segunda-feira, 4 de julho de 2011

A expressão "não esteja sendo processado" como obste à suspensão condicional do processo



Warley Belo

Advogado Criminalista em Belo Horizonte / MG

Mestre em Ciências Penais



A suspensão condicional do processo é um dos pilares nacionais da chamada Justiça Criminal Consensual. É um direito subjetivo do acusado e de oferecimento obrigatório.

Diz o artigo 89, caput, da Lei 9.099/95 que, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangida ou não pela Lei dos Juizados Especiais, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

Havendo, pois, eventualmente, outro processo a que o acusado esteja respondendo, sem notícia de sentença condenatória, seria suficiente para lhe negar a suspensão condicional do processo?

O oferecimento da suspensão condicional do processo é um direito público subjetivo do réu, quando preenche os requisitos legais do art. 89 da LJE, cabendo ao Ministério Público a atribuição de propor o benefício.

Se, entretanto, o Ministério Público negar-se a oferecer aludida suspensão, ao argumento de que o acusado está sendo processado por outro crime, estará ofendendo o princípio constitucional da não-culpabilidade, inserto no art. 5º, inciso LVII da Constituição da República (1).

O princípio da não-culpabilidade estende-se também à LJE, pois impossível negar ao acusado o direito de obter a extinção da punibilidade sem julgamento, vale dizer, sem o risco de condenação, quando o óbice se assenta na pendência de outra ação penal ainda sem solução definitiva. Deve-se levar em conta a possibilidade da ação penal em curso – a que impede teoricamente o benefício - ser absolutória ou declaratória da extinção da punibilidade e não presumi-la, desde sempre, condenatória, o que geraria uma iniquidade.

Destarte, a expressão "não esteja sendo processado" contida no caput do art. 89 da Lei 9.099/95 viola o princípio da não-culpabilidade(2) e do devido processo legal(3), pois inexistem dúvidas de que a Lei dos Juizados Especiais deve também ser interpretada à luz do modelo constitucional, onde se postula a presunção de inocência.



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1 São garantias constitucionais de liberdade e cidadania: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" (art. 5º, XXXIV, da CF). "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, LVII, da CF).


2 Na esteira desse posicionamento: “A suspensão condicional do processo é um direito subjetivo do acusado e, sendo ele primário, portador de bons antecedentes e a pena mínima do delito não superar um ano, deve a ele ser ofertada a suspensão condicional do processo. [...]”. (TJMG - APELAÇÃO CRIMINAL 1.04443.03.090741-7/001 - 5ª CÂMARA CRIMINAL - RELATOR: DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO, j. 27 de fevereiro de 2007). “A existência de processos em andamento, sem solução condenatória definitiva, não tem o condão de obstar a propositura da suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95, sob pena, obviamente, de afrontar o princípio constitucional da presunção de inocência.” (TACRIMSP - Ap 1167267/5 - 8ª C. - Rel. Juiz Fernando Miranda - DOESP 2/2/2000)

3 Veja-se o correto raciocínio desses juristas: "A existência de outro processo em curso, destarte, levará o juiz a um exame mais aprofundado das chamadas circunstâncias judiciais (culpabilidade, conduta social, personalidade, motivos, etc.), mas por si só não pode ser obstáculo à suspensão do processo. Em virtude de um juízo negativo (fundamentado) das condições judiciais torna-se possível o indeferimento da mencionada via alternativa. Tal não poderá ocorrer, no entanto, com a invocação 'seca' da existência de processo em curso. As normas constitucionais [que estabelecem o princípio da presunção de inocência] ocupam hierarquia superior e não são meras peças de decoração" (Grinover, Ada et alii, "Juizados Especiais Criminais: Comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995", 2ª ed., rev., atual. e aum., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1997, p. 214). Em obra diversa, o magistério de Ada Pellegrini Grinover, em conjunto com Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes: "Enquanto o processo está em andamento, o acusado é presumido inocente. E quem é presumido inocente não pode ser tratado como condenado. Onde está escrito processado, portanto, deve ser lido condenando irrecorrivelmente, isto é, revoga-se obrigatoriamente a suspensão do processo se o acusado vier a ser condenado irrecorrivelmente por outro crime. Não importa se essa condenação tenha por objeto crime ocorrido antes ou depois da suspensão do processo. A lei não distingue". (In Juizados Especiais Criminais. 4ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 335). Luiz Flávio Gomes postulou, em outra obra: "Estando o processo em curso o acusado é reputado inocente. Logo, o legislador não pode tratá-lo como se condenado fosse" (Suspensão Condicional do Processo Penal, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 159). No mesmo sentido, Maurício Antonio Ribeiro Lopes entende que "para o impedimento à obtenção da suspensão condicional do processo, no plano objetivo, é necessário que exista condenação por outro crime com sentença transitada em julgado" (Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 391).

