sexta-feira, 27 de agosto de 2010

A comunicabilidade da renúncia tácita nas ações penais de iniciativa privada

Resumo: O texto analisa doutrina e jurisprudência a respeito das ações penais de iniciativa privada no que se relaciona com o princípio da indivisibilidade. Esse princípio veda a possibilidade do querelante escolher quais (ou qual) querelados irá processar. O desrespeito ao princípio importa em extinção da punibilidade pela renúncia tácita, causa comunicável a todos os demais querelados.

Causa de extinção muito comum na propositura da ação de iniciativa privada pelos crimes de calúnia, injúria e difamação (arts. 139, ss., CP) é o desrespeito aos princípios reitores desta modalidade de ação.
Segundo a melhor orientação doutrinária e jurisprudencial, os princípios que regem a ação penal de iniciativa privada são: o da oportunidade, o da conveniência, e da disponibilidade, o da intranscendência e o da indivisibilidade.
Aqui nos apegamos ao princípio da indivisibilidade.
É comum nesses crimes o concursus delinquentium. Isso indica o concurso de mais de uma pessoa na prática dos supostos crimes contra a honra.
Nesse caso, em havendo concurso (seja ele co-autoria ou mesmo participação) é impossível que o querelante possa escolher somente um dos pretensos ofensores renunciado aos demais. Se assim o fizer, surge a figura da renúncia tácita (art. 104, § único, CP) que aproveita aos demais autores ou partícipes do crime não elencados na exordial[1] , como forma de extinção da punibilidade, exceto quando a identidade for desconhecida.
O fundamento é de que a ação penal de iniciativa privada é indivisível, por regra expressa no art. 48 do CPP[2] , devendo, a ação, ser proposta em face de todos os autores do fato delitógeno. O querelante tem a prerrogativa de propor ou não a ação. Pode ou não exercer o chamado jus persequendi in iudicio, escolhendo se quer ou não processar os ofensores. Todavia, não pode fracionar a ação penal. Não se aceita, pois a escolha apenas de um ou alguns dos que colaboraram na prática do ilícito penal. Ou se processa a todos, obrigatoriamente, abrangendo os autores, co-autores e partícipes do fato criminoso, ou não se processa ninguém.
De forma que, não sendo a peça acusatória aditada no prazo decadencial, ocorre a extinção da punibilidade de todos os agentes pela renúncia tácita, incluídos ou não na peça pórtica, já que esta causa de extinção da punibilidade é comunicável. Tudo por força do artigo 49 do CPP c/c art. 107, V, CP. É esse o entendimento uníssono do STJ[3] e da Suprema Corte[4] . A doutrina também é absolutamente pacífica nesse sentido[5] .
Por fim, saliente-se que o reconhecimento da renúncia tácita, como causa extintiva da punibilidade, é questão, sobejamente, de ordem pública, quer dizer, de conhecimento de ofício. Não se admite, portanto, o argumento de supressão de instância para seu reconhecimento que deve se realizar de ofício e a qualquer tempo[6] nos termos do art. 61 do CPP. Mesmo porque, uma vez extinta a punibilidade, por qualquer motivo, é explícita a falta justa causa, encontrando, uma vez mais guarita no art. 648, I e VII, CPP, que considera ilegal a coação quando extinta a punibilidade.
Não existe, pois a obrigação de, processualmente, primeiro pleitear ao juiz de primeira instância, se for o caso, o reconhecimento da renúncia tácita, para, somente depois, se indeferida a pretensão, impetrar habeas corpus perante o Tribunal. Desde que entenda estar sendo ilegalmente constrangido por qualquer procedimento penal, o advogado pode escolher, livremente, a seu exclusivo alvedrio, entre pedir ao juiz a declaração da extinção da punibilidade, ou, desde logo, impetrar à Turma ou Tribunal uma ordem de trancamento da ação ou da execução presidida pelo magistrado[7] .

