TOBIAS BARRETO: ALGUMAS IDÉIAS SOBRE O CHAMADO FUNDAMENTO DO DIREITO DE PUNIR
TOBIAS BARRETO: ALGUMAS IDÉIAS SOBRE O CHAMADO FUNDAMENTO DO DIREITO DE PUNIR
Há homens que têm o dom especial de
tornar incompreensíveis as coisas mais simples deste mundo, e que ao conceito
mais claro, que se possa formar sobre esta ou aquela ordem de fatos, sabem dar
sempre uma definição, pela qual o axioma se converte de repente em um enigma do
esfinge.
A esta classe pertencem os
metafísicos do direito, que ainda na hora presente encontram não sei que
delícia na discussão de problema insolúveis, cujo manejo nem sequer tem a
vantagem comum a todos os exercícios de equilibrística, isto é, a vantagem de
aprender-se a cair com uma certa graça.
No meio de tais questões sem saída,
parvamente suscitadas, e ainda mais parvamente resolvidas, ocupa lugar saliente
a célebre questão da origem e fundamento do direito de punir.
É uma espécie de adivinha, que os
mestres creem-se obrigados a propor aos discípulos, acabando por ficarem
uns e outros no mesmo estado de perfeita ignorância, o que aliás não impede que
os ilustrados doutores, na posse das soluções convencionadas, sintam-se tão felizes
e orgulhosos, como os padres do Egito a respeito dos seus hieróglifos.
Eu não sou um daqueles – é bom notar
– não sou um daqueles, que julgam fazer ato de adiantada cultura científica,
eludindo e pondo de parte todas as questões, de caráter másculo e sério, sob o
pretexto de serem tantas bolhas de sabão teoréticas, outros tantos quadros de
fantasmagoria metafísica. É preciso não confundir a impossibilidade de uma
solução com a incapacidade de levá-la a efeito. A metafísica não é, por si só,
um motivo suficiente de menosprezo, ou de indiferença para com certos
assuntos.
O que se costuma chamar um problema
metafísico, no sentido de imprimir-lhe a nota de questão ociosa e fútil, não é
muitas vezes, senão um problema falso, ou falsamente enunciado.
Ainda hoje é exato, o que disse Kant
– que a metafísica é aceitável; se não como uma ciência, ao menos como uma
disposição natural; e nada existe, portanto, de mais ridículo do que a fátua
pretensão de certos espíritos, que querem abolir, uma vez por todas, ess mesma
disposição, inerente à alma humana, como ela até hoje se tem desenvolvido,
tanto quanto lhe é inerente à poesia, o sentimento estético em geral.
E o ridículo de tal intuito aumenta
de proporções, ao considerar-se que é em nome de Augusto Comte que atacam a
metafísica e relegam-na sem piedade para o país dos silfos e gnomos.
Porquanto é um fato histórico, uma notícia comum aos homens competentes, que os
maiores golpes recebidos pela metafísica vieram da mão de Hume, ao qual, quando
outras glórias lhe faltassem, bastaria o mérito imenso de haver provocado a
crítica de Kant, que foi, por assim dizer, a confirmação em última instância,
mas sobre a base de outras e mais fundas razões, do veredictum lavrado pelo
valente céptico inglês.
Quando hoje pois se diz, como se ouve
dizer a cada momento, e sem reserva ou restrição alguma, que a metafísica está
acabada, isto prova apenas que há, da parte de quem assim o afirma, um total
desconhecimento da história da filosofia, onde há fenômenos periódicos, não
raras vezes intervalados por séculos, que apresentam a cada geração um caráter
de novidade.
É o mesmo que se dá com os fatos do
mundo físico. Um cometa, por exemplo, que faz a sua evolução em duzentos
ou trezentos anos, não pode deixar de sempre aparecer ao grosso da humanidade
como uma coisa estupenda, como um sinal de castigo divino. Assim também o
grosso dos diletantes se compraz em dar, como sucessos especiais dos nossos
dias, fe - nômenos que mais de uma vez já se manifestaram no curso dos tempos,
e que atualmente não são mais do que uma repetição.
Destarte, quem não sabe que hoje é
moda desdenhar da metafísica como de uma rainha sem trono, uma espécie de
Isabel de Bourbon, decaída e desacreditada? Mas será isto um fato novo,
exclusivamente próprio da nossa época? Não decerto.
No prólogo da Kritik der reinen
Vernunft, que é datado de 1781, dizia Kant: Jetzt bringt es der Modeton des
Zeitalters so mit sich, ihr (der Metaphysik) alle Verachtung zu beweisen, und
die Matrone klagt, verstossem und verlassem, wie Hebuba: modo maxima rerum, tot
generis natisque potens – nunc trahor exul, inops... (Presentemente o tom da
moda consiste em motrar todo o desprezo para com a metafísica; e a matrona
repelida e abandonada se lastima como Hécuba... modo maxima etc., etc.) Não
parece escrito por um nosso contemporâneo, que fizesse o diagnóstico do estado
atual da filosofia?