A ausência da proposta de suspensão condicional do processo

A ausência da proposta de suspensão condicional do processo


Warley Belo

Advogado Criminalista em Belo Horizonte / MG

Mestre em Ciências Penais



A suspensão condicional do processo é um dos pilares nacionais da chamada Justiça Criminal Consensual. É um direito subjetivo do acusado e de oferecimento obrigatório.

Diz o artigo 89, caput, da Lei 9.099/95 que, nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangida ou não pela Lei dos Juizados Especiais, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

O autor do fato, ao ser denunciado por delito que, em tese, admite a concessão do benefício e se cumpre as exigências legais, deve ser beneficiado com a aplicação da disposição relativa à suspensão condicional do processo. Não se trata de mera liberalidade outorgada ao Ministério Público, mas de verdadeira obrigação. É necessária, assim, a realização de uma audiência para esta manifestação ministerial. Se o representante do Ministério Público entender não ser cabível o sursis processual, deve fundamentar a recusa do oferecimento da referida proposta, sob pena de nulidade absoluta do processo por claro desrespeito ao due processo of law.

Claro fica que a recusa da proposta concretamente motivada não acarreta, por si só, em ilegalidade ou abuso ministerial sob nenhum aspecto (1). Mas, o que não pode ocorrer é a silência ministerial, ouse seja, nem oferece e nem recusa.

O acusado não pode ficar à mercê da prestação jurisdicional.

Neste aspecto, o procedimento está nulo pela falta de cumprimento de um determinado ato processual agravado por ser uma não concessão de oportunidade legal benéfica ao denunciando.

Deste modo, o Ministério Público também está obrigado a fundamentar a negativa em oferecer a proposta de suspensão do processo, não bastando, para tanto, mencionar genericamente a condição legal e afirmar que o acusado não a satisfaz, mas apontar por quais motivos seria incabível o benefício (2).

Não oferecida a proposta e nem fundamentada a sua negativa, a hipótese é de nulidade a partir da denúncia, inclusive. Não se pode tolerar tamanha ofensa ao devido processo legal com o impedimento a priori de eventual incidência de causa extintiva da punibilidade.

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1 REsp 1079596 / SP Recurso Especial 2008/0171039-8 Relator(a) Ministro Arnaldo Esteves Lima e TJMG, 5.ª C.Crim., Ap. n.º 1.0313.06.210907-6/001, Rel. Des. Alexandre Victor de Carvalho, v.u., j. 07.08.2007; pub. DOMG de 25.08.2007.


2 “Em razão da natureza da proposta de suspensão do processo, que não significa arbítrio, senão um poder-dever do Ministério Público, uma conseqüência a mais pode ser lembrada: sempre que uma denúncia versar sobre crime cuja pena mínima não exceda um ano, tem a obrigação de pronunciar sobre a suspensão: em sentido positivo ou negativo, fundamentadamente.” (in Grinover, Ada Pellegrini et all, “Juizados Especiais Criminais, Comentários à Lei nº 9.099, de 26.09.1995”, 2ª edição, São Paulo, RT, 1997, p. 274).