segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Cabe Lei Maria da Penha para Homens?



Warley Belo
Advogado Criminalista


Introdução:

Nossa análise sobre a aplicação da Lei Maria da Penha em casos envolvendo homens como vítimas de violência doméstica. 


Caso Ocorrido:

A motivação do texto foi o caso ocorrido em 14 de janeiro de 2024 onde a Polícia Militar interveio em um incidente onde um homem manteve o namorado refém em um apartamento, desencadeando debates sobre a extensão da Lei Maria da Penha à proteção de homens.


Quem Tem Direito a Medidas Protetivas na Lei Maria da Penha:

A Lei Maria da Penha é destinada exclusivamente à proteção de mulheres em situações de violência doméstica. As medidas protetivas da Lei Maria da Penha estão nos artigos 18 a 23, especificamente:


Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

VI – comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação; e 

VII – acompanhamento psicossocial do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.


No ano de 2022, a aplicação da Lei foi estendida para incluir mulheres transgênero. A decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), baseando-se no conceito de violência "baseada no gênero", não no "sexo biológico".


O Que Significa "Mulher Trans"?

Uma mulher trans é aquela à qual foi atribuído o sexo masculino ao nascer, mas cuja identidade de gênero é feminina. O artigo 5º da Lei Maria da Penha, ao definir seu âmbito de incidência, refere-se à violência "baseada no gênero", e não no “sexo biológico”. Mulheres trans podem ser heterossexuais, bissexuais, homossexuais, assexuais. É muito mais uma questão de autoidentificação.


Casos de Medidas Protetivas específicas na Legislação:

Além da Lei Maria da Penha, outras legislações garantem medidas protetivas, evidenciando a preocupação com diferentes grupos vulneráveis. 

As medidas protetivas para criança e adolescente estão nos artigos 15 ao 21 da Lei Nº 14.344/22 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (artigos 98 a 102).

No Estatuto do Idoso também há (artigos 43 a 45). 

Além da mulher, mulher trans, criança, adolescente e idoso, temos medidas protetivas na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei Nº 13.146/2015) no art. 10, par. ún. e na Lei de Migração (art. 4º, inc. IV).

É idoso a pessoa maior de 60 anos e deficiente a pessoa com impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.

Em resumo, possuem medidas protetivas específicas (não são todas iguais):

  1. Mulher;

  2. Mulher trans;

  3. Criança (até doze anos de idade incompletos);

  4. Adolescente (entre doze e dezoito anos de idade);

  5. Idoso (acima de 60 anos);

  6. Qualquer deficiente (físico, mental, intelectual ou sensorial);

  7. Migrante.

Em termos legais, esses grupos são contemplados com medidas protetivas específicas. Os homens adultos não possuem essa proteção específica, mas é importante destacar que eles podem buscar proteção por meio das medidas cautelares do Código de Processo Penal.


Desafios para Homens Buscando Proteção:

Homem vítima de violência doméstica não tem direito às medidas protetivas da Lei Maria da Penha e nem há legislação específica. Entretanto, de acordo com o art. 129, § 9º, do Código Penal, tanto o homem quanto a mulher podem ser vítimas de violência doméstica, não fazendo a lei restrição ao sujeito passivo. 

Art. 129, CP

Violência Doméstica  

§9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: 

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. 


A vítima homem, apesar de não poder contar com medidas protetivas estabelecidas na Lei Maria da Penha, para que não fique desamparada de medidas eficazes para a sua proteção, poderá requerer a decretação das medidas cautelares previstas no Código de Processo Penal, especialmente aquelas arroladas nos incisos II e III do artigo 319.


Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

[…] 

II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; 

III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;


Mas, enquanto para a mulher basta procurar a Delegacia da Mulher ou a Delegacia de Polícia mais próxima, e relatar a violência sofrida, para o homem se faz necessário comprovar o que chamamos de fummus commisi delicti e o periculum libertatis como pressupostos inarredáveis para decretação de medidas cautelares no processo penal (ou mesmo na fase pré-processual). Ou seja, não militará uma presunção de violência e de necessidade da medida baseada apenas na palavra do homem, deve-se fazer uma prova cabal do argumentado. Precisa de “prova da existência do crime e indício suficiente de autoria” (requisito) ao lado do que seriam os fundamentos legais capazes de dar vazão a decretação. 


Conclusão:

Apesar da evolução da Lei Maria da Penha, a ausência de amparo direto para homens em casos de violência doméstica destaca a necessidade de uma revisão abrangente nas políticas de proteção às vítimas. No caso ocorrido em BH, somente se o homem vítima se autoconsiderasse "mulher trans" caberia a aplicação da Lei Maria da Penha, caso contrário, resta socorrer-se na aplicação do CPP. Entendemos que a igualdade perante a lei é essencial para uma sociedade justa.