Não se julgue entretanto que, assim
me exprimindo, eu queira quebrar uma lança em favor dos velhos e novos
fantasmas racionais, que teimam em fazer-nos a geografia do absoluto, com o
mesmo grau de segurança, com que porventura se nos faz a descrição de um país
da Europa.
A metafísica tem um domínio seu, tem
um domínio próprio, onde ela nada produz de positivo, é verdade, mas donde
também não pode ser expelida; e Kant mesmo já dissera que à razão humana, em
uma espécie dos seus conhecimentos, coube em partilha o singular destino de ser
atormentada por questões, de que ela não pode abrir mão, porque são-lhe
impostas pela sua natureza, mas que também não podem ser por ela resolvidas,
porque estão acima da sua capacidade.
É nessa espécie de conhecimentos,
nesse meio que constitui, por assim dizer, a atmosfera da razão, que a
metafísica se move e há de sempre mover-se, a despeito de todas as pretensões
em contrário.
Julguei precisa esta excursão
preliminar, para bem acentuar a minha atitude em relação ao modo de ver que
hoje predomina no nosso acanhado mundo intelectual.
No correr do presente escrito, eu
terei ao certo de falar desdenhosamente da metafísica, mas de uma tal, que se
constrói, onde ela não é de maneira alguma admissível, da metafísica retórica,
sem base racional e, o que mais é, feita por homens, em geral, destituídos de
cultura filosófica.
O direito criminal é um, dentre os
conhecimentos, logicamente organizados, que menos devia tolerar a invasão dos
maus efeitos dessa psicose, que tanto dano há causado ao espírito científico,
porém que, ao invés disto, continua a ser uma das maiores vítimas da importuna
mania filosofante. É o que passamos a apreciar.
I
O direito de punir é um conceito
científico, isto é, uma fórmula, uma espécie de notação algébrica, por meio da
qual a ciência designa o fato geral e quase cotidiano da imposição de penas aos
criminosos, aos que perturbam e ofendem, por seus atos, a ordem social.
Pôr em dúvida, ou perguntar
simplesmente, se existe um tal direito, importa perguntar: 1º, se há com efeito
crimes ou ações perturbadoras da harmonia pública, e se o homem é realmente
capaz de praticá-las; 2º, se a sociedade, empregando medidas repressivas contra
o crime, procede de um modo racional e adaptado ao seu destino, se satisfaz
assim uma necessidade que lhe é imposta pela mesma lei da sua existência.
A resposta à primeira pergunta é
intuitiva: qualquer que seja a causa que os determine, é inegável que há na
vida social fatos anômalos, de todo opostos ao modo de viver comum, que
perturbam a ordem de direito; e quando fosse pelo menos dubitável que tais
fenômenos partissem de uma causa livre e capaz de responder por seus atos, como
é costume afigurar-se o homem, uma coisa seria certa: é que o indivíduo, a que
se dá o nome de criminoso, quando ele se põe em conflito com a lei penal, é em
todo o caso a condição ou, se quiserem, a ocasião de um mal, que importa
repelir.
A teoria romântica do crime-doença,
que quer fazer da cadeia um simples apêndice do hospital, e reclama para o
delinqüente, em vez da pena, o remédio, não pode criar raízes no terreno das
soluções aceitáveis. Porquanto, admitindo mesmo que o crime seja sempre um
fenômeno psicopático, e o criminoso simplesmente um infeliz, substituída a
indignação contra o delito pela compaixão da doença, o poder público não
ficaria por isso tolhido em seu direito de fazer aplicação do salus populi
suprema lex esto e segregar o doente do seio da comunhão.
O romantismo socialístico não pode
chegar ao ponto de contestar ao Estado a faculdade de policiar ao menos no
sentido de prevenir que o contágio dos leprosos prejudique a parte sã da
sociedade. E aí se acha contida a resposta à segunda questão; o direito de
punir é uma necessidade imposta ao organismo social por força do seu próprio
desenvolvimento.
A teoria que por mero gosto de
levantar pontos de interrogação, onde já existem pontos finais, ainda
problematiza esse direito, intuitivo e líquido, é irmã daquela outra que tinha
coragem de perguntar com todo o sério, se não era possível a existência de uma
nação ou de um estado sem território próprio; verdadeira extravagância, que
hoje dificilmente ocupará a atenção de um espírito desabusado.
