Babás que agridem crianças:
maus-tratos, tortura ou tortura-maus-tratos?
Warley Belo
Advogado Criminalista
“A violência, seja qual for a maneira como ela se
manifesta,
é sempre uma derrota.”
Jean-Paul
Sartre
A disciplina para as crianças é um
assunto tormentoso. Mesmo para os pais legítimos, as mais leves punições
físicas encontram barreiras intransponíveis frente aos estudiosos do tema.
Na evolução histórica, o pai podia fazer
do filho o que bem entendesse. O pater-familias
era o que vigorava na Roma Antiga. Posteriormente, esse poder sobre os filhos diminuiu
encontrando no Cristianismo importante barreira moral. Na Idade Média, o poder
de disciplina infligindo castigo físico era permitido, mas limitado à morte ou a
ferimento grave. No século XIX, a maioria dos códigos não dispunha sobre os
maus-tratos, senão às lesões graves ou aos homicídios de maneira em geral. Aqui
no Brasil somente com o Código dos Menores (1927) foi que se passou a
caracterizar especificamente o crime em seus artigos 137 a 140. Hoje em dia, a
matéria é disciplinada no Código Penal como crime de maus-tratos (art. 136) e
impor punição física para educar é algo fora do contexto social ao ponto de
termos no Senado da República em trâmite a “Lei da Palmada” (PL 7672) que visa
coibir qualquer interferência agressiva dos pais contra os filhos para o fim de
educar. É claro que não há um consenso a esse respeito e muita discussão ainda
há porvir. Entretanto, é pacífico entre nós, e chega a ser odioso, quando há um
comportamento agressivo e desproporcional, seja por quem for e por qual motivo
se justificar, a prática de maus-tratos. Com maior razão, se a pessoa é
contratada para cuidar da criança, como é o caso das babás.
Maltratar, no caso, é expor a perigo a
saúde ou a vida de alguém, sob sua dependência ou guarda, a castigos
imoderados, trabalhos excessivos e/ou privação de alimentos e cuidados. O crime
de maus-tratos tem pena entre 2 meses a 1 ano ou multa com causa de aumento de
1/3 da pena se a vítima é menor de 14 anos.
Esse crime tem como sujeito ativo autoridades, guardiães ou vigilantes para
as práticas educacionais, religiosas, para tratamento ou custódia em geral.
Entretanto, por que não se fala, no
caso, de tortura, crime muito mais grave? O que diferencia os maus-tratos do
crime de tortura, já que em ambos há a imposição de sofrimentos? É possível que
um pai ou uma babá sejam condenados por tortura?
A tortura é crime previsto na Lei nº
9.455, de 7 de abril de 1997, cuja pena é bem maior variando de 2 anos a 8 anos
de reclusão que, praticada contra criança ou adolescente, há também causa de
aumento da pena de 1/6 até 1/3. Na oportunidade da publicação da lei,
revogou-se o artigo 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, dando-se
tratamento unitário e uniforme ao tema. Torturar significa infligir tormentos e
suplícios, tanto na dimensão física ou mental, em vítima por atos de
desnecessária crueldade. No caso em apreço, de uma babá que agride uma criança,
estaremos nos referindo à figura típica esculpida no art. 1º., II, da Lei
9.455/97. Neste caso, não basta a ocorrência do sofrimento físico ou mental:
ele tem de ser intenso (elemento indispensável, apesar de inexplicado porque um
tipo aberto). Exige-se, ainda, a intenção específica de que funcione como forma
de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Teremos aí o crime de
tortura-maus-tratos.
A diferença, pois mais comezinha entre
os crimes diz conta, primordialmente, à intenção. No crime de maus-tratos, a finalidade da conduta é a repreensão de uma
indisciplina, na tortura, o propósito é causar o padecimento da
vítima. O crime de maus-tratos se castiga para educar, ensinar, tratar
etc., o que denominamos ius corrigendi
em Direito Penal. Esta é a finalidade de se impor o sofrimento ilegal. Essa
espécie de maus-tratos, quando configurada, afastará a incidência do crime de
tortura. No crime de tortura, há agressão gratuita, por motivos banais, ou para
impor castigo pessoal por prazer, ódio ou qualquer outro sentimento vil. Sendo
assim, a diferença não se encontra nem tanto na intensidade ou extensão do
sofrimento, mas, sim, no elemento volitivo, nada obstante as características das
lesões serem importantes indicativos e elemento integrante da
tortura-maus-tratos.
O crime de tortura é equiparado a
crime hediondo e seu início de cumprimento de pena é sempre fechado. Além do
que é impossível substituir a pena de prisão por restritiva de direitos por ser
crime praticado por violência.
Desta forma, via de regra e
teoricamente, é possível que uma babá seja condenada por crime de tortura
quando agride intensamente, não só no aspecto físico, uma criança com a simples
intenção de menosprezá-la, subjugá-la ou humilhá-la.
Bibliografia
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STF. HC 79.920. Rel. Maurício Corrêa.
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Navigandi, Teresina, ano 5, n. 49, fev. 2001. Acesso em: 10 de junho de 2013.
TJPR. Ap.
82687900, Rel. Trotta Telles.
TJSP, RJTJSP 148/280.
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