quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Tribunal de Justiça de Minas Gerais utiliza-se de doutrina do Prof. Warley Belo para absolver réu

Tribunal de Justiça de Minas Gerais utiliza-se de doutrina do Prof. Warley Belo para absolver réu.





EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - ROUBO MAJORADO - AUSÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES A ENSEJAR A CONDENAÇÃO - PROVA INDIRETA - FRAGILIDADE - ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

I - Se a prova coligida aos autos não permite concluir quem foi o autor do delito patrimonial, impõe-se a absolvição do acusado, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo.

II - A prova indireta, prestada por aquele que não presenciou os fatos, é frágil e por si só não pode sustentar uma condenação criminal.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0522.05.019028-2/001 - COMARCA DE PORTEIRINHA - APELANTE(S): IRSON SANTOS SOARES BARBOSA - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS - VÍTIMA: ANTONIO SOARES MARTINS

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.



DES. ADILSON LAMOUNIER 

RELATOR.

DES. ADILSON LAMOUNIER (RELATOR)

V O T O

Trata-se de apelação criminal interposta por Irson Santos Soares Barbosa em face da sentença de fls.115/120, por meio da qual a douta Juíza de Direito da Comarca de Porteirinha julgou procedente a denúncia, condenando o recorrente como incurso nas sanções do art.157, §2º, I, do Código Penal, à pena de 05 (cinco) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime semiaberto, e pagamento de 26 (vinte e seis) dias-multa.

Em suas razões recursais às fls.163/164, a defesa do apelante pleiteia sua absolvição, por ausência de provas que autorizem o decreto condenatório. Sustenta que as testemunhas foram imprecisas e contraditórias em suas informações, e que a palavra da vítima se manifesta "parcial e tendenciosa".

Às fls.168/174, contrarrazões recursais, requerendo o Ministério Público o improvimento do recurso, com a manutenção da sentença recorrida.

Instada a se manifestar, a d. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls.180/183).

É o relatório.

Decido.

Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade.

Não vislumbro nenhuma nulidade que vicie o feito ou questão que mereça apreciação de ofício.

Narra a inicial acusatória que no dia 21.04.2005, por volta das 16 horas, na localidade denominada Fazenda Alegre, município de Porteirinha, o denunciado, ora apelante, agindo de forma livre e consciente, mediante grave ameaça exercida com emprego de revólver, roubou uma bomba de encher pneus de charrete, um liquidificador marca Black&Decker, um aparelho de som da marca Britânia e a quantia aproximada de R$400,00 (quatrocentos reais) que estavam na posse da vítima Almerindo Medeiros de Brito, mas de propriedade de Antônio Soares Martins.

Segundo consta, a vítima Almerindo estava trabalhando na propriedade de seu patrão quando o denunciado se aproximou usando uma toca no rosto e arma em punho, apontado para aquela. Ameaçando ceifar-lhe a vida, o denunciado imobilizou a vítima e o fez levar até a residência de Antônio Soares Martins, local em que roubou a quantia em dinheiro e os objetos acima narrados.

Conforme relatado, a d. magistrada sentenciante julgou procedente a denúncia, condenando o recorrente como incurso nas sanções do art.157, §2º, I, do Código Penal, o que motivou o presente recurso.

Busca a defesa unicamente a absolvição do acusado, por entender que o conjunto das provas contido nos autos é insuficiente a lastrear a pretensão acusatória.

A pretensão merece acolhimento.

Com efeito, verifica-se que o apelante negou a prática dos fatos narrados na denúncia, afirmando desconhecer o motivo pelo qual está sendo processado, e que no dia dos fatos estava preso na cidade de Janaúba.

Apesar de tal assertiva não ter sido comprovada nos autos, julgo que não foram produzidas provas aptas a sustentar a condenação, ônus exclusivo da acusação.

Isto porque as vítimas e testemunhas conseguiram confirmar apenas que os vizinhos apontaram o apelante como autor dos fatos, porque supostamente o teriam visto nas proximidades da residência da vítima, saindo na posse dos objetos roubados.

Vejamos:

Tão logo chegou da roça e tomou conhecimento dos fatos, recorreu aos vizinhos, os quais lhe informaram que o indivíduo conhecido por Wilson filho de Ana, morador na cidade de Janaúba-MG, tinha passado ali na estrada que vai à casa do declarante em uma bicicleta, na tarde da mesma data dos fatos, cujo elemento é conhecido como 'ladrão', quem, sem qualquer dúvida praticou aquele assalto na casa do declarante (Antônio Soares Martins, fls.12, confirmado em juízo às fls.99)

Que os vizinhos do depoente disseram que viram na data dos fatos o indivíduo de nome Wilson de Ana, residente em Janaúba-MG, passar ali na estrada em direção da casa palco do roubo, montado em uma bicicleta, cujo elemento conhecido como "Ladrão"; que, a pessoa de Adenir filho de Arlindo, foi uma testemunha que viu Wilson de Ana, seguindo em direção da casa da vítima, retornando posteriormente com os objetos roubados (Pacífico Soares de Aguiar, fls.10, confirmado em juízo às fls.100)

A vítima que estava na posse dos objetos roubados, Almerindo Medeiros de Brito, não foi ouvida em juízo, mas tão somente na fase extrajudicial. Naquela oportunidade, afirmou que o autor do roubo lhe era desconhecido, e que "posteriormente ficou sabendo se tratar de Wilson de tal, filho de Ana" (fls.16).