Ora, assim como a ideia de um
território entra na construção do conceito do Estado, da mesma forma a idéia do
direito de punir é um dos elementos formadores do conceito geral da sociedade;
e assim como não passa de um estéril exercício de sofística política a
pretensão de converter em um status causar et controversiae uma das primeiras
condições da existência de um povo organizado, a condição geográfica, a base
puramente geométrica de uma área territorial, onde ele tenha assento – ao que
se reúne o puro fato aritmético de uma população correspondente – do mesmo modo
não passa de uma frase oca do sentimentalismo liberal a afirmação, real ou
aparentemente sincera, da inadmissibilidade de um direito de punir, capaz de
justificar o poder que tem a sociedade de impor penas aos que reagem contra a
ordem por ela estabelecida.
A indagação da origem do direito de
punir é um fenômeno sintomático, de natureza idêntica ao da velha pesquisa
psicológica da origem das idéias. E, coisa singular, estas duas manias tornaram-se
epidêmicas numa mesma época, em tempos doentios de ilusões e divagações
metafísicas(1) .
Para prová-lo, se preciso fosse,
bastaria notar, por exemplo, que a época dos Broglie e dos Rossi coincide
justamente com os dias venturosos, em que Cousin entretinha a sua platéia de
dois mil espectadores com a origem e formação das idéias, com o finito e o
infinito e a relação do finito ao infinito, verdadeira bagatela supinamente
ridícula e, mesmo assim, plagiada de Vico, para quem Deus era Posse, Nosse et
Velle Infinitum, e o homem nosse, velle, posse finitum, quod tendit ad
infinitum.
Não admira por conseguinte que se
fizesse tanto barulho, para defender ou impugnar a chamada justiça moral do
direito de punir, em uma quadra, na qual os filósofos trabalhavam com unhas e
dentes para descobrir a raiz celeste do pensamento humano, que entretanto é um
filho da terra, como Encelado, e ainda maior que o gigante quando se chama
Haeckel ou Darwin.
O direito de punir, como em geral
todo o direito, como todo e qualquer fenômeno da ordem física ou moral, deve
ter um princípio; mas é um princípio histórico, isto é, um primeiro momento na
série evolucional do sentimento que se transforma em idéia, e do fato que se
transforma em direito(2). Porém essa base histórica ou, antes, pré-histórica,
considerada em si mesma, explica tão pouco o estado atual do instituto da pena,
como o embrião explica o homem, como a semente a árvore.
E daí vem que mais de um espírito,
não compreendendo a possibilidade de grandes efeitos produzidos pela soma de
coisas pequeninas, acham inconcebível uma justiça puniente, que tenha saído do
fato bárbaro, brutal, da guerra de todos contra todos, da luta pela existência
em sua primitiva rudeza, do mesmo modo que, por exemplo, o rosto lindo e
encantador de uma menina de 13 anos, cuja boca é um antozoário, e que apenas
começa a saber olhar e a esconder os pequenos seios túmidos, como se sói
encapotar os pomos maturescentes para as aves não beliscarem, é entretanto o
resultado de milênios sobre milênios de um processo natural, lento e contínuo,
na diferenciação e integração de formas, que acabaram por afastar-se de todo da
grosseira disposição original da estrutura feminina.
Mas esta é a verdade: no círculo da
natureza, onde até a beleza é a expressão de uma vitória, nada existe que não
seja o produto de um desenvolvimento, ou este se conte por minutos, ou por
miríade s de séculos. E tendo-se em vista o imenso espaço de tempo necessário
para a explicação de certos fenômenos de transição tão lenta, que se nos
afiguram estacionários e fixos – é evidente que a humanidade, como tudo que
lhe pertence a título de propriedade, herdada ou adquirida, não passa de
uma parvenue. Ainda ontem macaca – e hoje fidalga, que renega os seus avós e
vive à cata de pergaminhos para provar a sua nobreza, como filha unigênita dos
deuses.
No mesmo caso está a moral no mesmo
caso o direito; ainda ontem força e violência, ainda ontem simples expressão de
experiência capitalizada no processo de eliminação das irregularidades da vida
social, e já hoje alguma coisa que se impõe, sub specie aeterni, ao nosso culto
e à nossa veneração.
II
Ou o direito seja, como diz Rudolf
von Ihering, o conjunto das condições de existência da sociedade, asseguradas
por uma coação externa, isto é, pelo poder público(3), ou se defina mais
concisamente segundo Wilhelm Arnold, uma função da vida national... (4), ou
seja enfim o que quer que seja, que não se pode conter dentro dos limites de
uma definição, o certo é que o direito, da mesma forma que a gramática, da
mesma forma que a lógica, é um sistema de regras e, como tal, um produto de
indução, um edifício levantado sobre base puramente experimental.
Em face da ciência moderna, o velho
racionalismo jurídico, que se esforçava por descobrir no direito um elemento
apriorístico, anterior e superior a toda experiência, já é um erro
indesculpável, um testemunho de pobreza, indigna de compaixão.
