Publicada pequena entrevista que concedi sobre aborto no Jornal Hoje em Dia.
Drama público: avança no congresso texto que pode punir
aborto em qualquer caso
Da Redação
horizontes@hojeemdia.com.br
13/11/2017 - 06h00
http://hoje.vc/1c570
A chance real de criminalização do aborto nos casos hoje
permitidos pela lei brasileira pode impor um drama ainda maior a mulheres
vítimas de estupro, com gravidez de risco ou que estejam gerando bebês sem
possibilidade de sobreviver – e que, por isso, queiram antecipar o fim da
gestação.
Comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou na semana
passada projeto que prevê incluir na Constituição a garantia do direito à vida
“desde a concepção”. Na prática, a proposta que avança no Congresso segue na
direção de proibir o aborto sob qualquer justificativa.
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Em BH, se já estivesse em vigor, o texto teria impedido pelo
menos 64 mulheres de interromper a gravidez em situações em que a Justiça
considerou a opção um direito ou um “mal menor”, do ponto de vista físico ou
psicológico, às mães.
“Só pobres morrem por aborto, porque têm menos recursos.
Ricas vão continuar abortando porque têm acesso a métodos mais seguros, mesmo
que ilegais”
Sônia Lansky
Doutora em Saúde Pública
O número corresponde às belo-horizontinas que se submeteram
a um aborto legal de 2015 para cá em apenas dois dos quatro hospitais públicos
na capital que fazem o procedimento: o das Clínicas, da Universidade Federal de
Minas Gerais, e o Júlia Kubitschek, da Fhemig.
A Maternidade Odete Valadares, que também é do Estado, e o
Odilon Behrens, vinculado à prefeitura, além das secretarias municipal e
estadual de Saúde, não informaram o total de abortos legais realizados.
Relator do texto, o deputado Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP)
alega que o princípio da dignidade da pessoa humana e a garantia de
inviolabilidade do direito à vida devem ser respeitados desde a concepção. “Nós
somos favoráveis à vida”
Volta ao passado
Profissionais da área da saúde ouvidos pelo Hoje em Dia
consideram a proposta que tramita no Congresso um retrocesso. Além de impedir
que a palavra final seja da mulher, a mudança sujeitaria principalmente
gestantes pobres e negras, as mais vulneráveis social e financeiramente, à
obrigação de levar a gravidez indesejada até o fim, ao risco de complicações e
à roleta-russa de intervenções clandestinas e inseguras.
“Sabemos que abortos acontecem todos os dias em clínicas
clandestinas, e a (eventual) decisão (do Congresso) pode levar um número muito
maior de pessoas a buscar métodos arriscados de interrupção da gravidez”,
afirma a professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFMG, com
atuação no Hospital das Clínicas, Eura Martins Lage.
Também médica, Sônia Lansky vê o aborto legal como uma
questão exclusiva de saúde pública. Ela ressalta que em algumas situações a gravidez
representa risco de morte para a própria mulher, caso das gestantes com doenças
graves do coração.
Doutora em saúde pública, ela diz que o acompanhamento de
grávidas que desejam abortar é importante, inclusive para que essas mulheres
tomem decisões mais seguras.
“Quem quer abortar muitas vezes precisa se virar sozinha,
esconder da família e do sistema de saúde. Com o acompanhamento, ao longo de
semanas, há mulheres que podem até mudar de ideia e desistir”.
“Na época da 1ª Guerra já tinham chegado à conclusão de que
as vítimas sexuais dos soldados não poderiam ser obrigadas a levar a gravidez
até o fim. Não cabe forçar a mulher a gerar o fruto de uma ação criminosa”
Warley Belo
Advogado criminalista e autor do livro “Aborto”
Medo de condenação moral aflige mulher, diz especialista
O chamado aborto legal foi realizado 8.139 vezes no país
entre 2012 e 2016. No entanto, a falta de informações tirou de várias outras
mulheres a possibilidade de recorrer ao procedimento, acredita a professora do
curso de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Silvia Badim.
“Além disso, principalmente no caso de violência sexual, as
mulheres acabam sendo condenadas moralmente, fazendo com que ainda tenham muito
medo de acessar o serviço”, pontua Silvia, também coordenadora dos Direitos da
Mulheres da Diretoria da Diversidade da UnB.
Pesquisa feita no ano passado pela universidade e o
Instituto de Bioética estima que 503 mil brasileiras interromperam a gravidez
de forma ilegal em 2015 – média de 57 por hora.
Dilema
Para a psicanalista Gabriella Cirilo, coordenadora de
Psicologia da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, espaço de atendimento
a vítimas de violência em BH, a gravidez, por si só, já traz sentimentos
diversos e conflitantes. Uma gestação não planejada e não desejada pode representar
um problema ainda maior, mas o aborto também não é uma escolha fácil, frisa.
“É visível a fragilidade, em todos os níveis, com que a
mulher chega para um acolhimento. Somente ela pode dizer, com toda a
responsabilidade que qualquer escolha acarreta, o que quer”.
“Falar que o aborto será usado como método contraceptivo é
desinformação. Isso não é verdade. Nenhuma mulher quer sair por aí fazendo
aborto, algo que é doloroso emocional e fisicamente”
Sônia Lansky
Doutora em saúde pública
Já Vera Ribeiro, coordenadora nacional do “Brasil 4Life”,
instituição com viés religioso que existe aqui e nos Estados Unidos para apoiar
mulheres com gravidez indesejada, é contra o aborto em qualquer situação. Ela
defende a “preservação da vida em qualquer aspecto”, porque considera que a
vida do bebê é tão valiosa quanto a da mãe.
Em 2016, Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) feita pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que a maior
parte das pessoas que recorreram à interrupção antecipada da gravidez tinham
religião (88%).
“O substitutivo da PEC apenas explicita um direito que já
existe, que é o direito à vida. Não há diferença entre o bebê em
desenvolvimento no útero da mãe e aquele que se desenvolve após o nascimento”
Deputado Diego Garcia (PHS-PR)
Ao comemorar a aprovação do texto
Além Disso
Aprovada por 18 votos a 1, a PEC 181/2011 foi votada na
quarta-feira passada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados e
precisa ser levada a plenário. São necessários 308 votos dos 513 parlamentares
para que o texto seja validado. Se aprovado, também precisará de sanção
presidencial.
Na última sexta-feira, o presidente da Casa, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), adiantou que se ficar entendido que a proposta dá margem para a
proibição do aborto em casos de estupro não deve avançar plenário. Não há
garantia ou data prevista para que o projeto seja votado.
A proposta foi inserida em uma PEC que já tramitava na Casa
sobre a ampliação da licença-maternidade de 120 para 240 dias em caso de bebês
prematuros. O relator, Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), sob pressão dos deputados
evangélicos, alterou o texto para incluir também mudanças relacionadas à
interrupção da gravidez.
Editoria de Arte / N/A
Aborto
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