Confirmando que a pessoa de "Wilson, filho de Ana" apontado pelas testemunhas é o apelante, o depoimento de Bertolino Soares Neto:

Que o autor do roubo teve que arrombar a porta da casa do pai do depoente para subtrair os objetos; que a pessoa de Wilson, filho de Ana e de 'Berto', mencionado no depoimento de fls.14/15 é a mesma pessoa do réu que ora é acusado, ou seja, Irson Santos Soares Barbosa (fls.101).

Nota-se que todas as testemunhas utilizaram para reforçar seus depoimentos o fato de que o apelante era o principal suspeito de um crime de latrocínio também ocorrido na região. Contudo, como afirmou a própria testemunha Bertolino Soares Neto, até o momento "não se sabe a autoria do crime de latrocínio", o que impede qualquer conclusão em desfavor do apelante.

Prosseguindo na análise do conjunto probatório, verifico que as demais testemunhas ouvidas na instrução nada acrescentaram sobre os fatos, se limitando a declarar que não possuíam condições de reconhecer o acusado ou que não presenciaram os fatos (fls.95 a 97).

Diante de tais elementos, é possível concluir que os testemunhos constantes nos autos não conseguiram comprovar os fatos tais como eles efetivamente ocorreram, ou demonstrando conhecimentos que adquiriram por seus próprios sentidos.

As testemunhas da acusação somente souberam da autoria dos fatos por intermédio de terceiros, as chamadas testemunhas "por ouvir dizer" ou de auditu.

Segundo ensina Rogério Sanches Cunha, dentre as classificações da testemunha, há a testemunha direta e a indireta, sendo que "dá-se o nome de testemunha direta (ou de visu), àquela eu depõe sobre fato que assistiu; e, indireta (ou de auditu ou testemunha de 2° grau), a que depõe sobre fatos que ouviu dizer" (Processo Penal Prático. 2. ed. Salvador: Jus PODIVM, 2007. p. 72).

É certo que na sistemática processual penal, poderá o juiz fundamentar sua decisão através de sua livre convicção, motivada por qualquer meio de prova válido, dentre eles o indício. Assim, se o julgador se convencer da existência do crime e de indícios concretos relativos à autoria da infração penal, poderá, só com base nesses elementos indiciários, proferir decreto condenatório.

Contudo, julgo que a prova indireta, prestada por aquele que não presenciou os fatos é frágil e por si só não pode sustentar uma condenação criminal. A valoração isolada destas testemunhas se revela incompatível com a estrutura acusatória, em virtude, inclusive, das inverdades e imprecisões que pode gerar.

Conforme sustenta Warley Belo,

Desta forma, a testemunha de "auditu" é simples indício incapaz de produzir qualquer condenação. Seja porque não é prova tecnicamente falando, pois sua existência é fora do processo - sem o amparo do contraditório -, seja porque o que a testemunha de "ouvi dizer" comprova é - tão somente - que ouviu terceiro dizer algo, mas não que esse algo seja verdadeiro ou tenha, de fato, existido. A solução mais correta é a absolvição com fundamento no art. VII do art. 386, CPP porque a prova que condena é a prova que imprime certeza, objetividade, clareza, de forma que alegar e não provar são situações idênticas, como diz o aforismo: "quod gratis assertur, gratis negatur". (Testemunha de "Auditu". Conteúdo Jurídico, Brasília: 04 mar. 2011. Disponível em: 

http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=1&seo=1.Acesso em: 06 nov. 2012)

Importante ainda salientar que ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de solução da incerteza, o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador. 

Isso porque, ao estar a inocência assistida pelo postulado de sua presunção, até prova em contrário, esta prova contrária deve aportá-la a quem nega sua existência, ao formular a acusação, sendo inadmissível a imposição de pena a alguém baseada em prova deficiente, incompleta e duvidosa.

A única certeza exigida pelo processo penal refere-se à prova da autoria e da materialidade, necessárias para que se prolate uma sentença condenatória. Do contrário, em não sendo alcançado esse grau de convencimento, a dúvida remanescente beneficia o acusado. 

Na hipótese dos autos, repito, há apenas indícios, presunções e suposições, uma conjugação de fatos que apontam para a possibilidade de serem os denunciados os autores do grave delito. Todavia, considerando que o Direito Penal não se compadece com meras suposições ou conjecturas e, ante a ausência de elementos probatórios suficientes a ensejar a condenação, imperiosa a absolvição dos réus.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para absolver o apelante Irson Santos Soares Barbosa da prática do delito previsto no art.157, §2º, I, do Código Penal, com fulcro no art. 386, VII, do CPP.

DES. EDUARDO MACHADO (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JÚLIO CÉSAR LORENS - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO"

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