Verdade é que, no estado atual da
cultura humana, a idéia do justo, pelo grau de abstração a que tem chegado, se
nos mostra como uma coisa que sai do fundo do espírito mesmo, se não, antes,
como um presente que nos vem do céu. Mas há neste, como em muitos outros pontos
atinentes ao progresso da vida racional, uma completa ilusão: julgamos um dom
divino, um privilégio da nossa inteligência, aquilo que apenas um sedimento dos
séculos, um resultado do labor dos tempos.
O que disse Haeckel a respeito dos
chamados conhecimentos a priori, designados na escola pelo nome de princípios,
idéias e verdades primeiras, isto é, que todos eles são baseados na
experiência, como sua única fonte, que todos eles são conhecimentos a
posteriori, que pela herança e adaptação, chegaram a tomar o caráter de
conhecimentos a priori(5), é também exato em relação ao direito.
E em relação ao direito, sobretudo.
Porquanto, se a respeito de outras noções, reputadas ingênitas, não estamos
hoje no caso de remontar a corrente histórica e indicar a época e o povo, de
quem herdamo-las ainda em estado de produto experimental, o mesmo não sucede
com o direito, cuja transfiguração em princípio eterno e absoluto, como se exprimem
os noólogos, é de data mui recente.
Assim os romanos, que tiveram em ato
grau o senso jurídico, os romanos que definiam a juris prudência... “o
conhecimento das coisas divinas e huma - nas” – nunca entretanto se elevaram à
ideia de um direito racional, independente dos fatos. O conceito geral,
que eles formavam, era o da soma de uma pluralidade de casos, unificados pela
indução.
Pompônio disse: “Jura constitui
oportet, ut dixit Theophrastus, in his quae plerunque accidunt, non quae
praeter exspectationem”. Ao que Celso acrescentou: “Ex his quae forte uno
aliquo casu accidere possunt, jura non constituuntur.”(6) É justamente a
fórmula de uma operação indutiva, que nada tem que ver com dados apriorísticos
e idéias hipersensíveis.
O que hoje, pois, a mais de um olhar,
pouco afeito à contemplação da realidade, se apresenta como uma concepção
inerente à natureza da razão humana, qualquer que seja o estado do seu
desenvolvimento, os romanos consideravam um resultado de um progresso social.
Disto nos dá testemunho, entre outras, a Lei 2 do Dig. de origine juris (1, 2),
onde Pompônio fala de um... juris processum, no sentido do devenir, do werden
histórico da intuição hodierna, como pudera demonstrá- lo qualquer jurista dos
nossos dias, nos quais – segundo diz George Meyer, professor universitário de
Jena – se existe uma verdade que se lisonjeie de geral aceitação no mundo
jurístico, é a positividade de todo direito(7) .
Deste modo o elemento metafísico e
especulativo que alguns filósofos atrasados ainda conservam no domínio das
ciências jurídicas, e que tem ares de concepções a priori, é um efeito do
tempo. O chamado direito natural não é mais do que uma espécie de álgebra do
direito positivo: aquele opera com idéias, que assemelham-se a letras, a
quantidades indeterminadas, e este com fatos, que são como números certos e
definidos. Há porém sempre uma diferença: é que a álgebra não se mostra falível
em suas aplicações, ao passo que o direito natural não raras vezes se alimenta
de hipóteses e conjeturas, que não se ajustam com a realidade. O que é verdade
do direito em geral, acentua-se com maior peso quanto ao direito de punir, cujo
processus histórico tem sido mais rápido e mais cheio de transformações,
trazendo contudo ainda hoje na face sinais evidentes de sua origem bárbara e
traços que recordam a sua velha mãe: a necessidade brutal e
intransigente.
“Não é um erro afirmar, diz Hermann
Post, que primitivamente pena e sacrifício humano foram uma e a mesma coisa, e
que destarte a origem do direito de punir deve ser procurada nesse mesmo
sacrifício”(8). E tal é indubitavelmente a idéia que deveu repousar no fundo da
pena em sua forma primitiva, quando é certo que ainda hoje essa idéia
acompanha, consciente ou inconscientemente, a execução de qualquer pena.
Não se diz mais, é verdade, querer-se
aplacar, com o castigo infligido ao criminoso, os deuses irritados, ou serenar
os manes da vítima do crime; mas quase que se procede de acordo com esta
intuição, guardadas apenas as diferenças determinadas pela cultura
ulterior.
Com efeito, mesmo na ora presente, o
que vem a ser em última análise a imposição, por exemplo, da pena de morte a um
delinqüente, senão uma espécie de sacrifício a um novo Moloch, a um ignoto
deo da justiça, que se pretende ver vingada e satisfeita?