Notas

[1]A disposição se encontra expressa no Código Penal Italiano, art. 124, última parte: “La rinuncia si estende di diritto a tutti coloro che hanno commesso il reato.”
[2]Havendo, pois, clara e explícita ação de co-responsáveis, registra expressamente o artigo 48, CPP, o princípio da indivisibilidade da ação privada: "A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará o processo de todos e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade".
[3]“Penal e processual penal. Habeas corpus. Delitos contra a honra previstos como difamação e injúria na lei 5.250/67. Ação penal privada. Princípio da indivisibilidade. Renúncia. Extinção da punibilidade. I - Quando, na matéria jornalística, a declaração atribuída ao querelado é indissociável de fatos publicados em outra reportagem, cuja remissão faz-se obrigatória para a compreensão de supostas críticas desonrosas atribuídas ao querelante, a hipótese é de co-autoria de conduta delitiva (Precedente do Excelso Pretório). II - Considerando que o processamento e julgamento dos crimes contra a honra ora deduzidos reclamam a propositura de ação penal privada, vige, entre os supostos co-autores, o princípio da indivisibilidade, de forma que a renúncia em favor de um deles, obrigatoriamente, a teor do art. 49 do CPP e 104 do CP, estendem-se aos demais, gerando, quanto a estes, da mesma forma, a extinção da punibilidade nos termos do art. 107, V, do CP. Ordem concedida.(STJ, HC nº 19088/SP, Min. Felix Fischer, Quinta Turma, Data do julgamento: 25/03/03, DJ de 22/04/2003).”
“Penal e processual. Ação penal privada. Princípio da indivisibilidade. Violação. Renúncia tácita. Extensão a todos os querelados. Extinção da punibilidade. 1 - Se há notícia da participação de outro agente nos fatos narrados como delituosos, a proposição de queixa-crime contra um só, acarreta a renúncia tácita do direito de ação, que se estende a todos (art. 49, do CPP), e, conseqüentemente, a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, V, do CP. Precedentes desta Corte.2 - Ordem concedida.(STJ, HC nº 12203/PE; Min. Fernando Gonçalves; Sexta Turma; Data do julgamento 18/05/00; DJ de 12/06/00).”
“HC - Queixa-crime - calunia e injuria - renuncia tácita - Documento: IT35389 - Inteiro Teor do Acórdão - Perempção.- Se o querelante tem notícia de ofensas proferidas por todos os querelados e deixa de incluir um deles na queixa-crime, fere o princípio da indivisibilidade da ação penal, de que trata o art. 48, do CPP.- A ocorrência de tal renúncia em relação ao co-partícipe, aproveita ao paciente, nos termos do art. 104, do CP, e 49, do CPP.- Trancamento da ação penal que se impõe."(RHC 5.194/RJ, 5º Turma, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, DJU de 05/08/96)."
“Penal e processual. Ação penal privada. Princípio da indivisibilidade. Violação. Renúncia tácita. Extensão a todos os querelados. Extinção da punibilidade.1 - Se há notícia da participação de outro agente nos fatos narrados como delituosos, a proposição de queixa-crime contra um só, acarreta a renúncia tácita do direito de ação, que se estende a todos (art. 49, do CPP), e, conseqüentemente, a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, V, do CP. Precedentes desta Corte.2 - Ordem concedida."(HC 12.203/PE, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJU de 12/06/2000).”
[4]“Ação penal privada e princípio da indivisibilidade - Por ofensa ao princípio da indivisibilidade da ação penal privada (CPP, art. 49), a Turma deferiu habeas corpus para trancar ação penal e declarar extinta a punibilidade de jornalista processado pela suposta prática de delito contra a honra, consistente na veiculação, em jornal, de matéria considerada, pelo querelante, difamatória e ofensiva a sua reputação. Considerou-se que, em razão de a queixa-crime ter sido oferecida apenas contra o paciente, teria havido renúncia tácita quanto aos outros jornalistas que, subscritores da referida matéria, foram igualmente responsáveis por sua elaboração. Ressaltou-se, ainda, que transcorrera in albis, sem que se tivesse aditado a inicial, o prazo previsto na Lei de Imprensa (Lei 5.250/67, art. 41, § 1º). HC 88165/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 18.4.2006. (HC-88165).”
