o melhor que podemos fazer é tirar proveito da experiência de nossos erros para melhorarmos no futuro.

 

Precisamos fazer bem o nosso trabalho. Para isso, precisamos estar bem preparados tecnicamente. Mas, nem sempre, trabalhar bem significa fazer aquilo que você quer num processo ou o que o mundo espera que você faça como um conselheiro legal, mas, essencialmente, o que o seu cliente quer. Advogados criminalistas não salvam almas. Não dão conselhos para uma vida mais social ou moral. Advogados não são padres e nem psicólogos. Se você não pode com essa verdade, não seja advogado, faça um concurso público, vá viver outras realidades. A ética do advogado criminalista é defender pessoas acusadas de crime, independentemente delas serem inocentes ou culpadas.

 

É sempre uma pergunta retórica que nos fazem como é possível defendermos um criminoso? Imagino que a mesma pergunta tenha sido feita para os advogados que defenderam comunistas, negros ou judeus em diferentes épocas8. Fico a imaginar como seria defender Jesus de Nazaré e aqui vale um adendo que já tive a oportunidade de me manifestar alhures. Um cliente veio em consulta e, ao final, já de saída, avistou a imagem de Cristo que tenho na parede. Disse que se sentia mais tranquilo por estar diante de um cristão. Despedi-me sem, no entanto dizer – realmente – qual a extensão do significado de Cristo num escritório de um advogado criminalista. O momento não era propício, pois o cliente vem em busca de alívio imediato, ainda que temporário. Mas, posso aclarar agora. O crucifixo com Cristo, de presença constante nos plenários do júri e também nos tribunais, não se trata especificamente de uma escolha religiosa. O Estado é laico. Todavia, a imagem nos remonta a um clamoroso erro judiciário, cometido há dois milênios. Para os jurados e juízes, uma advertência. Para os advogados, uma lembrança. Advertência para que julguem com retidão, decidam com a devida prudência, em face da lei. Se recusem a agir como Pôncio Pilatos que, vislumbrando um inocente, “lavou as mãos”. Lembrança para que sejamos atentos. Há erros judiciários por falsas interpretações, mas também por descaso dos julgadores. O jurista italiano Piero Calamandrei9dizia que

 

“O crucifixo não compromete a austeridade das salas dos tribunais; eu só gostaria que não fosse colocado, como está, atrás das costas dos juízes. Desse modo, só pode vê-lo o réu, que, fitando os juízes no rosto, gostaria de ter fé na sua justiça; mas, percebendo depois atrás deles, na parede do fundo, o símbolo doloroso do erro judiciário, é levado a crer que ele o convida a abandonar qualquer esperança – símbolo não de fé, mas de desespero. Dir-se-ia até que foi deixado ali, às costas dos juízes, de propósito para impedir que estes o vejam. Em vez disso, deveria ser colocado bem diante deles, bem visível na parede em frente, para que o considerassem com humildade enquanto julgam e nunca esquecessem que paira sobre eles o terrível perigo de condenar um inocente.”

 

No meu caso, Cristo está à minha frente. Atrás, Themis.

 

É claro que há uma linha ideológica em defender certos “criminosos”, mas o objetivo é sempre o mesmo: trabalhar pela liberdade ou a melhor situação jurídica possível do defendente. O advogado criminalista faz parte de uma engrenagem de justiça onde se procura contextualizar o contraditório. Eu não simpatizo com homicidas, estupradores, ladrões ou corruptos, não defendo seus atos. Não quero me tornar amigo do cliente – apesar de eventualmente acontecer - nem ter outros vínculos, mesmo porque o cliente sempre associará a nossa pessoa a momentos extremamente ruins e trágicos ao ponto de não mais cumprimentar-nos em shoppings ou restaurantes, mesmo tendo sido absolvidos. Mas a questão maior é que acredito que a aplicação das regras constitucionais, da legislação processual e penal fará uma sociedade mais justa. Ninguém gostaria de viver em um país onde as leis fossem desrespeitadas a todo instante, onde as regras fossem quebradas com exceções ou violência. Isso impossibilitaria qualquer busca pelo mínimo e mais simples conceito do que se entenda por justiça. Por isso mesmo que o advogado deve sempre fazer o seu melhor, apesar das represálias, acusações moralistas e impopularidade. Nesses casos mais graves é que se deve trabalhar com mais afinco. Vide bem o que advertia a genialidade de Rui Barbosa10:

 

“Não sigais os que argumentam o grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados. Como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito.”