Podem frases teoréticas encobrir a
verdadeira feição da coisa, mas no fundo o que resta é o fato incontestável de
que punir é sacrificar – sacrificar, em todo ou em parte, o indivíduo ao bem da
comunhão social – sacrifício mais ou menos cruel, conforme o grau de
civilização deste ou daquele povo, nesta ou naquela época dada, mas sacrifício
necessário, que, se por um lado não se acomoda à rigorosa medida jurídica, por
outro lado também não pode ser abolido por efeito de um sentimentalismo
pretendido humanitário, que não raras vezes quer ver extintas por amor da
humanidade coisas, sem as quais a humanidade não poderia talvez existir.
III
De envolta com o sacrifício, que
constitui o primeiro momento histórico da pena, além da expiação que lhe dá um
caráter religioso, já se acha o sentimento da vingança, que os deuses de então
têm de comum com os homens e os homens com os deuses. À medida porém que vai
decrescendo o lado religioso da expiação, aumenta o lado social e político da
vindicta, que permanece ainda hoje como predicado indispensável para uma
definição da pena.
Como o desenvolvimento da língua de
um povo é muito mais vagaroso que o das suas instituições, modificadas sob esta
ou aquela influência, vemos a palavra poena, que é derivada ou aparentada
com poenitet, cujo conceito envolve o arrependimento, isto é, um modo de
sentir, no qual vai sempre uma certa dose de religiosidade, vemo-la, sim, já de
todo destituída do seu conteúdo primitivo e significando unicamente a vingança
pública exercida contra o criminoso: poena est noxae vindictae... (50, 16. L.
131.)
E esta idéia da vindita, que vigorou
no direito penal dos romanos, que estendeu-se mesmo a tempos muito posteriores,
não foi arredada, como costumam afigurar-se, pelas chamadas teorias do direito
de punir; teorias que, como todas do mesmo gênero, não fazem mais do que
procurar prender às leis da racionalidade moderna uma velha coisa bárbara e absurda,
posto que necessária, qual é a pena, sem que daí resulte a mínima alteração na
natureza do fato.
É pouco mais ou menos o mesmo que se
dá com outras instituições de antiga data, a realeza, por exemplo, para a qual
também os teoréticos hodiernos buscam um meio de explicação, isto é, um modo de
racionalizá-la e adaptá-la ao estado de cultura atual, sem que por isso
entretanto ela deixe de ser o que sempre foi: uma anomalia, uma excrescência do
corpo social, que aliás não tem por si a razão da necessidade imperiosa e
fatalmente indeclinável.
Os criminalistas que ainda julgam-se
obrigados a fazer exposição dos diversos sistemas engendrados para explicar o
direito de punir, o fundamento jurídico e o fim racional da pena, cometem um
erro, quando na frente da série colocam a vindita. Porquanto a vindita não
é um sistema; não é, como a defesa direta ou indireta, e as demais fórmulas
explicativas ideadas pelas teorias absolutas, relativas e mistas, um modo de
conceber e julgar, de acordo com esta ou aquela doutrina abstrata, o instituto
da pena; a vindita é a pena mesma, considerada em sua origem de fato, em sua
gênesis histórica, desde os primeiros esboços de organização social, baseada na
comunhão de sangue e na comunhão de país, que naturalmente se deram logo depois
do primeiro albor da consciência humana, logo depois que o pitecantropo
falou... et homo factus est.
A mais alta expressão da vindita é o
talião, que firma-se na idéia da conservação do equilíbrio fisio - lógico no
organismo dos povos, e que devendo ter aparecido bem antes da formação dos
estados, nas pe - quenas politeias ou sociedades rudimentares, ainda nos tempos
hodiernos, a despeito de todo progresso cultural, conserva um resto de sua
força primitiva na consciência popular.
É assim que vê-se o filho órfão
guardar a bala, de que pereceu seu pai, para devolvê-la, em ocasião oportuna,
ao peito do assassino.
É assim que o homem do povo a quem a
calúnia feriu no mais fundo da sua dignidade, não tem outra ideia senão a de
cortar a língua do seu caluniador.
É ainda assim que, nos atentados
contra a honra feminina, não raras vezes a desafronta só se dá por justa e
completa, castrando-se o delinquente. São fatos estes que nada têm de
exclusivamente próprios de bárbaras eras passadas, pois eles se repetem nos nossos
dias.
São fatos que traduzem sentimentos
naturais do espírito do povo, o qual nunca se deixa determinar em seus atos por
idéias abstratas e estremes de qualquer paixão. Para ele o sentimento da
justiça, que por si só seria incapaz, mesmo por ser relativamente moderno, de
dar origem à instituição da pena, se confunde, a fazer um só, com o sentimento
da vingança, que é o momento subjetivo do direito de punir, e que não foi
absorvido ou aniquilado pelo poder público, nem mesmo nos estados modernos, onde
existe reconhecido o direito individual da queixa ou o direito de promover a
acusação criminal por uma ofensa recebida, o qual nada mais nem menos importa
do que o reconhecimento da justa vindita do ofendido.