“Ação penal privada - crimes contra honra - veiculação das alegadas ofensas morais mediante documento assinado por 19 (dezenove) pessoas - oferecimento de queixa-crime, no entanto, somente contra 02 (dois) dos signatários - violação ao princípio da indivisibilidade da ação penal privada - conseqüente renúncia tácita ao direito de querela - extinção da punibilidade - Tratando-se de ação penal privada, o oferecimento de queixa-crime somente contra um ou alguns dos supostos autores ou partícipes da prática delituosa, com exclusão dos demais envolvidos, configura clara hipótese de violação ao princípio da indivisibilidade (CPP, art. 48), implicando, por isso mesmo, renúncia tácita ao direito de querela (CPP, art. 49), cuja eficácia extintiva da punibilidade estende-se a todos quantos alegadamente hajam intervindo no cometimento da infração penal (CP, art. 107, V, c/c o art. 104). Doutrina. Precedentes. (STF - Inq-AgR 2139 - RS - TP - Rel. Min. Celso de Mello - DJU 29.06.2007).”
“Ação penal privada - crimes contra a honra - veiculação das alegadas ofensas morais em coluna jornalística (coluna "Boechat") - coluna jornalística cujo titular ("Boechat") tem, no processo de pesquisa, redação e finalização das matérias nela veiculadas, a ativa colaboração de dois (2) outros jornalistas - obra jornalística coletiva - oferecimento da queixa-crime somente contra o titular da coluna jornalística, com exclusão dos colaboradores que nesta se acham nominalmente identificados - ofensa ao princípio da indivisibilidade da ação penal privada (CPP, art. 48) - renúncia tácita ao direito de querela (CPP, art. 49) - extinção da punibilidade (CP, art. 107, v, c/c o art. 104) - habeas corpus deferido - Tratando-se de ação penal privada, o oferecimento de queixa-crime somente contra um ou alguns dos supostos autores ou partícipes da prática delituosa, com exclusão dos demais envolvidos, configura hipótese de violação ao princípio da indivisibilidade (CPP, art. 48), implicando, por isso mesmo, renúncia tácita ao direito de querela (CPP, art. 49), cuja eficácia extintiva da punibilidade estende-se a todos quantos alegadamente hajam intervindo no suposto cometimento da infração penal (CP, art. 107, V, c/c o art. 104). Doutrina. Precedentes. (STF - HC 88165 - RJ - 2ª T. - Rel. Min. Celso de Mello - DJU 29.06.2007).”
[5]CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, São Paulo, Saraiva, 1997, pp. 120 e 121. GAMA MALCHER, José Lisboa da. Manual de Processo Penal, 2ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, pp. 288 e 289. GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, pp. 112 a 114. MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado, 8ª ed., São Paulo, Atlas, 2001, pp. 210 e 211. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal, 11ª ed., São Paulo, Atlas, 2001, pp. 134 e 135. NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, 22ª ed., São Paulo, Saraiva, 1994, pp. 31 a 41. SILVA FRANCO, Alberto e Outros. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial, São Paulo, RT, vol. 1, p. 1174. TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, 17ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, vol. I, pp. 383 a 385.
[6]STJ, 6.ª Turma, Resp 132343/MT, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, v.u., j. 25.08.2004; in DJU de 13.09.2004, p. 297; STJ, 5.ª Turma, HC 41228/SP, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, v.u., j. 28.06.2005.
[7]Ver HC – Rel. Adrinao Marrey – RT 413/92 e Franco, Alberto Silva ET all. Código de Processo Penal e sua Interpretação..., São Paulo: RT, 2001, p. 1129.

2 comentários:

dede disse...

e se há oferecimento da queixa em face de dois querelados, mas em que pese estarem em concurso de pessoas, há renúncia t´cita sobre fatos, imputando a cada um um tipo penal diferente, um como autor e outro como participe, em que pese o querelante afirmar que estavam os querelados em concurso de agentes em relação a toos os crimes ou fatos. Haverá renúncia tácita dos fatos? ou só existe em relação ao autor?

Warley Belo disse...

Dede, se há concurso de pessoas, em decorrência da teoria monista, só pode haver um crime. Desta forma, é necessário processar ambos, sob pena de extinção da punibilidade.