 

Também inocentes estão presos, condenados por fatos que não cometeram e isso significa um sistema falho. Então é muito melhor para o sistema penal saber que há advogados aplicados, aguerridos com todos os mecanismos de defesa à disposição para alcançar um julgamento onde se respeitou os direitos e não se passou por cima de valores caros para a nossa sociedade do que termos um sem número de condenações duvidosas. Um bom advogado mais ajuda do que atrapalha o bom juiz porque combate cada argumentação da acusação, exige cada mínimo direito, observa cada incongruência das provas, coloca em suas petições cada argumento favorável ao seu cliente. Isto é legítimo. É muito melhor assim do que um sistema onde se amordaçam os advogados porque se pretende que os culpados e os inocentes sejam condenados de qualquer forma.

 

No início de minha carreira, recusava sempre casos de “pedofilia”. Mas, foi a partir de um importante e dificílimo caso de uma falsa acusação de pedofilia de uma filha contra o pai, cuja defesa acabou por se tornar meu primeiro romance judicial11, que passei a defender a ideia de que o advogado não deve recusar causas por escolhas religiosas, credo, ideologia política ou preconceito de qualquer forma. Assim como um médico não pode recusar atender um paciente estuprador ou homicida, o advogado também não pode se ligar a particularidades morais do cliente ou do fato que o cliente praticou. Da mesma forma que defendemos um negro hoje, podemos defender um racista amanhã. Ser advogado de um pedófilo não significa que você será amigo dele ou que apoia o que ele fez. São coisas bastante diferentes. Devemos sempre nos defender dessas ideias preconceituosas. Até mesmo na Bíblia pode-se observar o sagrado direito da defesa, como bem pontuou Carnelutti12, quando Deus, onipotente, onipresente e onisciente, pergunta a Caim porque matou Abel, lhe dando o inalienável direito de defesa. A verdade não surge depois de um processo, esse sistema já foi implementado na inquisição, na escravatura e contra os judeus e as consequências são muito negativas para a democracia. O processo, mesmo com suas inúmeras facetas contraditórias, é, ainda, o melhor caminho em um regime democrático. O advogado deve defender e o juiz deve julgar baseado naquilo que está nos autos e na lei, apesar da verdade real ser algo inatingível.

 

Mas, nós, advogados, não devemos amar a lei nem o processo. Amemos a

 

advocacia. A lei e o processo são um caminho para se chegar a um objetivo. Se a lei está contra o Direito, é claro, lutemos pelo Direito, já dizia Couture13. O regime nazista e o apartheid foram estabelecidos pela lei e inúmeras pessoas condenadas através de processos. O SupremoTribunal, muitas vezes, já decidiu pela inconstitucionalidade de leis penais. A lei, não raro, merece ser combatida, condenada e não admirada. Somos amantes da Liberdade, da Justiça, do que a lei pode produzir e não da lei em si. Amemos, pois a advocacia criminal, não a lei criminal.

 

O Advogado precisa compreender também que o seu negócio é o Direito e não a Justiça. O Advogado tem um vínculo com seu cliente e, dentro da lei, precisa trabalhar para alcançar seu melhor benefício, assim como, do outro lado, terá um ex adversa pleiteando o maior malefício. Desta forma, como o disse certa vez em sala de aula e me deixou profundamente marcado meu admirado Professor Hermes Guerrero, o vínculo do Advogado é com o cliente e não com a Justiça. Muitas vezes o advogado consegue resultados que lhe parece injusto. Este tipo de advogado está no setor errado. Ele precisa fazer um concurso para juiz ou se tornar um professor acadêmico. Advogados sempre querem vencer a causa, este é o objetivo. Há quem diga, de maneira cínica, que o advogado nunca perde a causa, senão seu cliente. Mas a verdade é que advogados também perdem causas pelos seus clientes. Há casos em que o cliente agiu errado e, atuando dentro da lei, não se busca algo justo, mas algo que interesse ao cliente e que o beneficie como, por exemplo, uma pena menor ou estender ao máximo o andamento processual para angariar novas provas ou a prescrição ou uma pena menor, não necessariamente o resultado precisa ser uma absolvição. Com os médicos também é assim. Às vezes perdem pacientes para a doença e nem por isso são maus profissionais.