E tanto assim é, que atualmente a
ciência jurídica ocupa-se com a seguinte questão: se deve haver monopólio do
Estado em relação à queixa e acusação criminal, ou se é sempre admissível a
ação popular, a acusação subsidiária do indivíduo – questão que tende aliás a
ser definitivamente resolvida no sentido afirmativo da primeira hipótese,
acabado com esse resto de herança do direito romano, pelo qual o direito
criminal ainda conserva em muitos pontos o caráter misto de jus publicum e jus
privatum; porquanto o pensamento fundamental do sistema penas dos romanos era
justamente que a comunhão vingava os crimes contra ela mesma cometidos; ao
contrário, naqueles perpetrados contra o indivíduo, ela esperava a queixa do
ofendido e, por este caminho, auxiliava-o a fazer valer o seu direito(9)
.
Mas isto mesmo confirma a doutrina de
que a vingança pessoal é a base psicológica da pena, que tem perdido pouco a
pouco essa feição primitiva, à proporção que, com o nascer e crescer das
sociedades em suas diversas formas, vão sendo substituídos aos interesses subjetivos
do indivíduo os alvos ideais da comunhão social.
Aqui entretanto importa observar que
as teorias especulativas do direito de punir, além de muitas outras, cometem a
falta de procurar o fundamento racional da pena, abstratamente considerada, sem
atender ao desenvolvimento histórico do seu correlato, isto é, o crime.
Com efeito, o crime, como fato
humano, como fenômeno psicofísico, tem um caráter histórico universal, pois ele
se encontra em todos os graus de civilização e de cultura; mas isto é somente
verdade a respeito de um certo número de fatos, que à semelhança das doenças
resultantes da própria disposição orgânica, poderiam qualificar-se de crimes
constitucionais, crimes que se originaram, logo em princípio, da própria luta
pela existência, e que são, como tais, inerentes à vida coletiva, ao contato
dos homens em sociedade.
Neste caso estão o homicídio, o furto
e poucos outros atos, com que cedo e bem cedo o homem pôs-se em conflito com
uma ordem de direito estabelecida. Não assim porém quanto a delitos, que
ulteriormente foram aparecendo, como resultados de novas complicações e
necessidades sociais. A pena imposta a estes crimes não pode sair da mesma
fonte, não tem o mesmo fundamento que a que se impõe àqueles primeiros, Assim,
quando este ou aquele Estado pune, por exemplo, os atentados contra a sua
integridade, contra a honra e a dignidade nacional, é claro que existe aí outro
princípio determinante da pena, que não o que determina a punição do
assassinato, do ferimento, do roubo etc., etc.
A respeito dos chamados crimes
públicos em geral a sociedade é levada, na imposição das penas, por motivos
diversos, conscientes ou inconscientes, dos que a dirigem a respeito dos crimes
particulares; donde é concludente que a célebre questão do direito de punir,
suscitada in abstracto sem distinguir e apreciar a natureza dos fatos puníveis,
que não têm todos o mesmo caráter, nem se deixam medir pela mesma bitola, já
envolve, sob este único ponto de vista, uma verdadeira insensatez. Porquanto,
dado mesmo que se achasse um fundamento racional e filosófico da pena, que
incontestavelmente se prestasse a explicar a punição de um grande número de
crimes, um outro grande número ficaria ao certo fora desse círculo.
A razão que tem a sociedade para
punir o homicídio, por exemplo, não é a mesma que lhe serve de norma para
decretar penas, verbi gratia, contra a rebelião, a sedição, a conspiração e
outros iguais delitos, que põem em perigo a sua vida de direito, que afetam,
parcial ou totalmente, as condições de sua existência, ou vão de encontro a
qualquer das leis do seu desenvolvimento.
E neste sentido pode-se então afirmar
que, em relação a uma certa espécie de crimes, o direito que a sociedade
exerce com a sua punição, é justamente o direito de legítima defesa.
Por exemplo: os niilistas na Rússia
não têm outro intuito (justo ou injusto, é questão à parte), senão o de acabar
com a vigente ordem de coisas, assestando de preferência as suas armas contra o
chefe da nação; portanto, quando o Estado, tão seriamente ameaçado, se apodera
de tais inimigos, para julgá-los, e condená-los, não tem também outro intuito
senão o da própria defesa, o da própria conservação. O pretendido elemento
ético da pena, de que tanto fabulam, sobretudo os criminalistas franceses, se aí
aparece, é somente naquela dose em que ele se fazia sentir, há dez anos, ao
supliciar-se os homens da comuna, isto é, em dose nenhuma.
A combinação binária da justiça moral
com a utilidade social, que se costuma dar como uma solução satisfatória do problema
da penalidade, eu deixo aos metaquímicos do direito, que conhecem perfeitamente
a natureza daqueles dois sais e as proporções exatas em que eles devem ser
combinados, a tarefa de explicá-la e demonstrá-la perante os seus discípulos,
dignos de melhores mestres.
Eu não conheço bem nem uma nem outra
coisa; razão por que até ignoro, qual é a parte de justiça moral existente
porventura na pena de multa, na pena de dinheiro, que entretanto parece
destinada a ser num futuro mais ou menos remoto, o sub-rogado de um grande
número de penas. Não sei como da adição ou multiplicação de duas incógnitas
pode sair alguma coisa de certo e definido, que resolva a questão
suscitada.
O conceito da pena não é um conceito
jurídico, mas um conceito político. Este ponto é capital. O defeito das teorias
correntes em tal matéria consiste justamente no erro de considerar a pena como
uma conseqüência de direito, logicamente fundada; erro que é especulado por uma
certa humanidade sentimental, a fim de livrar o malfeitor do castigo merecido,
ou pelo menos lho tornar mais brando. Como conseqüência lógica do direito, a
pena pressupõe a imputabilidade absoluta, que entretanto nunca existiu, que não
existirá jamais. O sentimentalismo volve-se contra este lado fraco da doutrina,
combatendo a imputabilidade em todo e qualquer grau. Para isso lança mão de
razões psiquiátricas, históricas, pedagógicas, social-estáticas; e todas estas
razões, é força confessar, são de uma perfeita exatidão. Mas isto somente na
hipótese da pena regulada pela medida do direito, o que é de todo inadmissível,
porque é de todo inexeqüível.
Quando se viola um direito, um
sistema jurídico perturbado, bem como a pessoa ofendida, não tem outro
interesse senão que o dano causado seja satisfeito, se possível,
restabelecendo-se o direito, ou substituindo-se o valor que nele repousa.
O que vai além desta esfera, nasce de
motivos que são estranhos ao direito mesmo. A obrigação forçada de indenizar,
quanto é possível, o mal produzido, não é uma pena, ao passo que, por outro
lado, também a pena não tem força para estabelecer o direito violado, como por
exemplo a execução de Ryssakow e seus companheiros de tormento não teve
por efeito a ressurreição de Alexandre II.
O interesse jurídico, estreme de
móveis que lhe são estranhos, exigiria que, dado um assassinato, o assassino
fosse conservado vivo e perpetuamente condenado a trabalhar em benefício dos
parentes do morto ou da nação prejudicada pelo aniquilamento de uma vida
humana, o que entretanto não seria uma pena, mas somente o pagamento de uma
dívida, e deixar-se-ia bem incluir no direito das obrigações porém não no
direito penal.
Estas últimas considerações, que tomo
de empréstimo a Júlio Froebel, me parecem de uma justeza incontestável. Quem
procura o fundamento jurídico da pena deve também procurar, se é que já não
encontrou, o fundamento jurídico da guerra.
Que a pena, considerada em si mesma,
nada tem que ver com a ideia do direito, prova-o de sobra o fato de que ela tem
sido muitas vezes aplicada e executada em nome da religião, isto é, em nome do
que há de mais alheio à vida jurídica.
Em resumo – todo o direito penal
positivo atravessa regularmente os seguintes estádios: primeiro, domina o
princípio da vindicta privada, a cujo lado também se faz valer, conforme o
caráter nacional ou etnológico, a expiação religiosa – depois, como fase transitória,
aparece a compositio, a acomodação daquela vingança por meio da multa
pecuniária; e, logo após, um sistema de direito penal público e privado;
finalmente, vem o domínio do direito social de punir, estabelece -se o
princípio da punição pública.
Uma das maiores e mais fecundas
descobertas da ciência dos nossos dias, diz Hermann Post, consiste em ter
mostrado que qualquer formação cósmica traz hoje ainda em si todas as fases do
seu desenvolvimento – e sobre tudo que existe – pode estudar-se, nos traços
fundamentais, a infinita história do seu fieri. Ora, isto que é verdade em
relação ao mundo físico, o é também em relação ao mundo social.
No direito criminal hodierno, por
mais regular que pareça a sua estrutura, encontram-se ainda sinais da primitiva
rudeza.
Assim, por exemplo, o princípio da
vindicta ainda não desapareceu de todo de nenhum dos atuais sistemas de
penalidade positiva. A subordinação dos processos de uma ordem de crimes à
queixa do ofendido é um reconhecimento desse princípio.
Todo sistema de forças vai atrás de
um estado de equilíbrio; a sociedade é também um sistema de forças, e o estado
de equilíbrio que ela procura, é justamente um estado de direito, para cuja
consecução ela vive em contínua guerra defensiva, empregando meios e manejando
armas, que não são sempre forjadas segundo os rigorosos princípios
humanitários, porém que devem ser sempre eficazes. Entre estas armas está a
pena.