 

É muito melhor defender um culpado do que um inocente. A responsabilidade

 

do resultado é muito menor, o que vier é lucro quando o cliente é culpado. Mas quando se trata de um inocente... a história é bem diferente. Por isso, o advogado deve sempre falar abertamente com o cliente. Nunca deve prometer resultados, mas, sim, o melhor trabalho e dedicação possíveis. Advogados precisam ser extremamente honestos com os clientes. Não prometer nada a não ser o trabalho. A honestidade é mais importante do que tudo em nossa profissão. Outro meu grande professor Ariosvaldo de Campos Pires dizia que ser advogado criminalista é entrar de terno branco em um lamaçal e sair dele sem que tenha recaído sobre sua roupa uma única gota de lama. É que a moral do advogado criminalista deve ser inabalável. Trabalhamos com criminosos, peritos, policiais, juízes e promotores da área criminal. Lidamos com segredos das pessoas e não temos o direito de explorá-los ou publicá-los, mas devemos saber dos seus motivos mais profundos. Recordo-me de um caso de homicídio passional onde indaguei ao réu porque havia matado a esposa. Estava óbvio que era pela traição, mas queria saber o porquê mais primário para fazer a sua defesa e, depois de algum tempo, o mesmo me apontou que lhe era insuportável saber que um outro homem havia ejaculado por onde seus filhos nasceram. Para você buscar essa informação e trabalhar sobre ela precisa ter uma moral inabalável porque a sua área de atuação é eticamente ambígua. E a moral ou você a tem ou não.

 

Não façamos a apologia da absolvição. Via de regra, a maioria dos réus são culpados. Advogados não causam a condenação do cliente. Os clientes é que se condenam por terem cometido crimes. Nesses casos, quando se percebe que o réu é culpado, mesmo que não confesse, não devemos ser insanos ao ponto de sustentar uma defesa absurda, uma tese de “meia-verdade” porque isso é uma mentira inteira. A insanidade de “querer” ser inocente deve ficar com o cliente e não deve passar para o advogado. Nestes casos, o melhor caminho é aconselhar os benefícios da confissão.

 

O problema é que existe uma minoria de inocentes que, muitas vezes, acabam pagando pelos pecadores. Qualquer injustiça é terrível, mas a criminal é a pior de todas. Um dos maiores promotores de Justiça do Brasil, Roberto Lyra14, sensível com esta realidade apontava:

 

“Não é a absolvição do culpado, mas a condenação do inocente que afeta os fundamentos jurídicos, desacredita a Justiça, alarma a sociedade, ameaça os indivíduos, sensibiliza a solidariedade humana.”

 

De tudo isso, bem se vê que não existe um conceito universal de Justiça que, como se disse, não é ideia nova, Platão15 já o concluíra há milênios.

 

O advogado criminalista, no seu trabalho diário amealha inimigos. Como o disse Sobral Pinto16, a advocacia não é profissão para covardes e o embate gera atritos. Certamente, no nosso mister, faremos inimigos. Um advogado sem inimigos é como um rio sem água, um existe por causa do outro. Quando você assume uma causa, existem inúmeros interessados em alcançar um resultado diametralmente oposto às suas pretensões e outros advogados que gostariam de estar em seu lugar. O nosso sistema é assim, cria adversidades. Se você for um advogado e ninguém te odiar, você está fazendo algo de errado. Ser odiado por alguns é inevitável, mas saibamos escolher nossos inimigos. Conhece-se mais uma pessoa pelos seus inimigos do que pelos seus amigos.

 

Os juízes também desejam vencer, assim como os promotores. Eles querem o reconhecimento da mídia, mesmo que não admitam, querem uma promoção e o respeito pelos seus pares, evocações de inteligência e perspicácia. O advogado precisa utilizar isso a seu favor. Isso é difícil porque significa construir uma defesa tão exemplar cujo ápice é deixar a conclusão para o juiz, como se fosse o juiz quem tivesse encontrado a solução do caso e não o advogado. Aqui se lida com a vaidade humana que, ao advogado, é uma armadilha das mais ferrenhas porque quando se demonstra abertamente que o réu é inocente, por exemplo, alguns poucos juízes tendem a criar uma resistência, dão mais atenção ao que concluiu o órgão acusador, tenta encontrar falhas nas teses para derrubá-las e demonstrar assim sua superioridade frente ao advogado. Desta forma, o melhor trabalho do advogado é conduzir o juiz até a resposta desejada e não lhe entregar as conclusões prontas. E isso é uma arte das mais difíceis.