E ao concluir, para ir logo de
encontro a qualquer censura, observarei que de propósito deixei de lado a
questão do melhoramento e correção do criminoso por meio da pena, porque isto
pertence à questão metafísica da finalidade penal, que é ociosa, além do
mais, pela razão bem simples de que a sociedade, como organização do direito, não
partilha com a escola e com a igreja a difícil tarefa de corrigir e melhorar o
homem moral. Aqui termino; o que deixo escrito, é bastante para dar a conhecer
o meu modo de pensar em tal assunto. Quanto porém às lacunas, que
encontrar-se-ão em grande número:
Je sais qu’il est indubitable
Que pour former oeuvre parfait,
Il faudrait se donner au
diable,
Et c’est ce que je n’ai pas fait.
NOTAS DO AUTOR
(1) Ainda aqui importa observar que o
meu ponto de vista é alguma coisa diverso do da escola positiva, para quem toda
a metafísica é um produto de insensatez; o que aliás não obsta que ela tenha
criado uma metaHistória e uma metapolítica, tão pouco adaptadas aos fatos e tão
difíceis de compreender, como a velha ciência dos noólogos e
transcendentalistas. E vem aqui também a propósito lembrar um fato, que se
prende ao presente assunto.
Há seis anos, quando o meu nobre
amigo Sílvio Romero, em uma defesa de tese na Faculdade de Direito do Recife,
afirmou que a metafísica estava morta, e esta asserção produziu no corpo
docente espanto igual ao que teria produzido um tiro de revólver que o moço
candidato tivesse disparado sobre os doutores, já eu nutria minhas dúvidas a
respeito da defunta, que o positivismo tinha dado realmente como morta, porém
que ainda sentia-se palpitar. E tanto assim era, que comecei então a
publicar no “Deutscher Kämpfer” um estudo filosófico, no único intuito de
mostrar o que havia de exagerado na pretensão da seita positiva, que entretanto
já hoje só tem de positivo pouco mais que o nome. O que me pareceu sobremaneira
estupendo, foi que se tivesse tomado por uma heresia o que já era de certo modo
um atraso. Sílvio Romero falara como positivista; falara em nome de uma escola
intolerante, que não estava mais no caso de nutrir um espírito pensador, e que
ele mesmo, anos depois, em sua Filosofia no Brasil, reduziu a proporções bem
pequeninas, censurando-lhe sobretudo a visão maniacal de metafísica por toda
parte. Nem há dúvida que essa escola, por força das suas exagerações, tende a
cair em total descrédito. Assim, é sabido que A. Comte condenava a indagação
anatômica que fosse além dos tecidos; logo, Virchow e a patologia celular são
réus de metafísica; e creio, que entre nós, já houve um pobre de espírito, que
tirou uma tal conseqüência, volvendo-se de preferência contra o célebre
patólogo. Também é certo que o mesmo Comte repelia, como suspeita de hipóteses
visionárias, a astronomia sideral, restringindo a pesquisa científica à
astronomia solar, ao que somente diz respeito ao nosso sistema planetário;
logo, o Padre Secchi, por exemplo, não passou de um metafísico!... E querem
prova mais cabal da intolerância e despropósito da doutrina positivista, ao
menos como ela foi formulada pelo seu grande chefe, que entretanto vale muito
mais que todos os seus discípulos? Respondam os entendidos, bem entendido, os
que podem falar conscientemente.
(2) O leitor não se espante de
ouvir-me falar de sentimento transformado. O evolucionismo transformístico, no
mundo psicológico, é também uma realidade: é chegado, parece, o tempo de uma
ressurreição gloriosa do Abade Condillac, que irá então mostrar-se mais moço do
que o mais moço espiritualista moderno. A teoria da sensação transformada é
verdadeira no sentido de um processo de diferenciação que se executa, não
ontogenético, mas filogeneticamente, não no indivíduo, porém na espécie.
(3) Der Zweck im Recht – S. 499,
1877.
(4) Cultur und Rechtsleben – S. 27,
1865.
(5) Natürliche Schopfungsgeschichte –
Fünfte Auflage, Seite 29, nº 636.
(6) Dig. – I-3, 3 e 4.
(7) Das Studium des oeffentlichen
Rechtes in Deutschland, 1875, S. 11. Aqui porém releva advertir que o mundo
jurístico, a que se refere o sábio professor, parece que não faz parte a
maioria dos nossos jurisperitos, que continua a estragar a mocidade com meras
nugas, tidas em conta de questões importantes, e a falar-lhe de direitos
primitivos, descendentes de Deus, mais velhos que o sol e a lua. Para esses, a
antítese estéril de direito natural e direito positivo permanece no mesmo pé em
que se achava, há um século” Eles são, literalmente, uma nova raça de Bourbons,
que nada aprendem e nada esquecem”...
(8) Der Ursprung des Rechtes – 1876,
S. 103.
(9) Th. Mommsen – Roemisches
Stdatsrecht - I, 153; II, 583.