 

É claro que um juiz não quer ter a sua sentença reformada pelo tribunal, assim como um desembargador não quer sua decisão reformada por um ministro. O advogado tem que ter a sensibilidade de saber criticar elogiando e ter o cuidado de avisar entrelinhas que há um caminho mais correto, um caminho mais “justo”. O advogado deve facilitar a vida do juiz, auxiliá-lo com elementos legais e argumentos fáticos. Quanto mais duro o advogado trabalha, mais fácil é a decisão para o juiz. Nenhum promotor ou juiz querem suas peças sendo estudadas nas Academias como modelos de erros. Ao contrário, pretendem tê-las como exemplos de peças. Quando o advogado incute isso em suas peças e defesas orais, também é um vencedor, independentemente do resultado.

 

Os promotores são muito bem preparados, são inteligentes e astutos. Nunca devemos subestimá-los. Sempre imaginemo-los mais espertos, mais experientes, mais vividos, mais maldosos porque geralmente serão. Pensemos como eles, coloquemo-nos no lugar deles antes de preparar uma defesa. Lembremo-nos que eles acreditam que são “promotores de Justiça”, mesmo que sejam “promotores do que pensam que seja o certo” e, raras vezes, mudam de ideia. Alguns têm, infelizmente, a ideologia do “ao inocente, pena mínima” ou “progressão de regime é do fechado para o enterrado”. Estes são considerados heróis por isso, e acreditam nisso e querem que os outros acreditem nisso também. Boa parte da sociedade aplaude esse tipo de pensamento. Confiam no promotor ao ponto de acreditar que eles não denunciariam um inocente, que uma denúncia é quase uma sentença. No júri, as palavras do promotor valem, geralmente, mais. Há uma aceitação maior da argumentação da acusação do que da defesa. É melhor se preparar com excesso de zelo para enfrentá-los porque nem todos agem dentro da ética estrita porque a ética do promotor é diferente da ética do advogado. Eles não podem, por exemplo, esconder provas, chorar em plenário, retorcer conclusões de perícias, mas o fazem, mesmo que raramente. O promotor está obrigado a pedir a absolvição se entender que é o caso. Já o advogado não pode fazer isso, ou seja, pedir a condenação se acha o cliente culpado e nem deve colaborar com a acusação no processo fornecendo provas. Mas isso seria exigível do promotor. Ele deveria auxiliar a defesa neste sentido, buscar a verdade acima de tudo. São poucos esses promotores. Há muitos “promotores da acusação”. De qualquer modo, a nossa advocacia mais perfeita, mais até do que alcançar a absolvição, é convencer também o promotor da inocência do réu, quando pouco fazer com que o promotor não recorra de uma sentença absolutória depois de ter lutado com afinco durante todo o processo.

 

Mas, não existe um advogado perfeito. Nada é perfeito. Não existem livros perfeitos, neste mesmo trabalho que você me honra lendo, certamente encontrará erros, discordará de muitos dos meus posicionamentos. Mas não foi minha intenção escrever um artigo sem erros e nem me preocupei em agradar a todos que o lessem. Nenhum dos meus livros é isento de erros. Pode-se buscar algo bem escrito, bem fundamentado, de nível de excelência, mas dizer que é perfeito, isso não é possível. E não é o caso de nos preocuparmos com isso. Façamos o melhor, com excelência, mas não nos deixemos paralisar buscando a perfeição das peças porque a advocacia exige dinamismo, não há tempo hábil para fazer peças literárias, precisamos ser bons e rápidos não interessa que estejamos em uma delegacia de polícia especializada de manhã, à tarde fazendo sustentação oral no Tribunal e à noite preparando um júri para o dia seguinte. Quando se

 

 

passa a produzir com velocidade e profundidade necessárias – e não perfeitas - encontramos o caminho e isso será benéfico para a sua percepção de autoconfiança.

 

O advogado criminalista precisa cobrar bem porque o cliente, via de regra, só o procura uma vez. Um só crime. Se você se associar a criminosos habituais, pode até ser enquadrado como formação de quadrilha ou lavagem de dinheiro. Portanto, a advocacia é por causa, sem direito a “vale Habeas Corpus” ou defesa de um eventual crime futuro de um cliente. Nunca se deve cobrar abaixo da tabela da OAB, isso avilta a profissão e depõe contra o próprio profissional. É o primeiro passo para ser excluído do mercado. Bons advogados custam caro. A estrutura é cara, não há milagres nesta área. Baixos honorários irão exigir que se pegue mais casos o que significa menos dedicação aos casos que temos o que poderá acarretar derrotas e isso é muito ruim para o nome. Cobrando baixos honorários, o cliente também não irá lhe respeitar, eles querem ser tratados com profissionalismo, querem pagar pelo seu tempo e o seu tempo é precioso. Se você não gosta de cobrar caro, é melhor procurar uma outra profissão. Advogados cobram caro, o trabalho é duro e intenso. Se você não se sente bem com isso, saia da área enquanto é tempo. Vá procurar outras atividades, concursos públicos, faça outra faculdade. Ou, até mesmo, vá trabalhar para outros advogados ou instituições sociais que irão saber cobrar no seu lugar e irão lhe pagar um salário. Ninguém lhe força a cobrar alto, a alcançar cifras altas, mas outro caminho irá lhe tirar da profissão ou irá lhe fazer passar por momentos terrivelmente desagradáveis na sua vida pessoal e, principalmente, profissional.

 

 

 

 1 BIASOTTI, Carlos. Lições Práticas de Processo Penal. 2ª. Ed., Campinas: Millenium, 2001, p. 1.

2 QUEIRÓS, Eça. Migalhas de Eça de Queirós. São Paulo: Migalhas, 2014.

3 CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, vistos por um Advogado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, Tradução de Eduardo Brandão, p. 67.

 4 LINS E SILVA, Evandro. A Defesa Tem a Palavra. Rio de Janeiro: Aide, 1991.

5 CASTELO BRANCO, Vitorino Prata. Como se faz uma Defesa Criminal, 13ª. Ed., São Paulo: Saraiva, 1994.

6 PLATÃO.A República, Tradução de Enrico Corvisieri, São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 1997.

7 DERSHOWITZ, Alan. Letters to a Young Lawyer.New York: Basic Books, 2005.

8 Bem propício o poema de Vladimir Maiakovski, Quando os nazistas vieram atrás dos comunistas:

 

“Primeiro levaram os comunistas, mas eu não me importei,

 porque não era nada comigo.

 Em seguida levaram alguns operários, mas a mim não me afetou,

 porque eu não sou operário. Depois prenderam os sindicalistas, mas eu não me incomodei,

 porque nunca fui sindicalista.

 Logo a seguir chegou a vez de alguns padres, mas como nunca fui religioso,

 também não liguei.

 Agora levaram-me a mim,

 e quando percebi, já era tarde.”

 

9 CALAMANDREI, Piero.Eles os Juízes, vistos por um Advogado. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

 

10 BARBOSA, Rui. O Dever do Advogado. Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Aidê Editora, 1985.

 

11 BELO, Warley. O Segredo das Cartas. Florianópolis: Bookess, 2015.

 

12 CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Tradução de José Antônio Cardinalli. Conan, 1995.

 

13 COUTURE ETCHEVERRY, Juan Eduardo. Os Mandamentos do Advogado, s/d.

 

14 LYRA, Roberto. Introdução ao Estudo do Direito Penal Adjetivo e do Direito Penal Executivo. Citado por Biasotti (op. cit., p. 236).

 

15 PLATÃO. A República. Tradução de Enrico Corvisieri. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 1997.

 

16 SOBRAL PINTO, Heráclito Fontoura. Sem dados.

 

Bibliografia

 

BARBOSA, Rui. O Dever do Advogado. Fundação Casa de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Aidê Editora, 1985.

 

BELO, Warley. O Segredo das Cartas. Florianópolis: Bookess, 2015.

 

BIASOTTI, Carlos. Lições Práticas de Processo Penal. 2ª. Ed., Campinas: Millenium, 2001.

 

CALAMANDREI, Piero. Eles, os Juízes, vistos por um Advogado, São Paulo: Martins Fontes, 2000, Tradução de Eduardo Brandão.

 

CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Tradução de José Antônio Cardinalli. Conan, 1995.

 

CASTELO BRANCO, Vitorino Prata. Como se faz uma Defesa Criminal, 13ª. Ed., São Paulo: Saraiva, 1994.

 

COUTURE ETCHEVERRY, Juan Eduardo. Os Mandamentos do Advogado, s/d. DERSHOWITZ, Alan. Lettersto a Young Lawyer. New York: Basic Books, 2005. LINS E SILVA, Evandro. A Defesa Tem a Palavra. Rio de Janeiro: Aide, 1991.

 

LYRA, Roberto. Introdução ao Estudo do Direito Penal Adjetivo e do Direito Penal Executivo. Citado por Biasotti (op. cit., p. 236).

 

MAIAKOVSKI, Vladimir. Quando os nazistas vieram atrás dos comunistas. S/D. PLATÃO, A República, Tradução de Enrico Corvisieri, São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda., 1997.

  

QUEIRÓS, Eça. Migalhas de Eça de Queirós. São Paulo: Migalhas, 2014. SOBRAL PINTO, Heráclito Fontoura. Sem dados.